Produção de soja no Brasil: um campo fértil para os bioinsumos (Sergio Ranalli/Pulsar)
Expoente entre os unicórnios de tecnologia agrícola, a empresa Indigo Agriculture nasceu há quatro anos e meio em Boston, nos Estados Unidos. Com um produto visível apenas com o uso de microscópio, a Indigo cresce a olhos vistos. Desde a fundação, já recebeu mais de 300 milhões de dólares e estima-se que o valor de mercado esteja no patamar de 3,6 bilhões. Logo no segundo ano de vida, a Indigo chegou ao Brasil com seu arsenal de microrganismos capazes de melhorar a resistência de culturas como milho, algodão e soja a pragas e também micronutrientes como vitaminas e minerais aplicados diretamente nas sementes.
Por aqui, a empresa deparou com um mercado gigantesco em potencial. Mas, ao mesmo tempo, com um entrave: a burocracia. Com 12 produtos disponíveis nos Estados Unidos, por enquanto há apenas dois aprovados no Brasil — outros três aguardam na fila há pouco mais de um ano. “Na Argentina, onde também atuamos, temos cinco produtos aprovados em três anos”, diz Dario Maffei, diretor-geral da filial brasileira da empresa.
Assim como a Indigo, uma geração de novas empresas estrangeiras e nacionais vive a mesma contradição. Elas são protagonistas de uma nova fronteira no campo, a dos bioinsumos, categoria que contempla, por exemplo, defensivos e fertilizantes de origem biológica, com o uso de fungos e bactérias. Em todo o mundo, trata-se de um mercado novo e pujante. Segundo a consultoria Mordor Intelligence, as vendas globais de biodefensivos no ano passado somaram 3,1 bilhões de dólares, o equivalente a 6,4% do mercado total de defensivos agrícolas. E devem crescer 14% ao ano até 2024, ante apenas 3% do mercado total.
Na América do Sul, as vendas desses produtos chegaram a 291 milhões de dólares em 2018, com projeção de crescimento de 16,4% por ano nos próximos cinco anos. Parte desse fôlego vem do impacto que os bioinsumos têm causado na produtividade de commodities, muitas vezes no mesmo patamar dos agrotóxicos e com preços em geral semelhantes.
Isso vem despertando o interesse dos produtores convencionais, além dos dedicados aos orgânicos. A lógica da exploração de fontes biológicas na agricultura reside na influência que as bactérias e os fungos exercem nas plantas, um fato já chancelado pela ciência, mas com grande potencial de crescimento e desenvolvimento. Aplicados de forma adequada, os microrganismos auxiliam a planta na absorção de nutrientes, e isso aumenta a resistência a pragas e a estresses climáticos, como seca e calor.
As vantagens se estendem ao ambiente, já que os biológicos não impactam a água e os alimentos da forma como os químicos o fazem atualmente. As possibilidades são tantas que startups têm surgido com saídas até mesmo curiosas para atender às demandas do campo. A belga AgroSavfe, por exemplo, aplicou em lhamas um componente encontrado em fungos. Como resposta natural, as lhamas desenvolveram anticorpos, que a startup usa como fungicidas para combater doenças em diversas culturas.
Enquanto isso, as startups têm de lidar com as adversidades, como o investimento exigido para regulamentar os bioinsumos. É o caso da Ambiento Biotec, startup ligada à agência de inovação da Universidade Estadual de Londrina. Há cinco anos, a empresa tem, já desenvolvido, um composto de quatro moléculas que auxiliam na produção agrícola. O produto parte da bactéria Pseudomonas aeruginosa e tem ação fungicida e bactericida, além de estimular o crescimento e a resistência das plantas.
Usado em soja, teve bom desempenho aplicado isoladamente, mas apresentou maior eficácia quando associado a defensivos químicos. “Os testes que fizemos em soja mostram um aumento de 1.000 sacas por hectare”, diz Galdino Andrade, pesquisador da Ambiento Biotec. Apesar de ser promissora, a alternativa não está no mercado e não deve ser comercializada tão cedo — encontra-se no processo para obter a certificação. “Para aprovar um defensivo biológico, os órgãos responsáveis pedem exames toxicológicos que podem passar de 1 milhão de reais.”
Investidores têm bancado o risco. Na brasileira Gênica, o investimento de 6 milhões de reais utilizado para impulsionar o negócio veio no ano passado da gestora de capitais SP Ventures, especializada em startups das áreas financeira, de saúde e agropecuária. A empresa fundada em 2015 pelo empreendedor Fernando Reis oferece produtos não apenas baseados em agentes biológicos mas também com a aplicação de compostos que estimulam mecanismos naturais de defesa do vegetal aplicados diretamente nos genes das plantas.
Apenas no caso dos biodefensivos, a empresa que requer a autorização de venda pode escolher entre seguir a trilha dos químicos e a dos orgânicos, e conseguir uma aprovação em oito meses. Mas a lei exige que, no segundo caso, a empresa torne as cepas públicas, algo que pode acarretar uma desvantagem competitiva — e não acontece em outros países. Entre uma opção ruim e outra pior, parte expressiva dos biodefensivos ainda segue o caminho dos químicos. Até maio deste ano 111 produtos biológicos foram registrados pela via convencional, ante 107 registrados pela via dos orgânicos.
Mesmo superada a etapa de criar uma legislação específica, segundo especialistas, ainda haverá outro entrave histórico. “O maior problema é a falta de gente”, diz Francys Vilella, diretora da consultoria de regulamentações para o agronegócio Cesis. Tereza Cristina Saminêz, técnica do Serviço de Especificações de Referência do Ministério da Agricultura, confirma que, ao lado de outra colega, ela forma a dupla responsável pela análise de 212 processos de registro.