Branquinho, presidente da Cedro: “Tivemos de gastar muita saliva com os credores” | Pedro Silveira/Odin /
Gian Kojikovski
Publicado em 30 de novembro de 2017 às 05h32.
Última atualização em 30 de novembro de 2017 às 17h01.
Com 145 anos completados em 2017, a mineira Companhia de Fiação e Tecidos Cedro e Cachoeira é a empresa mais velha com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo. Criada pelos irmãos Bernardo, Caetano e Antônio Cândido Mascarenhas, a Cedro teve seu alvará de funcionamento assinado por dom Pedro II em 1872, constituindo a primeira sociedade anônima do Brasil. Atualmente, a companhia tem escritório em Belo Horizonte e quatro fábricas no interior de Minas Gerais.
Ao longo desse quase um século e meio, a Cedro passou pelas mais diversas crises econômicas, mudanças de moeda e de regime de governo. Mas nunca ficou tão perto de ir à lona quanto nos últimos anos. A queda das vendas levou a uma diminuição do faturamento e a prejuízos financeiros por três anos seguidos, fazendo a centenária empresa quase quebrar. O faturamento, que foi de 584 milhões de reais em 2013, caiu para menos de 400 milhões em 2015, com um prejuízo de quase 100 milhões de reais. Em 2016, a receita até voltou a crescer, mas o prejuízo chegou a 142 milhões. Quando muitos já davam o caso como perdido, o ano de 2017 trouxe uma virada surpreendente.
Nos nove primeiros meses deste ano, sua receita foi de 482 milhões de reais. A margem bruta das vendas subiu de 7,6% para 17,9%. A combinação de crescimento do volume vendido com aumento de preços fez o lucro bruto — diferença entre o valor faturado e o custo de produção sem contar a folha de pagamentos, os impostos e outras deduções — crescer mais de 200% em relação ao ano anterior. Resultado final: lucro líquido de 28 milhões de reais.
O maior problema da Cedro foi achar que a bonança pela qual o país estava passando até o início da década duraria para sempre. No começo de 2014, quando o paulistano Marco Antônio Branquinho Júnior assumiu como o primeiro presidente não descendente da família fundadora, o horizonte ainda era de crescimento. Aos 42 anos, então com dez anos de casa, Branquinho, engenheiro mecânico de formação, havia feito carreira em recursos humanos e chegado a diretor. No processo sucessório, que durou oficialmente três anos, concorreu com outros dois diretores, ambos descendentes dos Mascarenhas.
A missão do novo presidente seria conduzir a empresa a uma nova fase de expansão. Historicamente, a Cedro produz denim — que é o tecido das calças jeans —, sarjas e uniformes profissionais e vinha focando o aumento da participação em um novo filão. Ela pretendia passar a fornecer mais para grandes varejistas que apostavam no fast fashion — a estratégia de trocar mais intensivamente as coleções de roupas nas lojas — e perdiam muito tempo importando mercadorias da Ásia. Para melhorar a qualidade dos tecidos, a Cedro havia investido em mais tecnologia nas fábricas, elevando sua dívida para um novo patamar, de três vezes a geração de caixa. “O investimento era totalmente condizente com nosso fluxo de caixa até 2013”, diz Branquinho. “Mas aí veio a crise.”
E que crise. Os pedidos rarearam e o crédito secou. No biênio 2015-2016, o setor têxtil nacional perdeu quase 20% da produção, sendo que o ramo de roupas profissionais, que correspondem a 30% do faturamento da Cedro, caiu 50%. Somente em 2014, mais de 20.000 vagas de trabalho foram fechadas na indústria têxtil. Isso refletiu nas varejistas, as principais clientes da Cedro.
As ações da Hering, por exemplo, caíram de 43 reais, em maio de 2013, para pouco mais de 11 reais, em meados de 2015, enquanto as da Guararapes, dona da Riachuelo, foram de cerca de 100 reais para menos de 40 no período. Num setor de ganhos apertados, a diminuição da margem operacional dificultou em muito o pagamento das dívidas. “A crise bateu em cheio no setor. Foi a melhor definição de tempestade perfeita, com demanda em queda, crédito escasso e bancos puxando o tapete”, diz Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção.
O fato é que Branquinho se viu numa prova de fogo pouco depois de se tornar presidente. A diretoria da Cedro identificou ainda no final de 2014 que as coisas não iam bem e tendiam a piorar. Logo chegou a hora de renegociar as dívidas com os bancos. “Conversamos com todo mundo antes de a coisa ficar mais aguda. Tanto que alguns, no primeiro momento, não entendiam o motivo da renegociação, queriam mais explicações. Se tivéssemos deixado para chamar todo mundo mais tarde, não haveria crédito e não sei o que poderia ter acontecido”, afirma Branquinho. “Tivemos de gastar muita saliva com os credores.”
A renegociação das dívidas foi o primeiro passo. Ainda era preciso adequar a produção aos novos tempos. As quatro fábricas diminuíram o número de turnos. O quadro foi reduzido de mais de 4.000 funcionários para 2 900. Hoje são cerca de 3 400. Os seis diretores viraram três, os quase 30 gerentes passaram a ser 15. Ainda assim, a remuneração de diretores e conselheiros manteve-se estável entre 2014 e 2016 em cerca de 4 milhões de reais. O resultado menor só deve ser visto no balanço de 2017. A diretoria também definiu que nenhuma máquina ficaria parada nas fábricas. Ou permaneceria em funcionamento, ou seria vendida para abater o custo. Assim, a ociosidade fabril caiu para zero. O estoque, antes suficiente para 30 dias de produção, agora dura 15 dias.
Os sócios aceitaram alienar o patrimônio que não fosse essencial para a produção, como a central geradora de energia Pacífico Mascarenhas, vendida por 8,7 milhões de reais em agosto. O dinheiro foi destinado ao abatimento de dívidas. Também houve um pouco de sorte com a aprovação da medida provisória do Refis, que permitiu a liquidação de débitos tributários utilizando o prejuízo fiscal do imposto de renda e a base negativa da contribuição social. O crédito derivado dessa mudança foi de 13 milhões de reais nos nove primeiros meses do ano.
Com tudo isso, finalmente a escolha feita lá atrás pela Cedro, de focar em tecidos premium, mostrou-se acertada. “Como os produtos básicos são facilmente fornecidos por fabricantes da Ásia, somente quem se modernizou conseguiu sobreviver”, diz Flávio da Silveira Bruno, especialista em indústria têxtil e coordenador do curso de engenharia de produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Agora, a venda de produtos mais elaborados tende a reagir mais depressa no pós-crise, enquanto as empresas que estão centradas nos básicos podem sofrer com a concorrência dos similares asiáticos. “Comparada com outras indústrias do setor, a Cedro caiu mais rapidamente durante a crise, mas também está se recuperando de forma mais acelerada”, afirma um analista do setor têxtil que prefere não ser identificado. Pimentel, da Abit, tem visão semelhante: “As empresas que fizeram a lição estão saindo com sequelas, mas mais produtivas e prontas para um novo ciclo assim que a economia se recuperar”.
Para Branquinho, o desafio agora é extrair valor da eficiência atingida na crise. Em 2014, a Cedro havia definido a meta de alcançar 1 bilhão de reais de faturamento em 2017. Se tudo der certo, a companhia fechará o ano pouco acima dos 600 milhões de reais. Pelo menos ela pode voltar a sonhar com o futuro.