Bandeira da Alemanha (Miguel Villagran/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 25 de outubro de 2012 às 10h40.
Berlim - Em maio, mês em que se comemora o Dia do Trabalho, a Alemanha viveu uma das maiores ameaças de greve das últimas décadas. Operários das indústrias metalúrgica e eletrônica, uma das maiores categorias do país, saíram às ruas aos milhares para pedir aumento salarial.
Durante semanas, um número estampou cartazes, faixas, manchetes de jornal: “6,5%”. Diferentemente do que se pode supor, a negociação do reajuste não foi marcada por temas habituais, como participação nos lucros ou inflação. “Queremos que os empregados se beneficiem dos avanços de produtividade das empresas”, disse na época Berthold Huber, presidente da IG Metall, o poderoso sindicato dos trabalhadores.
“Nós fizemos por merecer”, brandia outro slogan do movimento. O episódio ilustra a força com que noções como desempenho e capacidade de produzir se encontram gravadas na mentalidade alemã. Ao mesmo tempo que se orgulham de trabalhar duro e de tocar a maior economia do continente, os alemães são recordistas regionais em dias de férias remuneradas garantidas por lei.
Com mapas debaixo do braço e, comumente, chinelos com meias, são celebrados como os maiores turistas do continente. O que poderia parecer um paradoxo tem explicação simples: os índices crescentes de produtividade da Alemanha, hoje entre os maiores da Europa.
Nas últimas duas décadas, a produtividade por trabalhador em atividade no país cresceu perto de 23%. No cálculo que leva em conta a produção por hora trabalhada, o aumento chegou a 35%. O desempenho está acima do obtido em economias vizinhas. De 2005 a 2010, a produção por hora trabalhada na Alemanha aumentou 4%, ante 3% na França e crescimento quase nulo na Itália.
O ganho produtivo colaborou para a retomada da competitividade perdida nos primeiros anos da reunificação, quando os alemães enfrentaram a supervalorização da moeda e a perda de mais de 500 000 empregos na indústria.
Reformas trabalhistas iniciadas na década de 90, e que ganharam força a partir de 2003 com o governo Gerard Schröder, estão entre as razões da recente escalada da produtividade. As medidas abriram caminho para o estabelecimento de contratos temporários e arranjos criativos, como o Arbeitszeitkonten, que permite alterar a duração de jornadas em períodos de produção baixa e alta.
Montar o quebra-cabeça do aumento da produtividade na Alemanha, porém, requer um olhar detido sobre o sistema educacional. No Brasil, como em boa parte dos países, qualquer pessoa com dinheiro para investir pode na prática se tornar um profissional em atividades não regulamentadas, como as de padeiro ou cabeleireiro.
Basta abrir uma loja e colocar à venda pães, cortar cabelos e assim por diante. Na Alemanha, ao contrário, ninguém pode ser açougueiro, padeiro ou mesmo agente funerário sem passar por anos de estudo em um braço do sistema de ensino secundário.
Estima-se que metade dos trabalhadores do setor privado possua esse tipo de formação profissional. A principal característica do sistema, que tem origem nas guildas e nas corporações de ofício da Idade Média, é combinar o ensino teórico de escolas profissionalizantes com o aprendizado intensivo em empresas.
Atualmente, cerca de 1,6 milhão de jovens, ou Azubis, como são chamados, participam de programas de aprendizado dual — dividido entre escola e empresa — todos os anos. A modalidade atrai dois terços dos estudantes egressos do ensino médio, que podem escolher entre 343 ocupações reconhecidas.
Financiada em parte por empresas, em parte pelo Estado, a capacitação leva de dois a três anos e meio. “O sistema de formação dual contribui para a qualificação da força de trabalho e, por consequência, para a produtividade do país”, diz Ronald Bachmann, do instituto de pesquisas econômicas RWI Essen.
Honra ao mérito
A primeira versão do sistema atual foi implantada em fins do século 19. Seu funcionamento, claro, vem passando por adaptações. Hoje, o sistema de formação dual germânico é modelo para muitos governos. Barack Obama e David Cameron são alguns dos governantes a elogiar a fórmula alemã, tida como peça fundamental para a competitividade industrial do país.
Uma das virtudes apontadas é a estreita ligação entre os treinamentos e as demandas por mão de obra do setor privado. Em vez de confiar suas fichas no mercado, as empresas têm a chance de formar a própria força de trabalho. Uma em cada quatro companhias alemãs tem programas desse tipo.
A montadora BMW, com sede em Munique, oferece 12 000 vagas de treinamento por ano. Os interessados podem escolher entre 26 opções de carreira, de microtecnologia a mecânica. Aos 21 anos de idade, Judith Dallmer é uma das 70 aprendizes da pequena fábrica que a BMW mantém em Berlim.
Em 2013, ela irá concluir o treinamento em mecatrônica para motocicletas. O aprendizado funciona em turnos de três semanas: uma semana na escola, duas dentro da empresa. Na BMW, em vez de professores e quadro-negro, o aprendizado ocorre com a ajuda de instrutores e colegas.
“Não se parece em nada com o clima autoritário de certas escolas ou faculdades”, diz Judith. “É um jeito muito bom de aprender uma profissão.” Como a maioria dos aprendizes que passam pela companhia, ela será efetivada ao final do treinamento.
Na Alemanha, o prestígio dos aprendizes lembra pouco o tratamento que costumam receber estudantes de formação secundária em outras partes. Os Azubis são tema de livros, revistas especializadas, programas de TV. Uma vez por ano, um evento de gala organizado pelas câmaras de indústria e comércio com a presença de celebridades premia os 200 melhores aprendizes do país.
Para as empresas, ser consideradas um bom destino para programas de treinamento é um fato tão celebrado quanto aparecer numa lista das melhores para trabalhar. O resultado é que há na Alemanha relativamente menos graduados em universidades do que em outros países desenvolvidos.
A proporção de trabalhadores alemães de 25 a 34 anos com grau superior é de 26%. Nos Estados Unidos, é de 41%; e no Japão, 56%. “A economia alemã se constrói sobre uma força de trabalho com formação intermediária”, diz Vera Erdmann, do instituto de economia alemã de Colônia. Se funciona tão bem num país de economia consolidada, certamente é um ótimo exemplo para ajudar a elevar a produtividade de uma nação emergente, como o Brasil.