Construção da usina de Teles Pires: 27 ações na Justiça em pouco mais de um ano (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 30 de janeiro de 2013 às 07h54.
São Paulo - O filme de maior sucesso da história do cinema, Avatar, mostra a vida dos Na’vi, habitantes do planeta Pandora. Seres azuis de mais de 3 metros, os Na’vi vivem em harmonia com a natureza. Para eles, um animal sacrificado para servir de alimento merece uma oração antes de ir para a panela.
Os seres humanos estão longe de ter tal veneração. Por isso, os países civilizados têm leis rigorosas para proteger o meio ambiente. O Brasil segue o exemplo dos países ricos. Só que vive um dilema: eles já chegaram lá, nós não. Para nos desenvolver, precisamos de estradas, portos e usinas — obras que causam impacto. E esse impacto tem de ser o menor possível.
Até aí, todos de acordo. O problema é que, no afã de cuidar do meio ambiente, o Brasil construiu um sistema quase incompreensível. Para obter uma licença ambiental, é preciso lidar com 20 repartições — na Dinamarca são cinco. Pior: os órgãos estão despreparados para atender às demandas de um país que tenta tirar sua infraestrutura do buraco.
“Nossas instituições não acompanharam o crescimento econômico”, diz Roberto Messias, ex-presidente do Ibama, o principal órgão do setor. Em 2007, o Ibama tinha 980 projetos à espera de licenças. Hoje, são 1 557.
Tome-se o exemplo de um projeto de estaleiro em Biguaçu, em Santa Catarina. O investimento, de 2 bilhões de reais, geraria 10 000 empregos. Em 2010, o projeto, da OSX, do empresário Eike Batista, foi cancelado porque o Instituto Chico Mendes, em defesa de 60 golfinhos que seriam molestados pelas obras, fez pressão para que a licença não saísse.
O estaleiro foi para o Rio de Janeiro — pior para Santa Catarina. Muitas vezes, o empecilho vem de uma espécie animal específica: o “homo burocratus”. Esse ser cria trâmites intermináveis. Há cinco anos, a hidrelétrica de Pai Querê, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, aguarda licença para sair do papel. Como mostram os exemplos das páginas seguintes, para o ambiente econômico brasileiro florescer é bom que ao menos o “homo burocratus” seja extinto para sempre.
1 Os órgãos não se entendem? Azar seu
Foram necessários 65 meses — quase cinco anos e meio — para a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) conseguir as licenças para a construção da linha de transmissão de energia Funil-Itapebi, na Bahia. Tudo porque a linha passava por um trecho protegido de Mata Atlântica.
Os técnicos do Ibama pediam revisão do projeto. Justo. O problema é que a decisão nunca era tomada. “Apresentávamos as mudanças e sempre nos pediam novas coisas”, diz José Ailton de Lima, diretor de engenharia e construção da Chesf. Até que o Ministério de Minas e Energia reuniu os envolvidos e resolveu o impasse. O traçado original, de 200 quilômetros, ganhou mais 30 quilômetros para evitar a área protegida. Um final feliz — mas com quase seis anos de atraso.
O maior problema da Chesf hoje está na Bahia. A construção das linhas para distribuir a energia elétrica produzida em 32 parques eólicos deveria ter terminado em junho. A ideia era inaugurá-las com as usinas eólicas, que foram concluídas no prazo. Segundo Lima, a Chesf hoje é como uma bolinha de pingue-pongue que vai de lá para cá numa enorme mesa que fica entre Bahia e Brasília.
“O projeto não fica pronto porque os órgãos de Brasília e os da Bahia não se entendem. O que um libera, o outro bloqueia. Nós ficamos no meio”, diz Lima. Ele torce para que tudo seja resolvido em janeiro. Assim, as linhas seriam inauguradas em dezembro de 2013. Até lá, os geradores ficarão parados. E o país deixará de produzir energia limpa.
A construção de linhas de transmissão é retardada também por causa de uma imprevidência: por serem consideradas obras de baixo impacto, o governo faz leilão de linhas sem que elas tenham licença prévia aprovada. Sem a licença, torna-se impossível cumprir o prazo acertado no leilão.
Um levantamento feito pelo Instituto Acende Brasil em 133 empreendimentos mostra que o prazo médio para a entrega de linhas é de 22 meses. Só que são necessários 19 meses para a obtenção das licenças. “Claro que não dá para construir uma linha em três meses”, diz Claudio Sales, presidente do Acende Brasil.
