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A hora é agora: confira os lançamentos do salão Watches & Wonders

Os lançamentos do salão Watches & Wonders mostram como peças mecânicas de manufaturas centenárias podem refletir valores e discussões do momento

Estandes da A. Lange & Söhne no salão Watches & Wonders: lançamentos vistos por 350 milhões de pessoas e 800.000 posts nas redes (Fabrice Coffrini/Getty Images)

Estandes da A. Lange & Söhne no salão Watches & Wonders: lançamentos vistos por 350 milhões de pessoas e 800.000 posts nas redes (Fabrice Coffrini/Getty Images)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 14 de abril de 2022 às 06h00.

Em mercados maduros, como os países europeus, pes­so­as de classe média cos­tumam ter dois ou três bons relógios de manufaturas renomadas, geralmente presentes de formatura ou de casamento. Com frequência, são herança do pai ou até do avô. Esses objetos do tempo, feitos de dezenas de componentes minúsculos e joias como rubis como suporte de engrenagens, funcionam da mesma forma há vários séculos. Mas é comum que cada relógio tenha a cara do seu tempo.

No Watches & Wonders, salão de relojoaria de luxo realizado no começo de abril em Genebra, na Suíça, os lançamentos das 38 marcas expositoras passaram por temas como NFT e sustentabilidade. Seguindo uma tendência dos anos recentes, as caixas dos relógios continuam menores, mais adaptadas à preferência dos consumidores asiáticos. A China está praticamente empatada com os Estados Unidos em compra de relógios suíços, com 13,3% do mercado no ano passado. Junto com Hong Kong e Japão, no entanto, o grupo asiá­tico responde por 29,3% do mercado.

Na apresentação dos novos modelos da linha Top Gun, a IWC Schaffhausen distribuiu 1.868 tokens, em homenagem ao ano de sua fundação. Cada NFT doado contém uma arte em forma de diamante bruto, e a comunidade foi batizada de IWC Diamond Hand Club. Os membros do clube passarão agora a receber convites para eventos físicos e virtuais, como um concerto com o compositor Hans Zimmer, vencedor do Oscar pela trilha de Duna. 

Poucos dias antes do início do salão em Genebra, a Bvlgari apresentou o Octo Finissimo Ultra, modelo em edição limitada de dez peças da linha Octo, que bateu o recorde como o relógio mais fino do mundo. No mostrador do relógio fica um QR Code, vinculado a um NFT para quem se dispôs a pagar os 400.000 euros pedidos pela peça. Nesse segmento, a manufatura pioneira provavelmente foi a Jacob & Co., que criou no ano passado uma versão NFT de seu SF24 Tourbillon, uma peça digital única vendida em leilão por 100.000 dólares.

Sustentabilidade é uma palavra incorporada pelas manufaturas. As ações ambientalmente responsáveis começam pelo próprio conceito de um relógio mecânico, uma peça feita para durar muitas décadas, mas passam por redução e substituição de material nas embalagens e compensação de impacto em créditos de carbono. A Panerai inovou ao apresentar neste ano quatro novos modelos do Submersible e-steel, produzidos com quase 60% de peças recicladas. A marca ítalo-suíça ainda lançou um programa com a ­Watchfinder, um site de compra e venda de relógios de segunda mão, especial para seus clientes. O dono de um Panerai pode vender seu modelo antigo e usar o valor como crédito para comprar um relógio novo ou usado da marca.

Outra novidade no salão deste ano foram modelos com complicação GMT, que mostra dois fusos horários, lançados por diversas manufaturas. É uma função pensada para pilotos e está associada a recordes de aviação, mas o relógio se tornou apreciado por viajantes em geral. Um novo modelo de relógio leva mais de três anos para ser desenvolvido. Em muitos casos, pode chegar a oito anos. Portanto, a linha de agora dificilmente foi pensada para o momento de retomada das viagens com o abrandamento da pandemia. Mas não deixa de ser um retrato da atualidade.

