Revista Exame

A culpa é do Ibama?

Todas as grandes obras das rodovias federais sob concessão da OHL estão atrasadas. A empresa culpa a burocracia ambiental. Mas o grande vilão parece ser o preço irreal do pedágio

Sem melhoria: rodovias como a Régis Bittencourt, em São Paulo, continuam a formar gargalos (Ciete Silverio/Quatro Rodas)

Sem melhoria: rodovias como a Régis Bittencourt, em São Paulo, continuam a formar gargalos (Ciete Silverio/Quatro Rodas)

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Da Redação

Publicado em 24 de novembro de 2011 às 13h38.

São Paulo - "O asfalto é ruim, há trechos com buracos, outros sem acostamento e, quando chove, a água empoça em vários pontos. Está longe do que se espera de uma rodovia privatizada.”

É com essas palavras que Vander Francisco Costa, dono da Vic Logística e presidente da Federação das Empresas de Transportes de Carga de Minas Gerais, define o atual estado da Fernão Dias, ligação de Belo Horizonte a São Paulo e uma das principais artérias da economia do país.

Logo após sua privatização, em outubro de 2007, a Fernão Dias prometia ser um exemplo em matéria de concessão: se transformaria numa pista renovada, bem sinalizada e, o melhor de tudo, a um custo baixíssimo para os usuários. Era isso no mundo dos planos do governo e da empresa concessionária.

O mundo dos fatos, porém, é bem diferente. No segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Fernão Dias foi arrematada pelo grupo espanhol OHL com a oferta do pedágio mais barato da história: 99 centavos de real. Isso significou um deságio recorde de 65% em relação ao teto do preço fixado pelo governo federal.

Pelo cronograma do contrato de concessão, assinado em fevereiro de 2008, até o início deste ano ficariam prontos meia dúzia de trevos, 88 quilômetros de terceira faixa, 50 passarelas e o tão esperado contorno de Betim, para desafogar a saída de Belo Horizonte.

Até agora, porém, boa parte das obras não foi entregue. Por isso, muita gente, como Costa, já concluiu que o barato está saindo caro. “Preferia pagar mais e ter agilidade e qualidade”, diz ele. 

Reclamações parecidas — e até mais enfáticas — são ouvidas de quem transita em outras rodovias federais concedidas no mesmo leilão com deságios generosos.

A OHL, grande vencedora com cinco estradas arrematadas, ficou também com a Régis Bittencourt, entre São Paulo e Curitiba, a Autopista Fluminense, que liga o Rio de Janeiro aos municípios da bacia de Campos, e as vias Planalto Sul e Litoral Sul, trechos da BR-116 e da BR-101 que cortam Paraná e Santa Catarina.


No conjunto dos seus cinco lotes, o grupo espanhol tinha uma previsão de investimento de quase 4 bilhões de reais de 2008 a 2011. Aí começam os problemas: apenas metade disso foi desembolsada até agora.

A OHL e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável por monitorar e punir as concessionárias quando não cumprem os contratos, atribuem a maior parte dos atrasos à “natural lentidão” dos processos de licenciamento de órgãos como o Ibama.

Essa seria a principal razão da falta de duplicação da Régis Bittencourt na Serra do Cafezal, em São Paulo, onde se formam filas quilométricas. A demora na licença ambiental teria atrasado não apenas as melhorias nas rodovias mas também a construção das praças de pedágio. Por esse motivo, o cronograma de obras de todas as estradas da OHL foi postergado pela ANTT. 

É certo que o Ibama não pode ser considerado um modelo de eficiência na área governamental. A lentidão nos processos de licença ambiental já faz parte do anedotário da burocracia brasileira. Mas considerar o Ibama o único responsável pelos atrasos nas concessões da OHL seria um erro.

EXAME enviou ao órgão a lista de obras que, segundo a OHL e a ANTT, atrasaram devido a trâmites legais de licenciamento. Em resposta, o Ibama alegou que as chamadas dificuldades para a concessão das licenças “se devem às pendências técnicas e documentais” da OHL.

“O licenciamento tem regras que podem ser complexas, mas são claras”, diz Eugênio Costa, coordenador de transportes, mineração e obras civis do Ibama. “Muitas empresas seguem tudo na ponta do lápis. Trazem tudo certo aqui e não têm problemas. Outras demoraram para apresentar a documentação e os estudos. Estas têm dificuldade mesmo.” A OHL preferiu não comentar as declarações do Ibama.

Para analistas do setor de transportes, a demora dos processos de licenciamento ambiental estaria funcionando como uma espécie de álibi para o atraso das obras da OHL. “Na área de rodovias, as licenças demoram em média de seis meses a um ano”, diz um executivo do setor.

