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Tesouro fecha torneira que jorrou bilhões nos cofres da CEF

O Tesouro Nacional fechou a torneira que jorrou bilhões nos cofres da Caixa Econômica Federal nos últimos anos. Nem honrar seus pagamentos em dia o banco consegue mais

Casas populares (Divulgação)

Casas populares (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 26 de dezembro de 2014 às 05h00.

São Paulo - Nenhum banco no Brasil cresceu tanto quanto a Caixa Econômica Federal nos últimos três anos. Impulsionada pelo Tesouro Nacional, a Caixa ampliou 150% os empréstimos, abriu mais de 1 000 agências e elevou o total de clientes 37%.

A pisada no acelerador garantiu ao governo resultados importantes na área social, como o financiamento de 2  milhões de moradias populares, e deu fôlego à expansão do consumo apoiada em crédito. E também foi positiva para a Caixa, que elevou seu lucro 48% desde 2011.

A sintonia entre o banco e o Tesouro durou até 2013, quando o descontrole nas contas públicas ficou evidente. Aí o governo passou a usar a Caixa de outra forma: como uma instituição que devesse gerar recursos para ajudar a tapar os buracos do orçamento — política que está desorgani­zando as finanças do banco e, segundo EXAME apurou, prejudicando empresas que têm contratos com a instituição. 

Em outubro de 2013, o Tesouro começou a reter recursos que deveria repassar à Caixa — que vão desde as verbas usadas para subsidiar os financiamentos do programa Minha Casa Minha Vida, de moradias populares, até o dinheiro sacado por quem recebe os benefícios do Bolsa Família.

Um levantamento feito pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, a pedido de EXAME, mostra que, só no caso do ­Minha Casa Minha Vida, são 37,3 bilhões de reais acumulados a pagar. O governo reconhece que deve esse montante à Caixa, mas não dá previsão de quando fará o desembolso.

Além disso, o Tesouro reduz sua conta com o banco atribuindo uma parcela dos recursos à antecipação do pa­gamento de dividendos que a Caixa faria à União. Mas, apesar da justificativa, o fato é que a água chegou ao pescoço, e a Caixa está fazendo o que pode para conseguir o dinheiro prometido.

Segundo EXAME apurou, a Caixa recorreu à Câmara de Conciliação e Administração Federal da Advocacia-Geral da União (AGU) pedindo que quatro ministérios — Agricultura, Cidades, Desenvolvimento e Trabalho — liberem os recursos do Tesouro que estão retidos em suas contas e deveriam financiar os programas sociais operados pelo banco. São seis processos em tramitação.

Procurada, a AGU informou que “foram realizadas 15 reuniões de conciliação, e as matérias continuam em fase de instrução” — ou seja, o assunto continua sem conclusão. O Ministério das Cidades diz que “o fluxo dos pagamentos do Minha Casa Minha Vida está normal”. A Caixa, o Tesouro e os demais ministérios não deram entrevista.

A falta de dinheiro fez com que a Caixa atrasasse os pagamentos às construtoras e incorporadoras responsáveis por obras do programa Minha Casa Minha Vida. De acordo com executivos de companhias ouvidos por EXAME, em 2013, os atrasos variaram de 15 a 30 dias.

Em março, os empresários resolveram fechar um acordo com o banco “institucionalizando” o atraso, para conseguir ter alguma previsão de fluxo de caixa: as construtoras pequenas e médias aceitaram receber 15 dias após o prazo; e as grandes, 21 dias depois. O acordo foi cumprido até novembro. No mês seguinte, já havia companhias há quase dois meses sem receber.

No início de dezembro, representantes do Sinduscon, que reúne mais de 1 000 construtoras paulistas, e da Câmara Brasileira da Indústria da Construção reuniram-se com os ministros das Cidades, da Fazenda e do Desenvolvimento e também com Arno Augustin, secretário do Tesouro, para tentar resolver o impasse. “Foram conversas de cavalheiros que não deram em nada”, diz um associado do Sinduscon. No dia 11 de dezembro, o Sinduscon comunicou publicamente que as empresas atrasariam o pagamento do 13o salário por falta de recursos.