A Montblanc apresentou o 1858 GMT, com uma particularidade. Normalmente a hora de outro país é indicada por um ponteiro. Nesse modelo de 42 milímetros, a indicação GMT é feita por um quadrado vermelho que se move na parte externa do mostrador. A Tudor lançou o elogiado Black Bay GMT, versão de seu relógio de mergulho com duas zonas de horários, em bronze. E a Rolex, que já tinha seu GMT, fez barulho ao lançar o modelo com a função em uma combinação inédita de verde com preto e com a coroa no lado esquerdo, tornando o relógio apropriado para ser usado no pulso direito.

 A Rolex apresentou outras novas versões de modelos clássicos, como um Yacht-Master com pedras preciosas, que evocam as auroras boreais e os reflexos do amanhecer, uma inspiração bastante escapista. A Van Cleef & Arpels apresentou o Lady Arpels Heures Florales, um conceito de relógio floral, imaginado pelo botânico sueco Carlos Lineu, em que as horas são marcadas a partir de 12 flores que abrem e fecham. Espera-se que seja um prenúncio de dias mais felizes. 

Esta edição do Watches & Wonders já pode ser considerada a maior feira de alta relojoaria de todos os tempos. Junto com marcas do grupo Richemont, como Cartier e IWC, que organizava a versão anterior do salão até 2019, agora estavam Rolex, Chopard e Patek Philippe, entre outras. O evento híbrido deste ano atingiu 350 milhões de pessoas e gerou 800.000 posts nas redes sociais. Em Genebra, 22.000 visitantes estiveram nos sete dias de duração, com mais de 1.700 sessões de apresentação dos lançamentos. Revendedores do mundo todo aproveitaram para fazer os pedidos. Do lado brasileiro marcaram presença representantes da Frattina e da Sara Joias, por exemplo. Em salas reservadas ou nas mesas dos restaurantes do centro de exposições, entre um foie gras e uma taça de pinor noir, muitos negócios foram fechados. 

Vitrine da Cartier: relógios para as pessoas de hoje, mas consistentes com a filosofia da marca (Fabrice Coffrini/Getty Images)

A indústria relojoeira da Suíça, de onde vem a maior parte dos relógios de luxo, vive seu melhor momento. Em 2021, as exportações atingiram 22,3 bilhões de francos, segundo relatório da Fédération de l’Industrie Horlogère Suisse. Isso representa 31,2% mais do que em 2020 e 2,7% mais em relação a 2019. Os dados deste ano apontam para a manutenção do crescimento.

 Entre as explicações para os ótimos resultados do segmento está o direcionamento do dinheiro represado que não foi para hotelaria e gastronomia no home office. Mas o que tem acontecido é uma valorização do relógio em si. “Nossa cultura é trabalhar a beleza do objeto”, disse Pierre Rainero, diretor de imagem e herança da Cartier, em Genebra. “Parte do nosso sucesso é criar peças para as pessoas de hoje. Mas não fazemos pesquisas para saber o que os clientes querem. Temos confiança de que se um relógio é bonito, consistente com nossa filosofia e apropriado para os nossos dias, estamos no caminho certo.”

A história mostra que nem sempre foi bom para o mercado relojoeiro acompanhar as tendências do momento. Nos anos 1970, a indústria praticamente quebrou com a popularização do quartzo em relógios japoneses. Muitas marcas rapidamente trocaram os sofisticados movimentos mecânicos pela bateria. Resultado: o valor das peças despencou. A recuperação só veio quando as manufaturas suíças receberam investimentos para retomar sua vocação natural de fazer calibres complicados.

Em anos recentes, algumas poucas marcas de relógio de luxo, alarmadas com a explosão do Apple ­Watch, lançaram modelos conectados. O tempo tem mostrado que o smartwatch da Apple abocanhou somente os modelos de entrada das manufaturas e os relógios populares, como os da Swatch. Ficou claro que gadgets são uma coisa, alta relojoaria é outra. Aparentemente, esse movimento estancou. Vale para a moda, vale para os relógios: tendências só fazem sentido se conversam com a essência da marca.   

 

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