Bendine, presidente da Petrobras: sua experiência no BB pode ser valiosa (Reprodução/Jornal Nacional)
Da Redação
Publicado em 13 de maio de 2015 às 05h56.
São Paulo - É inegável que as últimas semanas ofereceram certo alívio para a crise da Petrobras, nossa enroladíssima e maltratada gigante do petróleo. No dia 22 de abril, a empresa conseguiu, finalmente, divulgar seu balanço de 2014, estimando em 6 bilhões de reais as perdas com corrupção causadas pela quadrilha que Brasília instalou na avenida Chile 12 anos atrás.
Sem balanço, a empresa era uma espécie de pária no mercado financeiro internacional, sem acesso a dinheiro de investidores sérios, com uma dívida que ia se tornando impagável: naquela toada, não havia como vislumbrar um limite para a crise. A nova diretoria conseguiu diminuir a pressão que tornava o dia a dia da Petrobras inadministrável, divulgou o balanço e o mercado gostou.
As ações da empresa valorizaram 34% em abril. Parece, em resumo, que o pior já passou. Mas a verdade é que o trabalho para salvar a Petrobras mal começou.
Aldemir Bendine, presidente da estatal, anunciou uma série de medidas para criar o que chamou de “nova Petrobras”. O investimento anual diminuirá 30% e a empresa colocará à venda ativos avaliados em 14 bilhões de dólares. Apesar do tom grandioso, o objetivo dessas medidas é, essencialmente, pagar a dívida da Petrobras no curto prazo.
Após anos e anos de uma esdrúxula política de preços de combustíveis, de corrupção e estouros de orçamento em obras, a empresa deve hoje 280 bilhões de reais, ou cinco vezes sua geração de caixa. O valor deverá crescer para 344 bilhões de reais até o fim do ano, pelas contas do banco Credit Suisse.
Em 2008, a dívida não chegava a 50 bilhões de reais. Só em juros, a Petrobras tem de pagar 5 bilhões de dólares por ano. E, para quitar o que está vencendo, serão necessários 63 bilhões de reais até 2016. A Petrobras precisa mesmo de um plano de emergência para os próximos dois anos, e os planos serão detalhados por Bendine até junho. Mas, além de lutar para sobreviver por mais dois anos, a atual administração tem uma oportunidade única para consertar a empresa de fato.
Não é de hoje que a Petrobras sofre nas mãos de seu acionista controlador, o governo federal. Mas esse abuso todo acabou, ao longo dos anos, criando um monstro pantagruélico, disforme, lento e pouquíssimo eficiente. Deu na crise que aí está. Mas qual seria a Petrobras ideal?
Nas últimas semanas, EXAME ouviu 23 especialistas, que tomaram como base as melhores empresas de petróleo do mundo. Muitos deles falaram sob a condição do anonimato porque estão participando das discussões sigilosas atualmente em curso na cúpula da estatal.
O recado principal é claro: a Petrobras precisa fazer menos e melhor. Concentrar-se naquilo que importa, a exploração de petróleo. E arrumar uma solução para uma miríade de negócios que inclui mais de 7 000 postos de combustível, 53 navios, 22 usinas termelétricas e 14 000 quilômetros de tubos — boa parte deles deficitária.
Na maioria dos casos, o melhor seria vender o controle desses negócios, deixar a gestão nas mãos de quem entende e receber os dividendos. O resultado seria uma empresa menor, é verdade, mas muito mais rentável e menos exposta à corrupção. Uma empresa, em suma, capaz de fazer os investimentos necessários para explorar o pré-sal — justamente o que a lambança dos últimos anos colocou em risco.
Ao tentar fazer de tudo — de produzir gasolina em refinarias faraônicas a segurar a inflação brasileira —, a Petrobras deixou de lado o que realmente interessa a seus acionistas e, por que não?, ao país: produzir petróleo. O investimento em exploração e produção oscilou, nos últimos cinco anos, entre 48% e 62% do total.
A colombiana Ecopetrol dedica 80% de seus investimentos à área. A americana Chevron, 90%. Analistas, banqueiros e especialistas afirmam que a divisão de exploração e produção poderia valer, sozinha, 255 bilhões de reais. É 50% mais do que o valor total da empresa na bolsa hoje. Ou seja, todo o resto basicamente atrapalha.
Nos planos da diretoria, o percentual da divisão no bolo de investimentos deveria subir para 70% nos próximos anos, o que é um passo, mesmo que tímido, na direção correta. Nas contas da gestora Antares Capital, essa área é a única que remunerava de fato o capital investido pelos acionistas (até o ajuste no balanço de 2014). Mas, nos últimos anos, a área mais nobre da companhia ficou parada.
