Agora é diferente: Mansueto Almeida defendia um ajuste rápido. No governo, diz que a conta só vai zerar em 2019 (Cristiano Mariz/Exame)
Da Redação
Publicado em 10 de agosto de 2016 às 18h16.
Brasília — O economista cearense Mansueto Almeida, de 48 anos, foi um dos críticos da forma como a presidente afastada Dilma Rousseff conduziu as contas públicas nos últimos anos — e que resultou no crescimento explosivo da dívida bruta do governo.
Almeida defendia um ajuste fiscal rápido e mediante o aumento de tributos, já que não havia sinalização por parte da equipe econômica de medidas efetivas para o controle de gastos públicos. Em maio, no entanto, Almeida foi convidado para ser o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda no governo interino de Michel Temer.
Em entrevista a EXAME, ele agora diz que não há espaço político para uma elevação da carga tributária — mas existem estudos de um “aumento marginal”. E que, portanto, o ajuste fiscal vai ser mais demorado. Na visão dele, o governo só conseguirá fazer alguma economia para amortizar os juros da dívida, o chamado superávit primário, daqui a três anos.
“Fora do governo é mais fácil: quando se faz análise, não se pensa na restrição política e somente se compara o que está acontecendo com o que seria ideal.” A seguir, outros trechos da conversa.
Exame - Quando a dívida pública brasileira vai ser estabilizada?
Almeida - A dívida ainda vai crescer por um tempo, mas não mais ao ritmo de quase 10 pontos em um ano, como estava ocorrendo. A evolução da dívida vai depender do crescimento econômico, do superávit primário e da taxa de juro.
Consideramos, para o produto interno bruto, um aumento de 1,2% em 2017 e de 2,5% em 2018, mesmo com os bancos e as consultorias já apontando para 2% em 2017 e até 4% em 2018. Estamos trabalhando com as médias de mercado — em geral, no governo passado, a Fazenda era otimista. No resultado das contas públicas, a recuperação vai ser gradual.
Para estados e municípios, já deverá haver superávit em 2018. Para a União, o saldo deverá ser próximo de zero somente em 2019.
Aí, dará para começar a queda da dívida. Parte desse resgate virá da antecipação de pagamentos do BNDES ao Tesouro, que podem render mais de 100 bilhões de reais — estamos à espera de uma avaliação do Tribunal de Contas da União, que enviou 25 perguntas à Fazenda para saber se a operação é legal.
Já a taxa de juro vai cair com a aprovação da proposta de limitar o crescimento dos gastos do governo, com a reforma da Previdência e com a confirmação do impeachment. Em quanto? É difícil saber, mas o mercado reage mais rápido do que a economia real.
Exame - O governo quer limitar o aumento dos gastos com base na inflação do ano anterior. Não seria mais uma forma de indexação?
Almeida - Pensamos em colocar um limite para o aumento de gastos com base na meta de inflação, mas haveria judicialização devido aos contratos existentes com base na inflação passada. Além disso, estamos apostando que a equipe do Banco Central vai alcançar em algum momento, já no próximo ano, a meta de 4,5% e, então, a diferença acabará.
Faria sentido fixar o limite em relação à meta se o Banco Central continuamente frustrasse a expectativa, o que esperamos que não vá mais ocorrer. Mesmo com as críticas, é bom ressaltar: sem essa proposta, o cenário da dívida do Brasil é terrível. Nos dados do governo anterior, a despesa do INSS passaria de 8% do PIB, em 2016, para 17%, em 2060.
Para manter esse déficit, seria preciso uma carga tributária adicional de 10 pontos do PIB. Por isso, a proposta de limitação do gasto só se mantém com mudanças na Previdência.
Exame - O que vai mudar na Previdência?
