Executivos em evento da IBM: de olho em empresas que sabem o que querem ser (Johannes Eisele/AFP Photo)
Da Redação
Publicado em 2 de maio de 2013 às 06h00.
São Paulo - Os executivos brasileiros não têm do que reclamar. O mercado de trabalho vive uma situação única no país: a taxa de desemprego não passa da casa dos 5% e os salários estão entre os mais altos do mundo. Um diretor de uma grande empresa instalada por aqui ganha em média 1 milhão de reais por ano, entre bônus e salário. Em um cenário como esse, era de esperar índices recordes de satisfação com o trabalho. Mas não é o que se vê.
A segunda edição da pesquisa A Empresa dos Sonhos dos Executivos, realizada pelas consultorias de recursos humanos DMRH e Nextview com mais de 4 000 pessoas, revela que dinheiro no bolso e estabilidade já não bastam para manter os funcionários satisfeitos.
Quatro em cada dez executivos brasileiros dizem que pretendem trocar de emprego nos próximos dois anos. “É um número alto em qualquer país, em qualquer cenário econômico”, diz Sofia Esteves, presidente da DMRH.
São diversos os motivos de insatisfação com as companhias (veja quadro). Alguns são bem conhecidos: os executivos querem ganhar ainda mais, querem líderes mais inspiradores, mais crescimento na carreira e mais equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Mas o principal motivo de descontentamento surpreendeu os pesquisadores pelo ineditismo: a falta de coerência entre o discurso da empresa e a prática. “É um dado que revela a sofisticação do mercado de trabalho no país.
Pela primeira vez, os executivos têm o poder de escolha de sua carreira na mão”, diz Danilca Galdini, diretora da DMRH. Os executivos brasileiros perderam o medo de trocar de emprego e sabem que receberão bons salários em outro lugar.
Por isso, começam a valorizar fatores mais subjetivos em seu trabalho. O que eles querem, agora, é encontrar uma empresa com uma cultura corporativa clara — e que seja colocada em prática.
Para as empresas, quanto mais sofisticado o mercado, maior o drama. Afinal, para responder às insatisfações de sempre, bastava adotar um receituário-padrão: aumentar os salários e os bônus, oferecer novos desafios (um cargo no exterior, por exemplo), adotar horários de trabalho mais flexíveis. Agora, as coisas começam a ficar mais complexas.
Nesse cenário, para atrair e reter os melhores profissionais, as empresas têm de continuar a fazer tudo isso, mas precisam de uma cultura corporativa clara — e que seja respeitada no dia a dia.
Os exemplos ainda são escassos no mercado. A cervejaria Ambev é reconhecida pela meritocracia. Todos os anos, mais de 60 000 jovens sedentos por bônus agressivos se inscrevem em seu programa de trainees.
A fabricante de aviões Embraer, por sua vez, atrai executivos e engenheiros de ponta graças a uma oferta única: trabalhar com inovação de última linha. “Forjar uma cultura não é fácil. E copiá-la é muito mais difícil do que copiar um produto”, diz Felipe Monteiro, professor de estratégia da escola de negócios Insead.
Se criar uma identidade não é fácil, fazer com que seus valores sejam percebidos exige planejamento. A empresa química Basf, por exemplo, quer ser reconhecida pelo trabalho em equipe, e não pela agressividade de suas ações.
“Para disseminar o valor na prática, até o final do ano vamos implantar uma nova maneira de avaliar os funcionários”, diz Gislaine Rossetti, diretora institucional da Basf. Metade do bônus anual vai continuar a ser paga de acordo com as metas. Mas a outra metade será paga de acordo com a nota de clima das equipes. Se a avaliação sobre o modo como o chefe conduziu o trabalho for negativa, o bônus dele não poderá chegar a 100%.
“Isso vai ao encontro da cultura pela qual a Basf quer ser reconhecida. A parcela de profissionais que creem que vale tudo para atingir as metas vai ficar para trás”, diz Gislaine.
A meta é reduzir a rotatividade entre os executivos, que atualmente está em 9% ao ano, número considerado alto pela companhia. Na empresa de tecnologia IBM, o objetivo é atrair profissionais engajados em projetos sociais e ambientais — que possam ajudar a empresa em sua mais promissora linha de negócios, a de infraestrutura urbana.
Recentemente, a IBM convocou executivos para criar planos estratégicos para um grupo de organizações não governamentais. Pode parecer filantropia, mas esse tipo de atitude ajuda a convencer a tropa de que a empresa realmente põe em prática seu discurso. A fabricante de bens de consumo Unilever definiu outra frente como prioridade em sua cultura corporativa: pensar no longo prazo.
Passou a conceder com mais frequência licenças de até um ano para que seus executivos façam cursos no exterior ou até para períodos sabáticos. Pode não fazer sentido no curto prazo abrir mão de um profissional. Mas a Unilever acredita que essa postura ajuda a ter uma equipe comprometida com o futuro do negócio.
A preocupação em forjar uma cultura corporativa clara é fundamental para sobreviver em mercados mais maduros, como o americano. Por lá, a estabilidade econômica permite que há décadas os profissionais escolham seus empregadores pelos valores. Um dos grandes exemplos dessa lógica é a varejista Whole Foods. Fundada pelo americano John Mackey em 1980, sua prioridade é atrair executivos preocupados com a sustentabilidade.
No livro Conscious Capitalism (“Capitalismo consciente”, numa tradução livre), lançado em janeiro deste ano em parceria com o consultor indiano Raj Sisodia, Mackey diz que o teto salarial da Whole Foods não sofre mudanças há 20 anos, mas que isso nunca fez com que a rede perdesse seus melhores executivos.
“É muito fácil perceber quando as companhias são autênticas e quando não são. Empresas sem cultura forte são como dinossauros, fadadas à extinção”, diz Sisodia. Na era do executivo infiel, empresas brasileiras com dificuldades para atrair e reter executivos talvez já sejam pré-históricas sem sequer ter se dado conta.