A produção da Petrobras ficou praticamente estável entre 2011 e 2013 e os analistas esperavam para 2014 um crescimento de 10% — a estatal entregou 4,5%. Melhorar é imprescindível para chegar ao plano de produzir 5 milhões de barris ao dia em 2020, mais que o dobro do patamar atual. A Petrobras depende desse crescimento na curva de produção para gerar fluxo de caixa e, aos poucos, ir quitando sua hoje monstruosa dívida.
Mas, sem tornar a empresa mais simples, fica quase impossível chegar lá. É aí que surge a outra metade do plano, que é a venda de negócios não essenciais — o que também ajuda, claro, a pagar a dívida. Bendine e seu braço direito, o diretor financeiro Ivan Monteiro, vão começar a adotar uma estratégia que deu certo no Banco do Brasil — onde a dupla mandou por seis anos.
O modelo a ser seguido é o da BB Seguridade, empresa de seguros do Banco do Brasil que abriu o capital em 2013. A oferta de ações da corretora levantou 11,5 bilhões de reais — o banco continuou controlador, com 66,3% do capital, mas, pela estrutura de controle, são os sócios privados que mandam na operação e tocam o dia a dia da corretora.
Atualmente, a BB Seguridade vale 70 bilhões de reais. Além de levantar recursos para a controladora, esse tipo de operação ajuda, no jargão do mercado financeiro, a “destravar” um “valor” que estava escondido em meio à maçaroca geral.
A Petrobras será terreno fértil para esse tipo de estratégia, já que controla empresas de diversos segmentos. Para os banqueiros de investimento que participam das discussões, é possível que esses negócios, nas mãos do mercado, valham cerca de 120 bilhões de reais. O mais valioso deles é a BR Distribuidora, líder na distribuição de combustível no país.
Loteada entre políticos e abandonada, a empresa cresce muito menos do que a concorrência e não explora seus postos como as demais. Estima-se que, como empresa aberta, a BR Distribuidora poderia valer entre 60 bilhões e 80 bilhões de reais. Segundo as contas do Credit Suisse, as concorrentes Ultra, dona da rede Ipiranga, e Raízen, dona dos postos Shell e Esso no Brasil, valem cerca de dez vezes sua geração de caixa.
No caso da BR Distribuidora, esse múltiplo faria a empresa valer menos de 40 bilhões de reais. Mas os analistas consideram que os anos de desleixo deixaram a companhia tão pouco eficiente que bastariam ajustes básicos para elevar rapidamente a geração de caixa — por isso, em tese, os investidores estariam dispostos a avaliar a empresa em mais de dez vezes sua geração de caixa.
A BR Distribuidora é líder em participação no mercado de combustível, com 36,5% das vendas no varejo, mas tem apenas 12,5% das lojas de conveniência, por exemplo. Nos postos BR, os pontos do cartão fidelidade são aceitos na loja de conveniência, enquanto na rede Ipiranga servem até para abastecer — o que aumenta o uso do cartão. A margem de lucro do grupo Ultra, dono da Ipiranga, é de 5%, enquanto a margem da BR Distribuidora é de 3,5% — ainda que o Ultra fature 25% menos.
A coisa é um pouco mais grave nas outras duas principais subsidiárias, a Transpetro, dona de navios, dutos e terminais que transportam e armazenam óleo e gás, e a Gaspetro, responsável pela produção, importação e exportação de gás e fertilizantes. Nesses casos, manter o controle não faz sentido algum.
As subsidiárias não têm autonomia orçamentária nem plano de negócio próprio e dependem 100% da Petrobras — ou seja, se faltar dinheiro para negócios centrais, qualquer plano para melhorar o transporte ou armazenagem de gás vai por água abaixo, por exemplo. Um levantamento interno do banco Brasil Plural avaliou a Transpetro em 45 bilhões de reais — o mais atraente para um possível investidor são os mais de 14 000 quilômetros de dutos para gás e petróleo, que poderiam ser mais bem aproveitados nas mãos de uma empresa privada.
Os dutos seriam usados pela Petrobras e por outros possíveis clientes, como empresas de telecomunicações. Os 49 terminais fluviais e terrestres usados para armazenamento de gás e óleo poderiam ter contratos de locação de longo prazo com a estatal, e um operador independente conseguiria atingir o uso pleno da capacidade. A Transpetro tem 53 navios próprios e poderia vender quase todos. A Petrobras possui 41% da frota que usa, enquanto a britânica BP é dona de 30% de seus navios.