“Só casos complexos demandam mais tempo.” Um exemplo é a extensão da rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo, cuja licença para a concessionária CCR Autoban demorou menos de um ano. A OHL, na avaliação de seus pares, estaria ganhando tempo para formar caixa.


A impressão se baseia num cálculo matemático. A empresa fixou uma taxa de retorno sobre o investimento próxima de 9% ao ano. Para fechar a conta no papel e justificar os pedágios a preços exíguos, a OHL projetou um aumento substancial do tráfego de veículos em suas estradas.

No caso da Fernão Dias, as estimativas superaram em até 130% as da ANTT. Para a OHL, passariam por lá, já no primeiro ano de concessão, em 2008, 65 milhões de veículos, enquanto para a ANTT seriam 35 milhões. Mas não é fácil desafiar os números. O movimento esperado pela empresa veio — mas só no ano passado.

“Para obter o retorno fixado sem o aumento do trânsito de veículos não há mágica: é preciso cortar custos e protelar investimentos”, diz um alto executivo do setor. Em casos como esse, até mesmo atrasar a construção das praças de pedágio vira uma vantagem.

“Estou convencido de que o preço baixo do pedágio dificultou a formação de caixa e os investimentos da OHL”, diz Augusto Valente, diretor da T1, consultoria de logística e transporte com sede em Brasília. No primeiro semestre de 2009, a empresa fez uma emissão de títulos no valor de 400 milhões de reais e recebeu um empréstimo de 766 milhões de reais do BNDES.

José Carlos de Oliveira, presidente da OHL, considera a versão absurda. “Não faz o menor sentido: temos 1 bilhão de reais em caixa para investir, e é o que faremos quando tivermos as licenças ambientais”, diz ele. “Somos os principais interessados em melhorar as estradas porque isso eleva o tráfego e o faturamento.”

O que mais preocupa quem acompanha de perto a polêmica é o mau sinal que isso dá para o mercado. A ideia de dar prioridade ao preço baixo inverteu a lógica das concessões. No modelo anterior de concessão, a empresa candidata precisava primeiro provar que era qualificada para a obra e apresentar um projeto.

Só depois vinha a definição do valor do pedágio. Ao longo da obra, não eram tolerados atrasos. Em casos como a segunda pista da rodovia dos Imigrantes e a Castelinho, que liga São Paulo a Barueri, houve antecipação do prazo de entrega em quase seis meses. No modelo criado pelo governo federal, o primeiro critério passou a ser a oferta do menor pedágio.


Só depois de definida a disputa as vencedoras mostram as qualificações e a proposta técnica. “Nessa ordem invertida, qualquer um pode entrar, ganhar e ficar. Politicamente é difícil para o governo desclassificar uma empresa que oferece o menor preço e colocar outra que cobra mais caro”, diz um especialista na área.

“Temos de conviver com a falsa ideia de que o barato é bom de qualquer jeito.” Nesse contexto, aceita-se a revisão de cronograma. Ao final, o usuário paga outro preço, até mais alto: espera mais tempo por obras que já poderiam estar prontas e continua a rodar por estradas precárias.

No próximo leilão federal de rodovias, previsto para este mês, a ANTT incorporou a demora ao modelo. As concessionárias terão pelo menos três anos para iniciar as obras. Até agora, normalmente esse era o prazo exigido para a entrega das obras.

Quem mais tem reclamado do resultado do modelo é o usuário da Autopista Litoral Sul. Lá está prevista a construção de um anel viário para aliviar o trânsito em Florianópolis. “O contorno tinha projeto básico e licença ambiental quando a OHL ganhou a licitação”, diz Ricardo Saporiti, coordenador de um estudo sobre a Litoral Sul encomendado pela Federação das Indústrias de Santa Catarina.

A OHL nega que havia projeto e licença prontos. A empresa elaborou um projeto que até agora não obteve licença ambiental. Segundo Costa, do Ibama, o projeto foi apresentado incompleto há um ano e meio. “Esperamos há mais de seis meses pelo material que falta”, diz ele.

Os empresários locais estão especialmente irritados com a postura da ANTT. A agência alterou o cronograma de obras da Litoral Sul em dezembro de 2009, porque a OHL disse ter dificuldades na construção das praças de pedágio.

Com a mudança, não será entregue boa parte dos 30 trevos, quase 40 passarelas e 30 quilômetros de terceira faixa esperados até fevereiro de 2012. O contorno ficou para 2015.

“Essas mudanças são justas com o usuário que paga o pedágio?”, pergunta Glauco José Côrte, presidente da federação das indústrias catarinenses. Justas ou não, parece que elas vieram para ficar — e o governo finge que ainda teremos ótimas estradas com pedágio de 1 real.

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