As linhas levam, em média, 13 meses para ficar prontas. Desde 2002, as operadoras do setor deixaram de faturar 1,6 bilhão de reais devido a atrasos no licenciamento das obras. Uma fortuna perdida pelo caminho.
2 Represadas pelos processos judiciais
Advogados que prestam consultoria jurídica para grandes empreendimentos sabem: é preciso fazer tudo para evitar que problemas ambientais nos projetos sejam discutidos na Justiça. A chamada “judicialização” do processo ocorre quando a decisão, em vez de ser tomada por órgãos técnicos, como Ibama ou secretarias estaduais de Meio Ambiente, passa a depender de um juiz.
É quase sempre mais complicado. “A área ambiental exige um conhecimento especializado”, diz Simone Nogueira, advogada do escritório Siqueira Castro. “Se o juiz não dominar o assunto e houver alguma dúvida, vai seguir o princípio de precaução, e a obra ficará paralisada.”
Dependendo da obra, o processo de licenciamento ambiental pode parar na Justiça em decorrência do grande número de instituições com poder de opinião: a Funai representa os índios; a Fundação Palmares, os quilombolas; há institutos de patrimônio histórico federal, estaduais e até municipais que zelam por relíquias como fósseis ou vestígios de homens primitivos; o Instituto Chico Mendes protege a biodiversidade; existem até centros que só cuidam das cavernas.
Acima de todos eles está o Ministério Público, o grande xerife ambiental, também com vertentes federal e estaduais. Todos desempenham um papel na defesa do meio ambiente. Na prática, o processo é contaminado por ideologias — e é aí que mora o problema. “Em volta das questões técnicas existem visões políticas e ideológicas que complicam as coisas”, diz Simone.
O complexo de hidrelétricas que desde agosto de 2011 está em construção no rio Teles Pires, na divisa de Mato Grosso e Pará, já foi alvo de 27 processos que pedem a interrupção das obras. As ações em geral são movidas por queixas de tribos indígenas. Em março, por exemplo, o Ministério Público Federal entrou com ação para impedir a explosão do Salto das Sete Quedas do rio Teles Pires, uma etapa necessária à construção. Durante 18 dias o canteiro ficou parado.
O motivo? Essa seria uma área sagrada. Segundo o desembargador federal que analisou o caso, no “luminoso espectro” das águas da cachoeira “existe o avatar do intocável Mágico Criador da cultura ecológica desses povos indígenas”, referindo-se às tribos caiabi, mundurucu e apiacá. Crenças à parte, o país precisa decidir, antes de iniciar um empreendimento, o que é mais importante: preservar a cachoeira ou gerar energia limpa dos rios. Tantas ações judiciais dão margem a piadas.
“Dizemos que o Brasil criou uma nova fase no processo, além das licenças prévias, de instalação e de operação: é a fase das liminares”, diz o advogado Floriano Azevedo Marques. Curiosamente, a refinaria Abreu e Lima, no litoral de Pernambuco, ganhou sua licença ambiental em cinco meses, um recorde para os padrões brasileiros. A refinaria teve como padrinho o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
3 Seis anos de espera por uma resposta
O que esperar quando um órgão público exige de outro órgão público uma anuência para liberar o licenciamento ambiental de um empreendimento? Literalmente, uma burocracia paralisante. Uma mineradora de um grande grupo empresarial brasileiro (que pede para não ser identificado) sentiu na pele essa ineficiência.
Em 2005, a mineradora precisou da permissão do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav)para que a Fundação Estadual do Meio Ambiente, órgão ambiental de Minas Gerais na época, permitisse a exploração de uma área próxima ao município de Pedro Leopoldo conhecida pela grande quantidade de cavernas e com potencial para a extração de calcário.
A empresa já tinha a licença prévia e precisava apenas da anuência do Cecav para conseguir a licença de instalação antes da operação. Era necessária a certeza de que, nas cavernas da área, não havia pinturas rupestres e outros itens de valor histórico que exigiriam preservação. Até aí, tudo bem.
O problema surgiu com a demora dos técnicos do Cecav para analisar a região. “Simplesmente não conseguíamos obter resposta”, diz o advogado da empresa, Danilo Miranda, do escritório Marcelo Tostes. O técnicos do Cecav levaram seis anos para concluir que não havia nada que impedisse a exploração.
A resposta favorável à empresa veio em 2011. Mas era tarde: a licença prévia, com validade de seis anos, expirara. A empresa teve de reiniciar todo o processo — hoje em andamento. E arcar com o prejuízo para refazer os estudos. Haja paciência.