Ben Bernanke, presidente do Fed:confiança na retomada da economia americana (Jonathan Ernst/Reuters)
Da Redação
Publicado em 2 de agosto de 2013 às 16h12.
São Paulo - "A macroeconomia é minha área de especialidade, não a história econômica. Entretanto, ao longo de minha carreira acadêmica, várias vezes me voltei para o estudo do vertiginoso declínio econômico da década de 30 do século 20. Acho que sou um aficionado do tema da Grande Depressão.”
Foi com essas frases que Ben Bernanke abriu o prefácio de seu livro Essays on the Great Depression, ou “Ensaios sobre a Grande Depressão”, numa tradução livre. Com dez textos do então professor de economia da Universidade Princeton, a obra foi publicada, sem nenhum alarde, no ano 2000.
Por uma feliz coincidência do destino, o mesmo Bernanke estaria à frente do Federal Reserve, o banco central americano, em 2008, quando o mundo enfrentou a maior crise desde a quebra da bolsa de Nova York de 1929. Até parte de seus críticos reconhece que as políticas adotadas por Bernanke desde então evitaram que a economia mundial caísse no fundo do poço, como há quase um século.
Além de reduzir o risco de uma crise bancária de grandes proporções, Bernanke passou a adotar o quantitative easing, ou política de flexibilização monetária, vigente até hoje, que consiste em inundar o mercado com liquidez. Desde 2008, o Fed já usou mais de 2 trilhões de dólares na compra de títulos do Tesouro americano, na sua maioria, concentrados nos bancos.
Ao fazer isso, aumentou a quantidade de dinheiro nas instituições financeiras e promoveu uma redução generalizada das taxas de juro de longo prazo. Longe da apatia que marcou o Fed na década de 30, Bernanke trabalha para estimular a demanda. E os resultados vieram: entre 2010 e 2012, a economia reagiu e cresceu, em média, 2,1% por ano.
O sucesso até aqui o levou a dizer em junho que a torneira da liquidez poderá ser fechada em meados do ano que vem. A declaração reacendeu o debate sobre a saúde da economia americana e colocou fogo nos mercados de câmbio e de ações dos países emergentes. O que Bernanke fizer, ninguém duvida, terá impactos imensos no mundo — e no Brasil.
Um dos efeitos colaterais da política monetária americana desde 2008 foi a valorização de moedas como o real. Com taxas de juro próximas de zero nos Estados Unidos, os investidores saíram mundo afora atrás de oportunidades mais rentáveis.
Com a notícia de que o Fed pretende mudar de rumo e eventualmente os juros voltarão a subir por lá, parte do dinheiro começou a voltar — e essa é a principal explicação para a queda recente da Bovespa e a desvalorização do real. Até o dia 24, a saída de recursos estrangeiros da bolsa brasileira em junho chegou a quase 5 bilhões de reais.
Por ora, é cedo para dizer como essa situação irá se desenrolar nos próximos meses. Bernanke sinalizou que os estímulos poderiam ser reduzidos no momento em que a taxa de desemprego dos Estados Unidos chegasse a 6,5% — atualmente está em 7,6%. O que não está claro é quando o indicador chegará à meta.
É verdade que, em junho, o índice de confiança do consumidor americano atingiu o maior nível desde janeiro de 2008, e o mercado imobiliário parece ter renascido das cinzas. O preço dos imóveis subiu 12% no acumulado de 12 meses encerrado em abril, a maior valorização desde 2006.
Na indústria automobilística, as vendas totalizaram 1,4 milhão de veículos em maio, crescimento de 12,3% sobre o resultado de abril. Em 12 meses, são 15,3 milhões de veículos vendidos, 8% mais do que o registrado no mesmo período do ano anterior.
Os pessimistas ressaltam o fato de o próprio governo americano ter revisado para baixo o crescimento econômico do primeiro trimestre. Em vez dos 2,4% em termos anualizados previamente anunciados, a expansão foi de 1,8%. Embora razoável, esse desempenho está longe de gerar tranquilidade.
Ainda mais levando-se em conta que o volume de compras de títulos públicos pelo Fed só não é superior aos três meses seguintes à quebra do banco Lehman Brothers. De janeiro a maio deste ano, a média foi de cerca de 85 bilhões de dólares por mês.
“Estou perplexo que o Fed queira começar a diminuir o programa de compra de títulos neste momento, quando as expectativas de inflação estão contidas e o crescimento de longo prazo continua frágil, especialmente na Europa e, possivelmente, até mesmo na China”, diz Kenneth Rogoff, professor de economia da Universidade Harvard.
Independentemente de quando, de fato, a retirada dos estímulos acontecerá nos Estados Unidos, o fato é que o horizonte para os emergentes, cedo ou tarde, será diferente. Para a maioria dos analistas dos grandes fundos de investimento, não se trata de se preparar para uma crise ao estilo das ocorridas no fim dos anos 90.
Os grandes países emergentes devem continuar crescendo e têm reservas internacionais que permitem absorver choques externos. Isso, no entanto, não quer dizer que a mudança, quando ocorrer, seja indolor.
O Brasil tem cerca de 370 bilhões de dólares em reservas cambiais, acumuladas nos últimos anos graças, justamente, ao grande influxo da moeda americana, e pode aumentar os juros caso seja necessário atrair investidores. Mas, entre os emergentes, está numa posição mais vulnerável porque a credibilidade da política macroeconômica caiu muito nos últimos tempos.
“O país está em um equilíbrio ruim de crescimento baixo e inflação alta. O sentimento dos investidores estrangeiros em relação ao Brasil mudou, e o país terá de trabalhar os fundamentos para recuperar a confiança perdida”, diz Alberto Ramos, economista-chefe para a América Latina do banco americano Goldman Sachs.
A notícia de que a agência de avaliação de risco Standard & Poor’s estuda rebaixar a nota do Brasil nos próximos dois anos é uma prova da erosão de credibilidade do país. Caso esse processo se aprofunde e, num caso extremo, o país venha a perder a nota “grau de investimento”, vários fundos de investimento serão impedidos de aplicar na BM&F Bovespa e no mercado de títulos.
Nem a desvalorização do real decorrente da menor entrada de dólares no país, tão desejada por parte do setor industrial, é um sinal positivo. Se, por um lado, ela torna os produtos brasileiros mais competitivos no exterior, por outro, encarece os importados, o que pressiona a inflação.
A 18 meses do fim do mandato de Dilma Rousseff, seria prudente a equipe econômica ter um plano para reconquistar a confiança e preparar o país para o fim da era do excesso de liquidez. A alternativa — ficar na torcida para que Bernanke adie o fim dos estímulos nos Estados Unidos — não faz sentido para um país com a dimensão do Brasil.