Ilustração - Pessoas esperam sentadas (Ilustração: Pedro Piccinini/EXAME)
Da Redação
Publicado em 5 de outubro de 2013 às 20h10.
São Paulo - Se fosse preciso escolher um pecado para resumir o comportamento médio do investidor brasileiro, seria difícil decidir entre avareza e preguiça. Acostumados a décadas de retornos altos em investimentos seguros, os brasileiros poupam pouco e, quando poupam, aplicam mal seu dinheiro.
Funciona assim: quem recebe seu salário em determinado banco não pensa duas vezes e investe lá seu dinheiro. Não importa se as taxas cobradas por esse banco são altas, se os retornos são parcos, se há centenas de alternativas disponíveis.
O máximo que a preguiça permite é atender a ligação do gerente — muitos fogem de seus gerentes como criminosos —, ouvir sua “dica” e mudar de aplicação. Segundo a consultoria britânica Oliver Wyman, nada menos que 95% dos investidores brasileiros seguem, em linhas gerais, essa cartilha.
Nos Estados Unidos, só 4% dos poupadores aplicam no banco. É comum que os americanos procurem instituições especializadas em investimentos para aplicar o que têm. Nem sempre dá certo, claro, porque esse é o espírito da coisa. Mas a preguiça do brasileiro adiciona uma certeza ao incerto mundo das finanças pessoais: quem não presta atenção nas taxas que paga empobrece.
Como funciona essa indústria da preguiça? No último mês, EXAME entrevistou gerentes de bancos, assessores financeiros e pesquisou os rendimentos e as taxas dos principais fundos do mercado. Uma conclusão é que 4,8 milhões de investidores estão jogando dinheiro fora — ou melhor, jogando dinheiro no bolso dos gestores que administram seus recursos.
É quase metade do total de cotistas de fundos do país. Em suma, essa gente toda paga taxas de administração muito mais altas do que o que seria razoável. Os consultores ouvidos para esta reportagem só recomendam a seus clientes fundos que cobrem, no máximo, 2% de taxa, com alguma variável sobre o desempenho (se o rendimento ficar acima do projetado, o gestor recebe parte do extra).
Mas 4,8 milhões de brasileiros pagam a partir de 3% de taxas de administração, muitas vezes em fundos de renda fixa que deveriam cobrar menos de 1%. “Pagar 2% só se justifica em fundos mais sofisticados”, diz Paulo Colaferro, sócio da assessoria financeira Taler.
Há fundos DI e fundos de ações passivos, em que o trabalho do gestor é seguir o comportamento de um índice de mercado, em que as taxas passam de 5% ao ano. Por quê? A justificativa dos gestores é que, se a aplicação mínima é baixa, o percentual cobrado precisa ser mais alto para cobrir as despesas administrativas, como o envio de extratos. Pode até ser verdade; mas haja preguiça para investir num fundo desses.
Taxa num boleto?
Para as instituições financeiras, o comportamento médio do investidor rende um dinheirão. O fundo DI mais caro do país é o Classic Referenciado, do banco Santander, que cobra 5% de taxa de administração. Em 12 meses, o fundo teve um rendimento líquido de apenas 2,4%, o que correspondeu a cerca de 4 milhões de reais, divididos entre 176 000 cotistas.
Já o banco recebeu 161 milhões de reais, como resultado da aplicação da taxa de administração sobre o patrimônio. Há dezenas de fundos DI com aplicações mínimas inferiores a 20 000 reais e taxas de administração menores do que 1%, inclusive nos grandes bancos. Mas, claro, é preciso pesquisar.
Como a postura média do investidor é aplicar o dinheiro e esquecer, ninguém pensa em quanto paga por ano a seu banco. “Se a taxa de administração chegasse num boleto único no fim do ano para o investidor pagar, ele teria uma postura diferente”, diz o americano Dan Ariely, um dos maiores especialistas em finanças comportamentais e professor da Universidade Duke, na Carolina do Norte.
Numa carteira de 300 000 reais, mudar de uma taxa de 2,5% para 2% significa economizar 1 500 reais ao ano.
