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Produtos para mulheres custam 9% mais que os similares para homens

Quando há produtos similares para homens e mulheres, a versão feminina custa, em média, 9% mais. Em itens infantis, a diferença chega a 25%, revela estudo

Loja de roupas em São Paulo: as empresas usam artifícios para captar o olhar feminino — e cobram mais por isso  (Germano Lüders/Exame)

Loja de roupas em São Paulo: as empresas usam artifícios para captar o olhar feminino — e cobram mais por isso (Germano Lüders/Exame)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 20 de dezembro de 2018 às 05h46.

Última atualização em 20 de dezembro de 2018 às 05h46.

A crença de que produtos e serviços para as mulheres são geralmente mais caros, quando comparados a versões similares para os homens, é comprovada na prática em várias partes do mundo. No Brasil, os artigos para as mulheres são, em média, 9% mais caros do que os destinados aos homens. No vestuário adulto, as mulheres pagam 14% mais. No vestuário infantil, a diferença no valor chega a 25%. Os dados são da pesquisa Taxa Rosa — Gênero e Precificação, elaborada por Fábio Mariano Borges, professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo, e aberta com exclusividade a EXAME.

É uma situação paradoxal, pois paga mais justamente quem ganha menos — no Brasil, as mulheres recebem, em média, 85% do salário dos homens, segundo o Ministério do Trabalho. A diferença de preços, portanto, reforça ainda mais a desigualdade de gênero. Uma possível explicação para a disparidade nos preços é que, com frequência, elas são as responsáveis pelas compras de toda a família. “Historicamente, as mulheres fazem compras para elas mesmas e para os demais membros da família. Nesse cenário, a indústria criou mais mecanismos de atração do gênero feminino e, mesmo que inconscientemente, desenvolveu preços diferentes para itens iguais”, afirma Borges.

Prática consciente ou não, as companhias evitam tocar no assunto. EXAME procurou uma dezena de empresas e associações para que comentassem a diferença de preços por gênero, mas nenhuma delas quis detalhar a política adotada. A varejista de moda Riachuelo afirmou em nota que é contra a distinção de preços por gênero e citou produtos de valores semelhantes, como camisetas básicas por 25 reais. Já a fabricante de bens de consumo P&G disse que sugere o preço a ser adotado pelos varejistas, aos quais cabe a decisão final do valor dos produtos. Alguns casos chamam a atenção. As lâminas de depilar Gillette Prestobarba 3 na cor rosa são 20% mais caras do que a versão masculina em cinza. A P&G declarou em nota que “o valor dos produtos depende da tecnologia empregada nos itens”.

Qualquer que seja o motivo por trás da diferença nos preços dos produtos, os consumidores também contribuem para essa situação. A pesquisa Taxa Rosa foi realizada com base no depoimento de 480 mulheres entrevistadas em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Salvador. Entre elas, 78% consideram “normal” o fato de o preço ser mais alto para as mulheres, uma vez que elas são “mais consumistas” do que os homens. “É comum ver lojas com o setor feminino bem maior do que o masculino. Elas têm à disposição mais opções de compra e podem consumir mais”, diz Borges.

As empresas utilizam artifícios cada vez mais sofisticados para fisgar as mulheres. A embalagem e a exposição nas prateleiras, por exemplo, estão mais caprichadas para captar o olhar feminino. “A indústria cria apelos que chamam a atenção, mas nem sempre isso justifica cobrar preços mais altos”, afirma Beto Almeida, diretor-geral da consultoria global de marcas Interbrand. Almeida diz que a percepção da diferença nos preços se torna mais difícil em produtos de baixo valor unitário. “Se um item custa 2 reais para o homem e 3 para a mulher, a diferença pode parecer uma bobagem, mas é de 50%.”

Essa diferença, em geral, passa batida. De acordo com o estudo de Borges, 85% das consumidoras entrevistadas não percebem a diferenciação de preços por gênero. As mais atentas têm filhos dos dois gêneros, são casadas e pertencem à classe C. A servidora pública fluminense Jessyca Pacheco Pozzi percebe a discrepância de preços na hora de comprar roupas e brinquedos para os filhos Teodora e Joaquim, de 5 e 3 anos, respectivamente. “A diferença mais gritante é no preço dos brinquedos”, diz Jessyca. Uma estratégia que ela costuma usar para contornar o problema é dar preferência a produtos unissex. “É uma boa solução para economizar e, ao mesmo tempo, colabora na construção da equidade de gênero entre meus filhos”, afirma.

Taxa rosa: os preços são mais altos em quase tudo que se destina a meninas | Robson Ventura/Folhapress

Os produtos para crianças são os que apresentaram maior diferença de preços por gênero na pesquisa Taxa Rosa. No caso de brinquedos e roupas infantis, as versões femininas são 22% e 25% mais caras, respectivamente. A manufatura infantil utiliza frequentemente imagens licenciadas, como de super-heróis e princesas, cuja popularidade pode influenciar nos preços dos produtos. “O preço acompanha a demanda do personagem, seja masculino, seja feminino”, diz David Diesendruck, presidente da licenciadora Redibra, que detém os direitos da Galinha Pintadinha, e é vice-presidente da Associação Brasileira de Licenciamento.

Apesar de tudo, a diferença tem caído. Num levantamento similar para o estudo Taxa Rosa em 2016, as mulheres pagavam, em média, 12% mais do que os homens — a diferença nos preços por gênero, portanto, caiu 3 pontos percentuais no estudo mais recente. A mudança pode ser atribuída à conscientização dos consumidores. O avanço do comércio eletrônico também é um aliado para reduzir a desigualdade de preços por gênero. “Quando se compra online, é mais fácil comparar os preços dos produtos. Isso inibe a cobrança de sobretaxa com base no gênero do consumidor”, diz Borges.

Se no Brasil a diferenciação de preços por gênero é um tema tabu, nos Estados Unidos o debate está mais avançado. Em 2016, ativistas colheram assinaturas online contra lojas que adotam a prática. As farmácias Boots e Thompson Chemists foram algumas varejistas que reavaliaram seus preços por causa da campanha. De lá para cá, órgãos governamentais passaram a monitorar o assunto. Um exemplo é o estudo publicado em agosto pelo Government Accountability Office, órgão que exerce função semelhante à da Controladoria-Geral da União no Brasil.

Depois de revisar estudos, entrevistar especialistas e analisar preços, chegou-se à conclusão de que, em cada dez categorias de produtos, cinco oferecem itens mais caros para as mulheres. Outras três têm preços equivalentes e apenas duas têm preços maiores para os homens. As razões pelas quais isso acontece ainda não são claras. Embora não haja uma lei que regule os preços por gênero em todo o país, alguns estados avançaram no tema. Em 1995, a Califórnia tornou-se o primeiro estado americano a proibir a discriminação de preço por gênero em serviços como corte de cabelo e lavanderia. Em 2016, o senador Ben Hueso apresentou um projeto de lei para que a mesma medida valesse para bens de consumo.

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