Jovens na praça Tahrir, no Cairo: o movimento que derrubou Mubarak não tinha a figura de um líder (Patrick Baz/AFP Photo)
Da Redação
Publicado em 31 de março de 2011 às 10h21.
Por favor, junte-se a nós num protesto pacífico para que o governo chinês respeite os direitos básicos de seu povo.” A frase acima é parte de um texto postado no site de relacionamento chinês Boxun após o início das revoltas que não param de abalar os regimes totalitários no Oriente Médio.
É difícil precisar quantos chineses leram a mensagem na internet. Mais incerto ainda é saber quantos se sentiram inclinados a seguir as diretrizes do movimento anônimo e a participar de protestos em 18 cidades chinesas todos os domingos. Mas não resta dúvida de que representantes de todos os órgãos de segurança responsáveis pela repressão popular na China estavam vidrados no site onde dissidentes costumam se expressar.
Nos últimos dois fins de semana de fevereiro, as praças de várias cidades chinesas foram invadidas por centenas de policiais com uniforme e à paisana. Os jornalistas estrangeiros também compareceram em algumas delas. Só faltaram os milhares de manifestantes.
Desde que os tunisianos começaram a discutir a partir dos seus computadores a morte do vendedor de rua Mohamed Bouazizi, no fim do ano passado, ganhou força o debate sobre o verdadeiro papel da internet nas revoltas populares dos últimos dois meses.
A reação das autoridades chinesas mostrou que elas preferem não subestimar o poder das redes sociais. Quem batizou esses movimentos de “revoluções 2.0” foi Wael Ghonim, não por coincidência o diretor de marketing do Google para o Oriente Médio. Ghonim foi o criador de um dos grupos que organizaram o primeiro protesto popular na praça Tahrir, no Cairo, no dia 25 de janeiro, com uma página no Facebook.
Foi preso pela polícia três dias depois e passou 12 dias encapuzado. Ao ser solto, deu sua versão sobre a importância da internet no movimento: “Se você quer uma sociedade livre, apenas dê a ela acesso à rede. Os jovens irão ler a imprensa imparcial, vão ver a verdade sobre outros países e seu próprio país e colaborar uns com os outros”, disse, em entrevista à rede de televisão americana CNN.
Ninguém pode dizer que a internet é protagonista das revoltas na região nem afirmar que as deposições do tunisiano Ben Ali e do egípcio Hosni Mubarak não aconteceriam sem os sites de relacionamento. “O inegável é que estamos diante de um fenômeno novo: a rede foi crucial na eficácia e na rapidez com que se deu a mobilização da população”, diz Hassan Nafaa, cientista político da Universidade do Cairo.
Uma evidência em favor do que diz Nafaa é o fato de que não há líderes claros em nenhuma das revoltas. “Antes da internet, as revoluções eram combinadas em reuniões fechadas e clandestinas entre poucas pessoas. Demoravam semanas para ser postas de pé, com divulgação via panfletagem e telefone. O que se está vendo no mundo árabe é uma mobilização feita em questão de dias ou mesmo horas”, diz o egípcio Adel Iskandar, especialista em comunicação da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos.
Ensaio no Irã
O primeiro sinal de que a internet é uma poderosa ferramenta de mobilização política no mundo islâmico se deu em 2009, no Irã. Diante dos sinais de que a eleição de Mahmoud Ahmadinejad havia sido fraudada — ele foi anunciado como vencedor do pleito presidencial apenas 2 horas depois do fechamento das urnas, com improváveis 30 pontos percentuais de vantagem sobre seu opositor —, a população começou a disparar mensagens convocando protestos nas ruas.
Ahmadinejad expulsou a imprensa estrangeira do país, e a polícia reprimiu violentamente os protestos. A população, porém, usou o Twitter, e também o YouTube, para manter a mobilização e mostrar ao mundo o que estava acontecendo nas ruas de Teerã e das principais cidades do país.
O presidente americano, Barack Obama, chegou a pedir oficialmente que o Twitter adiasse uma manutenção nos servidores que tiraria o site do ar por algumas horas. Ao fim, o regime de Ahmadinejad triunfou sobre os manifestantes.
A penetração da internet no Oriente Médio é desigual. Na Líbia, mais de 80% da população tem acesso à rede, enquanto no Bahrein o percentual está um pouco acima de 40%. O que une todos os países é a rapidez com que aumenta o número de usuários das redes sociais — as contas do Twitter cresceram 113% entre 2009 e 2010.
Ninguém sabe o que vai acontecer no desenrolar das revoltas na região, mas uma coisa é certa: onde os regimes conseguirem continuar no poder, haverá uma preocupação óbvia com a livre circulação da informação na rede e é provável que o modelo chinês de censura seja copiado. Onde o regime for desmontado, será na internet que parte das discussões sobre novos partidos políticos se dará — como já está acontecendo no Egito.