Emilio Botín, presidente mundial: não vale a pena arriscar em meio à crise (Pedro Armestre/AFP)
Da Redação
Publicado em 30 de novembro de 2011 às 05h00.
São Paulo - De qualquer ângulo que se olhe, a abertura de capital da subsidiária brasileira do banco espanhol Santander, em outubro de 2009, foi um marco do mercado financeiro nacional. O motivo mais óbvio para isso é o tamanho da operação: o Santander levantou 13 bilhões de reais com sua emissão de ações.
Nunca um IPO brasileiro havia movimentado tanto dinheiro — e o recorde não foi batido desde então. A operação foi marcante também por evidenciar, para quem ainda tinha dúvidas, o poder de atração da economia brasileira. Afinal, o maior banco da Europa havia constatado que sua filial seria mais bem avaliada pelo mercado do que a matriz: a parte, em suma, brilhava mais que o todo.
Para atrair interesse para seu IPO, o Santander ofereceu aos investidores um plano de investimento agressivo. Com tanto dinheiro em caixa, o banco passou a ser visto como um touro cujo destino era atropelar a concorrência local. Passados dois anos, porém, parece claro que projeto e realidade não convergiram.
A promessa de crescimento não foi cumprida. E quem comprou ações do banco no icônico IPO de 2009 perdeu dinheiro. Mais precisamente, 33% em dois anos. Quem tivesse comprado ações do bom e velho Bradesco no dia da abertura de capital do Santander teria ganhado modestos 7%: é pouco, mas não é prejuízo.
Uma cadeia de fatores explica tal desempenho das ações do Santander. E essa cadeia, segundo analistas e funcionários do banco, começa na Espanha. Este não é, afinal de contas, um bom momento para ser acionista de um banco espanhol — ou mesmo da subsidiária de um banco espanhol.
Executivos da instituição ouvidos por EXAME, sob a condição de anonimato, dizem que a orientação da matriz é simples: em meio à turbulência que a Europa atravessa desde 2008, é hora de pisar no freio. A lógica que rege a estratégia de Emilio Botín, presidente mundial do Santander, é que não vale a pena investir pesado e correr riscos em meio a um cenário global tão conturbado.
Com o desemprego na casa dos 20% e pagando juros historicamente elevados (6,5% ao ano no fechamento desta edição), a Espanha vive um momento econômico extremamente delicado. Nas palavras de um alto executivo do banco, a última coisa que Botín quer hoje é “contaminar” o balanço do Santander arriscando em outros mercados.
“A operação brasileira é indiretamente afetada pela crise na Europa. Por isso, a palavra de ordem é ser conservador. Essa estratégia afeta os resultados aqui”, diz Mario Pierry, analista do Deutsche Bank.
Claro, esse conservadorismo cobra seu preço num mercado competitivo como o brasileiro. Embora tenha anunciado que cresceria mais que a média dos bancões locais quando fez sua oferta de ações, o Santander continua em quinto lugar no ranking de maiores instituições do país em total de ativos.
Sua carteira de crédito aumentou 17% de janeiro a setembro, menos que a média de 20% dos grandes bancos, segundo levantamento feito pelo Instituto Assaf. Uma das metas anunciadas no fim de 2009 era abrir 600 novas agências até 2013.
Depois de dois anos, 200 foram inauguradas — agora, para atingir seu objetivo, o banco tem de abrir uma nova agência a cada dois dias, algo visto no mercado como quase impraticável. Outro objetivo, ser o mais lucrativo do Brasil, também não se concretizou.
No terceiro trimestre de 2011, seu retorno sobre o patrimônio, a principal medida de rentabilidade desse setor, foi de 7,8%, metade da taxa dos grandes bancos brasileiros de capital aberto.
Enquanto bancos estrangeiros sofrem com as dificuldades originadas na matriz, as instituições locais têm chamado a atenção pela agressividade. Vale o mesmo no mercado de bancos de investimento: enquanto os estrangeiros patinam lá fora, os brasileiros Itaú-BBA e BTG Pactual se consolidam na liderança absoluta nos segmentos em que atuam.
Segundo um executivo da cúpula do Santander, a falta de crescimento no país reflete a estratégia que a matriz adotou para a subsidiária brasileira. Em suas palavras, o Brasil se tornou um “provedor de liquidez” para a Espanha.
No ano passado, pela primeira vez, a subsidiária respondeu pela maior parte do lucro anual do conglomerado, 25%, enquanto a matriz, que contribuiu com uma fatia de 26% em 2009, passou a representar apenas 15%. Uma parte considerável do lucro do Santander no Brasil é repassada para Madri: de acordo com a política de dividendos do banco, 65% dos ganhos são distribuídos aos acionistas.
Instituições como Bradesco, Itaú e Banco do Brasil distribuem entre 30% e 40%. No ano passado, a unidade brasileira enviou à matriz 1,5 bilhão de reais ao resgatar antecipadamente um Certificado de Depósito Bancário (CDB) que tinha como credor o Santander Espanha.
Finalmente, foi anunciada em novembro uma nova oferta de ações correspondente a 8% do capital (cerca de 4 bilhões de reais, pelo valor de mercado da instituição hoje), que ocorrerá na bolsa de Nova York.
Uma parcela de 5% desse valor será destinada ao fundo soberano do Catar, que, no ano passado, emitiu títulos de dívida de 2,7 bilhões de dólares conversíveis em ações da subsidiária brasileira. O restante, segundo analistas, vai para a matriz.
Manter as coisas como estão — sem grandes investimentos e com o pé no freio no mercado de crédito — seria arriscadíssimo, e por razões óbvias. Em sua unidade de varejo, o Santander já sente os efeitos desse torniquete. Quinto maior banco do país, o Santander passou a se revezar com o líder Itaú Unibanco na primeira colocação no ranking de reclamações de clientes do Banco Central.
O banco espanhol é o líder no quesito que mais levou a reclamações neste ano, os débitos indevidos. Em março, o Santander fez uma reformulação em sua área de varejo. José Berenguer Neto, egresso da área de atacado do Real, assumiu a operação. Sua missão: crescer, diminuir a distância que separa o Santander da concorrência, melhorar a imagem do banco — e não gastar muito dinheiro.
Segundo EXAME apurou, apesar das promessas de investimento feitas pela matriz, os recursos não foram liberados. “O desafio é aumentar receitas mesmo sendo conservador”, diz Marcelo Telles, especialista em bancos do Credit Suisse. Procurado, Berenguer não deu entrevista, assim como o presidente do Santander no Brasil, Marcial Portela Álvarez.
Portela, como é mais conhecido, tentou acalmar os ânimos de quem aplica em ações do Santander num evento para investidores estrangeiros realizado em Londres há quase dois meses. Fazendo um mea-culpa sobre as promessas não cumpridas desde o IPO de 2009, disse que o banco vai abrir entre 100 e 120 agências nos próximos dois anos (abandonando, portanto, a meta de 600 anunciada anteriormente).
E acrescentou outros dois objetivos: melhorar o índice de satisfação de clientes numa pesquisa feita pelo Ibope e quintuplicar a participação de mercado da instituição no setor de processamento de operações de cartões de crédito e débito. Desde a conferência em Londres até meados de novembro, as ações do banco caíram 0,4%. No mesmo período, o Ibovespa subiu 8%.