Reinhold Stephanes, ministro da Previdência (Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 17 de junho de 2011 às 15h26.
Tenho repetido exaustivamente que a Previdência Social é um seguro social. Parece óbvio, mas no Brasil a lógica cedeu lugar por décadas à crença de que a Previdência Social é quem deve incentivar atividades essenciais ao desenvolvimento do país.
Culturalmente, aceitamos que ela exerça essa função e sequer questionamos se as fontes são suficientes para cobrir tanta responsabilidade. Foi preciso todo o sistema estar à beira de um colapso para que essa distorção ficasse explícita.
Dentro da doutrina universal, a função de incentivar a expansão de áreas como educação, saúde, abastecimento, habitação e tantas outras não deve ser através de desconto da Previdência Social. No entanto, vejo sempre ser atribuída a ela parte dessa responsabilidade.
Assim, compreendo que o empresário gaúcho Silvino Geremia, que recentemente defendeu, na seção Opinião de EXAME, que o incentivo à educação não é salário, fique indignado diante da obrigatoriedade de sua empresa recolher ao INSS a contribuição social sobre os valores pagos aos estabelecimentos de ensino freqüentados por seus funcionários.
A atitude do empresário em anunciar publicamente que manterá sua prática, ainda que muitas vezes seja multado, é digna de respeito. A lei, ao disciplinar a matéria, o fez supostamente com razões fundadas.
Pode, é claro, ter ficado superada pelo tempo. A CLT, em sintonia com a convenção 95 da OIT, da qual o Brasil é membro, admite composição variável para o salário, respeitando o limite mínimo de 30% em dinheiro e o restante nas mais variadas formas de utilidades e serviços colocados à disposição do trabalhador.
A lei permite o pagamento em outras modalidades que não em dinheiro. Casos bem conhecidos são o vale-refeição, o vale-transporte, a moradia, mas também são aceitos vestuário, cesta básica e outros. Algumas dessas formas a lei isentou de contribuição previdenciária, outras não. Se todas ficassem isentas, a Previdência poderia enfrentar problemas financeiros maiores que os que já encontra.
Também sinto indignação como administrador público ao saber que os governos e os legisladores conduziram o sistema sem definir os recursos necessários à sua manutenção. Prova disso é que as leis foram elaboradas no sentido de criar e conceder benefícios, mas não estabeleceram adequadamente quem pagaria a conta.
As entidades filantrópicas, por exemplo, estão isentas de contribuição, mas os seus 600 000 funcionários têm direito aos benefícios previdenciários. Há ainda os clubes de futebol, que contribuem desde 1993 com apenas 5% da renda dos jogos.
Vários clubes estão sem contribuir há 3 anos porque não realizam jogos - ainda que a principal fonte de renda dos clubes, atualmente, esteja vinculada ao patrocínio e aos direitos de transmissão por TV.
A Previdência Social existe para atender à pessoa que perde a capacidade de trabalho por doença, invalidez, morte ou idade avançada. Até essa regra elementar é ignorada no caso do Brasil, onde a aposentadoria é encarada como renda adicional: as pessoas acham normal se aposentar na faixa dos 40 aos 50 anos e voltam a trabalhar. Não seria correto trabalhar mais e se aposentar melhor?
As distorções são inúmeras. No sistema brasileiro, introduziu-se o conceito de tempo de serviço com todas as vantagens fictícias, principalmente nos regimes especiais. No setor público é comum as pessoas se aposentarem aos 40 anos; em alguns casos, até a partir dos 37 anos.
A Previdência Social é um seguro social profundamente injusto. Aqueles que a custeiam não são os que se aposentam cedo, por tempo de serviço, e com renda mais alta. O ônus recai sobre os que se aposentam mais tarde, por idade, e ganham menos. Será que essa injustiça também não indigna nossa sociedade?
A grande maioria dos trabalhadores rurais não contribuiu com a Previdência, mas tem seus direitos assegurados constitucionalmente. Trata-se de um custo que está sendo assumido pelo contribuinte que pagou para se aposentar em faixa mais elevada, o que não consegue.
Os absurdos que cercam a Previdência hoje são legais, mas mesmo alterando a legislação é necessário ocorrer também uma reforma de valores, baseada na realidade e na justiça. São elogiáveis atitudes como as do empresário Silvino Geremia - tanto a de custear educação para seus funcionários quanto a de denunciar uma situação que lhe parece absurda.
Acredito, entretanto, que a insurreição do empresário, ou sua justa indignação, uma vez acolhidos por ele os esclarecimentos aqui apresentados, possa servir como valioso instrumento para disseminar a compreensão sobre onde devem realmente incidir os benefícios sociais da isenção. Se generalizado o entendimento de que a Previdência deve arcar com todos esses ônus, estou certo de que ela se extinguiria.