Revista Exame

O que está em jogo na novela da Avianca

Uma disputa envolvendo Gol, Latam e Azul — e credores com 2,8 bilhões de reais a receber — mantém a Avianca paralisada

Avianca: 20 pares de slots em Congonhas são o cerne da discórdia no setor | Ernesto Tereñes/Getty Images

Avianca: 20 pares de slots em Congonhas são o cerne da discórdia no setor | Ernesto Tereñes/Getty Images

DG

Denyse Godoy

Publicado em 20 de junho de 2019 às 05h38.

Última atualização em 25 de junho de 2019 às 14h26.

Avianca Brasil, quarta maior empresa aérea do país, está no chão. A companhia paralisou as atividades em 24 de maio após determinação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) devido a preocupações com a segurança dos voos por causa de suas dificuldades financeiras. O telefone do serviço de atendimento ao cliente foi desativado, e passageiros com bilhetes comprados não sabem como agir. Com a  Avianca debilitada, as passagens aéreas no país subiram cerca de 20% neste ano.

Não faltam interessados nos ativos da empresa controlada pelos irmãos boliviano-brasileiros Germán e José Efromovich. Seu pouso forçado é resultado de uma briga envolvendo as três líderes do setor — Gol, Latam Brasil e Azul — e credores que têm 2,8 bilhões de reais a receber. EXAME ouviu concorrentes, fornecedores, investidores e especialistas para contar os bastidores de uma agonia que pode estar perto do fim. No dia 17 de junho, o Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou que o leilão para a venda do espólio da Avianca seja marcado. Falta definir a data — e esperar que novas reviravoltas não alonguem a disputa.

A Avianca Brasil pediu à Justiça proteção contra credores em dezembro, com prejuízo de 1,3 bilhão de reais no ano passado. Enquanto estruturava o plano de recuperação judicial, a companhia aceitou, em março, uma proposta da  rival Azul. Esta pretendia comprar da Avianca um pacote incluindo 20 pares de autorizações para pouso e decolagem (ou slots) no aeroporto paulistano de Congonhas, 17 no Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e 32 em Guarulhos, também em São Paulo.

A Azul levaria ainda 28 aviões Airbus A320 alugados, o certificado de operador aéreo, o programa de fidelidade Amigo e o direito de contratar parte dos funcionários da Avianca. Os slots em Congonhas são a joia do patrimônio, permitindo a operação na ponte Rio-São Paulo, a rota mais lucrativa do Brasil. O preço pelo lote ficou em 105 milhões de dólares, montante que contemplava um compromisso da Azul de emprestar até 40 milhões de dólares para manter a Avianca funcionando até a aprovação pelos reguladores. Era pegar ou largar, e a Avianca pegou.

Fechar um acordo diretamente com a Azul, terceira maior empresa aérea do país, parecia fazer sentido. A Gol e a Latam Brasil, a primeira e a segunda maiores do setor, não poderiam entrar no leilão que venderia o conjunto dos slots por prováveis restrições concorrenciais. Mas deu tudo errado, por detalhes que agora vêm à tona. Havia no contrato da Azul com a Avianca condições que barravam mais participantes. Apesar de a Avianca ter concordado, os credores — especialmente o fundo de investimento americano Elliott, ao qual a Avianca deve 2 bilhões de reais, ou 70% do total — acharam o valor proposto pela Azul baixo. Dependendo de quanto tempo levasse para a transação ser concluída, grande parte dos 105 milhões de dólares poderia ser consumida com o suporte à continuidade das operações, e sobraria pouco para ser distribuído aos fornecedores e investidores.

O Elliott pediu à Azul que o valor fosse elevado. De acordo com relatos de executivos que participaram das conversas, John Rodgerson, presidente da Azul, recusou e disse ao Elliott que encontrasse um comprador disposto a pagar mais. Experiente em disputas, o Elliott, que em 2016 venceu uma famosa pendenga de 15 anos com a Argentina para receber 2,4 bilhões de dólares referentes a um calote de bônus soberanos, seguiu o conselho e foi à luta. O fundo não deu entrevista.

Considerando que a Gol já tem 117 pares de slots em Congonhas, e a Latam Brasil, 118, as grandes candidatas a ficar com os ativos da Avianca não poderiam arrematar o lote único proposto pela Azul porque haveria concentração de mercado. Mas e se o patrimônio da empresa dos Efromovich fosse desmembrado? O Elliott partiu para essa solução. Separou os slots em seis pacotes e no sétimo deixou o programa de fidelidade Amigo. Os dois primeiros pacotes, que continham slots em Congonhas, Santos Dumont e Guarulhos, teriam lance mínimo de 70 milhões de dólares cada um. Outros três, que continham slots nos mesmos aeroportos, poderiam ser vendidos em um lote único, também valendo a partir de 70 milhões de dólares. Um lote que sobrava continha slots em Congonhas e o último era o do Amigo.