No negócio de gás, a empresa é dona de produção, transporte e distribuição e, ainda assim, perde dinheiro. Somente em 2012 e 2013, a Petrobras teve uma perda de 3,6 bilhões de dólares importando gás à vista para cumprir contratos de longo prazo.
A pedido de clientes, a consultoria especializada Gas Energy fez um levantamento sobre quanto valeriam, a preço de mercado, as participações acionárias da Petrobras em 19 distribuidoras estaduais de gás natural, nos dois gasodutos na fronteira com a Bolívia, nas 13 térmicas mais atrativas e nas três fábricas de fertilizantes. Chegou a 20,6 bilhões de dólares. Só as participações em distribuidora de gás valem 2,8 bilhões de dólares.
Outros negócios menores da Petrobras pedem urgentemente uma solução, mas talvez seja mais difícil encontrar interessados ou encarar a pressão política. É o caso das refinarias, uma prioridade dos governos do PT e hoje no centro das investigações de corrupção.
Tradicionalmente, o refino é o elo menos nobre da cadeia de petróleo. Enquanto a Petrobras investe em novas refinarias, como as escandalosas Abreu e Lima e Comperj, que juntas custaram 25 bilhões de dólares, grandes petroleiras, como Chevron, ExxonMobil e ConocoPhillips, desfazem-se das suas.
No Brasil, o negócio é ainda pior, uma vez que o governo controla os preços dos combustíveis, o que faz com que as refinarias não consigam repassar custos — entre 2011 e 2014, o peso desse subsídio para a estatal foi de 35 bilhões de dólares. “A Ecopetrol também é uma estatal e a Colômbia também subsidia o preço da gasolina, mas com o dinheiro do governo, e não com o caixa da empresa”, diz Pavel Molchanov, analista da corretora americana Raymond James.
Outro negócio encruado é a venda de operações de produção de petróleo no Nordeste. São campos antigos e com produção declinante, mas com mais de 25 000 empregados. É um custo alto para a Petrobras, mas que interessaria a petroleiras menores, como a Ouro Preto e a PetroRecôncavo, que conseguem uma operação mais enxuta. Duro, mas necessário, vai ser comprar a briga com governos locais.
Com a venda de participação ou da totalidade de subsidiárias para se concentrar em exploração e produção, o faturamento da Petrobras teria uma queda imediata de 54% — ou 183 bilhões de reais. Mas a margem Ebitda saltaria de 20% para 40%.
Com uma redução gradual da folha de pagamentos após a venda de subsidiárias e o aumento da produção de petróleo, a Petrobras produziria pelo menos 44 barris de petróleo e gás por funcionário, ante os 29 barris atuais, atingindo a mesma média obtida por empresas como Exxon e Shell.
Concentrada em seu negócio principal, com mais investimento em tecnologia e parceiros em blocos de exploração, a Petrobras poderia reduzir pela metade seu custo de reposição de reservas, no médio prazo, a um valor mais próximo ao das concorrentes, de 17 dólares por barril. Com mais produtividade e mais caixa, o endividamento cairia de cinco vezes a geração de caixa para menos de três vezes.
Com um pouco de trabalho e coragem, os caminhos da Petrobras parecem claros — e prósperos. O problema é que os padrões de governança corporativa na empresa não poderiam estar mais distantes da lógica capitalista. Interferência política, compadrio, favor para o sindicato — os funcionários relatam de tudo.
No início do ano, conselheiros independentes renunciaram a seus assentos porque, segundo eles, o conselho servia apenas para homologar decisões do governo. Essa talvez seja a parte mais difícil, e sem ela as outras podem não funcionar. Alguns ajustes, felizmente, já começaram.
O conselho da Petrobras não terá mais membros da equipe econômica. O novo presidente do conselho, Murilo Ferreira, está acostumado às pressões políticas e sindicais à frente da mineradora Vale, que ele assumiu em 2011. Especialistas esperam que a estatal defenda de fato os próprios interesses, inclusive quando precisar peitar o governo.
Mudanças que seriam essenciais para tornar a Petrobras uma empresa moderna de fato dependem exclusivamente do governo e da regulação do setor: os subsídios no preço dos combustíveis, o modelo que obriga a Petrobras a assumir 30% de todos os campos do pré-sal, a comprovadamente ineficaz política de conteúdo nacional.
“A Petrobras precisa influenciar em questões que impactam diretamente seus negócios”, diz João Augusto de Castro Neves, diretor da consultoria de risco político Eurasia na América Latina. A crise da Petrobras envergonha o Brasil e coloca em risco nossa empresa mais importante. A boa notícia: é possível fazer desse limão uma limonada.