Almeida - Uma das mudanças necessárias é a redução da diferença da idade de aposentadoria para homens e mulheres. Nos países onde há diferença entre homens e mulheres, ela é menor do que a que temos hoje no Brasil. Aqui são cinco anos. Isso fazia sentido nos anos 60, quando as mulheres tinham, em média, seis filhos e passavam muito tempo fora do mercado de trabalho.
Hoje elas têm, em média, menos de dois filhos, não passam tanto tempo fora do mercado e vivem mais do que os homens. Outra questão é que as mudanças devem atingir todo mundo. Algumas pessoas defendem que as novas regras só atinjam quem está entrando no mercado.
É impossível, porque desse modo levaríamos 35 anos para estabilizar os gastos da Previdência, sendo que daqui a 30 anos a estrutura demográfica do Brasil será igual à do Japão atual. É claro que teremos uma regra de transição para quem está próximo de se aposentar, mas não pode ser longa. Estamos decidindo quantos anos seriam necessários.
Exame - O governo não considera um aumento da carga tributária?
Almeida - Essa é uma discussão política. E o que se entende do Congresso é que ele não quer. Por isso prevemos a volta do superávit apenas em 2019. Não está previsto nenhum aumento de carga tributária. As discussões para a CPMF não existem. E é difícil colocar a reoneração em folha com um cenário tão ruim. Até o fim de agosto, temos de definir a proposta orçamentária de 2017 para o Congresso.
No caso da despesa, aplicaremos a regra do limite de gastos. No caso da receita, precisamos de 55 bilhões de reais extras para reduzir o déficit a 139 bilhões de reais em 2017. A maior parte virá de privatizações e concessões. O que faltar virá da correção de anomalias tributárias, porque há regimes especiais que favorecem poucas empresas e não geram investimentos.
A gente está levantando quanto isso poderia ajudar na arrecadação. O plano C seria o aumento de alíquota marginal de imposto. Mas não tem nenhum grande aumento previsto.
A venda de dívida — a chamada securitização — ajuda mais os estados, não tanto o governo federal. Há 1,5 trilhão de reais em dívida da União, mas alguém vai querer comprar a da Vasp ou a da TransBrasil? Eu até apoio a securitização, mas não é uma bala de prata.
Exame - Quais são os riscos desses planos?
Almeida - O risco de planos como esses é sempre político, mas existe uma série de fatores que nos fazem ficar otimistas: o PMDB sabe operar politicamente; parlamentares que sempre lutavam para vincular os gastos agora estão defendendo a proposta que estabelece limites para o crescimento das despesas; e o presidente da Câmara dos Deputados tem um discurso pró-ajuste fiscal.
No curto prazo, o risco é uma frustração de receita muito grande. Tivemos de usar uma reserva técnica porque tivemos frustração de 16 bilhões de reais em dois meses. Espero que daqui para a frente não tenha mais surpresa do lado do gasto, mas a arrecadação é sempre incerta.
Exame - A pressão de servidores para ter reajustes salariais está mapeada como risco?
Almeida - Um governo começando do zero, recém-eleito, poderia até brigar com isso. Mas, na atual circunstância de transição, comprar a briga de algo negociado há um ano e meio poderia causar um tumulto grande e nos afastar do foco, que é aprovar a proposta que limita o aumento dos gastos do governo.
E essa proposta limitará essas pressões no futuro. Porque, se o governo ultrapassar o teto, ficará proibido de realizar concurso público e dar aumento salarial.
Exame - Fora do governo, o senhor defendia ajuste mais rápido. O que mudou?
Almeida - Eu defendia que o ajuste viesse pela carga tributária porque não acreditava na viabilidade política de apresentar algo ousado do lado da despesa, como o governo apresentou. Mas esse é um debate que divide os bons economistas.
Fora do governo é mais fácil, porque quem faz análise não pensa na restrição política, confronta o que está ocorrendo com o que seria ideal. Aqui é mais pé no chão. O que pensamos ser o ideal não é viável obter rapidamente. Temos de conversar com mais atores. Do lado de fora, dá para ser mais duro.