O fundo procurou, sigilosamente, as duas líderes de mercado. Disse a cada uma delas que já havia outro interessado em arrematar pelo menos um dos lotes. As empresas resolveram topar o arranjo para não ficar para trás. Cada uma delas se comprometeu a injetar 13 milhões de dólares para o custeio das atividades da Avianca até a aprovação da venda. Era começo de abril. No final de março, a Azul tinha parado de colocar dinheiro na Avianca depois de desembolsar 13 milhões de dólares — dos 40 milhões prometidos. A Azul diz que cessou o empréstimo porque a empresa dos Efromovich e o Elliott se recusavam a cortar as operações da Avianca para reduzir as despesas. O Elliott afirma a interlocutores que essa não era uma condição estabelecida pela Azul.

José Efromovich: acordo com a Azul deu origem a disputa nos bastidores | Germano Lüders

O prazo final para a assinatura do contrato entre a Azul e a Avianca expiraria em 15 de abril. Sem acordo com os credores,  a Avianca concordou, então, em submeter a votação o plano proposto pelo Elliott, que já contava com compromisso de lances da Gol e da Latam. A proposta foi aprovada por 80% dos credores em 5 de abril. O leilão foi marcado para 7 de maio. Mas, na véspera, a Swissport, que presta serviços para as empresas aéreas e está entre os credores da Avianca, entrou na Justiça com um recurso contra o plano. Alegou que os slots são uma concessão da Anac, e não propriedade da companhia aérea. Portanto, não poderiam ir a leilão. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acatou o pedido e suspendeu o leilão dos ativos. Levou mais de um mês até que, no dia 17, o julgamento definiu que a Avianca pode, sim, negociar seus slots.

O recurso da Swissport voltou a embaralhar o jogo. Assim que ele foi aceito, a Azul pediu autorização à Justiça para, em caráter de urgência, comprar o conjunto de ativos da Avianca. Ofereceu 145 milhões de dólares. Em manifestação sobre essa última oferta, o Elliott chegou a levantar suspeitas sobre a atitude da Swissport, afirmando que seu controlador, o conglomerado chinês HNA Group, chegou a ter uma fatia de 24% na Azul até meados de 2018. A Swissport, que não se pronunciou, tem negado atuação em conjunto com a Azul. Para o Elliott, a Azul está fazendo reiteradas tentativas de burlar a legislação para comprar os ativos da Avianca por um preço abaixo do justo.

A última proposta da Azul foi rejeitada pela Justiça. A companhia liderada por John Rodgerson passou, então, a se recusar a participar do leilão por causa do acordo entre Elliott, Gol e Latam Brasil. O contrato estabelecia que, se as empresas perdessem o certame, o fundo repassaria a elas uma parcela do montante a que tivesse direito de receber do vencedor. “Não queremos dar nosso dinheiro para Gol e Latam”, diz Alex Malfitani, diretor financeiro da Azul. O Elliott diz que tem direito de fazer o que quiser com sua parte e que sua estratégia para atrair outros interessados na empresa dos Efromovich favoreceria os fornecedores e os investidores que têm a receber da Avianca Brasil. Uma nova data para o leilão não havia sido marcada até 17 de junho.

Em meio ao vaivém na Justiça, a Azul começou uma campanha publicitária para ganhar a simpatia da opinião pública, com anúncios com o mote “Eu quero a Azul na ponte aérea”. Rodgerson tem afirmado em entrevistas à imprensa que a Gol e a Latam se juntaram ao Elliott para tentar preservar o que ele chama de duopólio na rota entre São Paulo e Rio, forçando a falência da Avianca Brasil. Caso a empresa dos Efromovich quebre ou passe muito tempo parada, seus slots devem ser divididos entre quem já opera nos aeroportos. Se houver uma nova empresa interessada, 50% seriam destinados a esse operador e o restante distribuído proporcionalmente. A Azul quer ser considerada um novo entrante. O problema: a Azul já tem 13 pares de slots em Congonhas desde 2014, mas não os usa por afirmar que nessa quantidade eles não são rentáveis. Os concorrentes dizem que, antes de exigir mais competição, a Azul deveria usar os slots que já tem.

“A Azul tem adotado uma narrativa fantasiosa com a clara intenção de manipular a opinião pública e influenciar os órgãos reguladores”, diz Paulo Kakinoff, presidente da Gol. “A campanha da Azul dizendo que a Latam e a Gol se juntaram para forçar a quebra da Avianca é baseada em mentiras”, diz Jerome Cadier, presidente da Latam Brasil. No meio da bagunça, surgiu um novo candidato aos ativos da Avianca. A Passaredo, de Ribeirão Preto, no interior paulista, pediu ao Cade e à Anac para ser credenciada a operar os slots vagos em Congonhas, o que lhe permitiria entrar no leilão pelos ativos da empresa dos Efromovich.

Com a sanção, em 17 de junho, pelo presidente Jair Bolsonaro, da lei que permite a empresas estrangeiras controlarem companhias locais, outros concorrentes podem aparecer. No mesmo dia, o Cade divulgou uma nota manifestando preocupação com a concentração de mercado entre a Gol e a Latam e dizendo que o conceito de novo entrante nos aeroportos poderia ser revisto, o que em tese favoreceria a Azul. A trama se complica. 

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