Além da questão financeira, há uma questão legal. A Lei de Responsabilidade Fiscal determina que bancos públicos não podem financiar o governo — e, para especialistas como o economista Mansueto de Almeida, é o que o Tesouro está fazendo ao deixar de repassar recursos à Caixa.

EXAME apurou que, no fim de agosto, o Tribunal de Contas da União abriu um processo para investigar o caso. “Não é a primeira vez que o Tesouro faz isso. Mas, dessa vez, foi um exagero”, diz Felipe Salto, economista da consultoria Tendências.

O efeito bicicleta

No auge da crise financeira de 2008, o governo usou os bancos públicos para compensar a retração das instituições privadas e manter linhas de financiamento abertas. Mas, mesmo depois que a situação voltou ao normal, a Caixa não saiu de cena. Nos últimos 12 meses, sua carteira de crédito cresceu 24%, o dobro da média do mercado.

No meio de 2014, o banco estava perto de atingir o limite mínimo de capital exigido pelo BC: para continuar emprestando, emitiu títulos da dívida e captou 500 milhões de dólares. Se a Caixa continuar aumentando seu volume de financiamentos em torno de 25% ao ano, esse dinheiro novo vai durar até o fim de 2015 — isso considerando que o Tesouro regularize os repasses.

Como o governo federal já declarou que não vai mais colocar dinheiro em bancos públicos até 2017, a Caixa terá três opções quando o dinheiro acabar: emitir mais títulos da dívida, reduzir o ritmo de empréstimos ou vender alguma empresa para se capitalizar.

No terceiro caso, a ideia seria seguir um modelo parecido com o do Banco do Brasil, que abriu o capital da seguradora BB Seguridade em 2013 — atualmente, a companhia vale quase tanto quanto o próprio Banco do Brasil em bolsa. No caso da Caixa, as negociações mais avançadas estão acontecendo na corretora de seguros PAR, que tem entre seus sócios a gestora de fundos de private equity GP.

Mas não existe uma previsão de quando — e se — a empresa será vendida. “O problema é que há executivos da Caixa que não querem vender para não perder poder, e isso atrasa a discussão”, diz um conselheiro da Caixa. Também estão sendo feitos estudos para vender uma fatia do capital da companhia de cartões Elo e da gestora de fundos de investimento Caixa.

Enquanto não consegue vender algum negócio, o banco diminuiu — em relação a seus padrões, claro — o ritmo de empréstimos. A alta na concessão de crédito foi de 24% em 12 meses e, em 2013, a carteira havia crescido 41%.

O problema é que o efeito imediato dessa redução foi um aumento da inadimplência em relação ao total de financiamentos, já que não há mais tanto volume de dinheiro novo entrando capaz de reduzir a taxa de calotes — prática conhecida no mercado como “bicicleta”.

O número de inadimplentes com a Caixa não é preo­cupante, mas poderá prejudicar os resultados no futuro (veja quadro na pág. 157). “Para fazer frente à inadimplência, o banco precisa de mais provisões e, assim, fica menos lucrativo”, afirma Esin Celasun, diretora da agência de classificação de risco Fitch.

A maioria dos analistas acredita que a situação do banco ainda esteja longe de ser grave — e possa melhorar muito se o governo parar de atrapalhar. Ainda que a rentabilidade da Caixa tenha caído nos últimos anos, está hoje em 18%, um patamar equivalente ao do Bradesco.

A instituição gasta mais do que seus concorrentes, mas passou a cortar custos e a melhorar processos internos para se tornar mais eficiente. Se a lógica, daqui para a frente, for a de interromper a onda de crescimento a qualquer custo, a Caixa deverá conseguir melhorar seus resultados e parar de depender do Tesouro para fechar as contas. Como a fonte secou, é melhor fazer isso o mais rápido possível.

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