Com a queda dos juros — e o fato de aplicações de maior risco, como ações e imóveis, estarem rendendo cada vez menos —, olhar o quanto se paga a bancos, gestoras e corretoras para investir é ainda mais importante. Se a bolsa valoriza mais de 40% num ano, como ocorreu em 2007, pagar 5% para uma corretora intermediar a compra dos papéis não faz tanta diferença.
Se a expectativa é ganhar pouco mais de 10%, esse custo se torna relevante. Quando a bolsa cai, então, vira questão de honra. A mesma coisa vale para os fundos DI: na época em que os juros estavam em 25% ao ano, muitos investidores nem percebiam que pagavam 5% de taxa de administração. Ainda sobrava um rendimento de cerca de 20%. Hoje, sobra menos que a inflação.
Gerentes x consultores
Alguns gestores dizem que cobram caro porque investem melhor. Mas será mesmo? Segundo uma pesquisa da empresa de investimentos XP, todos os fundos mais caros do mercado renderam menos que a média de suas categorias nos últimos 12 meses. Um exemplo impressionante é o fundo de ações do banco Alfa, que cobra 8,5% de taxa de administração.
Por esse preço, era de esperar um desempenho à Warren Buffett. Mas o fundo do Alfa perdeu 18% em 12 meses, enquanto seus pares tiveram rendimento de 9% (procurado, o Alfa não comentou). Quem comprou cotas do fundo PIBB, que segue o índice IBrX e cobra mísero 0,06% de taxa, também perdeu, mas 4%.
O levantamento da XP também mostra que produtos caros não são exclusividade dos bancos. O segundo fundo de ações mais caro é da gestora gaúcha Pilla Invest, que cobra taxa de 6%. Na outra ponta, um multimercado de altíssimo desempenho, o fundo Verde, gerido por Luis Stuhlberger, cobra 1,5% de taxa e rendeu 15% em 12 meses — ou 7 821% desde que foi criado, em 1997.
Há, por aí, muitos caminhos para enriquecer — mas não se tem notícia de alguém que tenha dado esse salto seguindo dicas de investimento de seu gerente de banco. O problema, certamente, não é de falta de alternativa.
Hoje, há uma variedade de fundos e novas opções na renda fixa, como títulos ligados a infraestrutura e papéis do setor imobiliário, todos isentos de imposto de renda, que são pouco conhecidos pelos investidores. E são ignoradas pelos gerentes de grandes bancos.
Em julho, EXAME visitou agências de Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Caixa, os quatro maiores bancos do país, perguntando onde aplicar 300 000 reais por um prazo superior a cinco anos. Em linhas gerais, os gerentes consultados recomendaram colocar a maior parte do dinheiro em fundos de previdência, e o restante em fundos DI.
Nenhum falou de fundos multimercados que aplicam parte do patrimônio no exterior, uma categoria que está rendendo bem, ou de ações. Um gerente deu uma dica bizarra: aplicar tudo, os 300 000 reais, numa letra imobiliária que vence em dois anos e paga 88% do juro de mercado (CDI), o equivalente hoje a 6,4%.
Fazer isso é aproveitar mal esse dinheiro. Para quem está disposto a deixar o dinheiro aplicado por cinco anos, há outras opções na renda fixa que pagam muito mais. É o caso de um papel imobiliário lastreado no aluguel de um estaleiro da Petrobras, que rende 6,75% ao ano mais a inflação (em torno de 13% hoje).
O interessante é que, procurados oficialmente pela reportagem, os bancos tinham opiniões diferentes. Recomendaram investir em fundos DI, multimercados e de ações — e deixar só pequena parte em planos de previdência. Difícil é entender por que os gerentes não estão dando conselhos semelhantes.
O que fazer? Não há saída a não ser pesquisar. Assessorias financeiras especializadas, como Apogeo, Claritas, Taler e XP, prometem fazer a pesquisa para os clientes, enviando e-mails ou telefonando a cada “oportunidade” que surge, como CDBs de bancos médios ou títulos de renda fixa. Mas é claro que os consultores não são à prova de fogo.
Uma pesquisa da Universidade de Toronto mostrou que a maioria dos assessores recomenda com mais frequência fundos que remuneram melhor, e não necessariamente os que são mais adequados ao perfil do investidor (esses profissionais recebem comissão quando um cliente aplica no fundo recomendado). Ganhar dinheiro não é fácil. Mas, com preguiça, fica ainda mais complicado.