Revista Exame

A crise espanhola não chegou para o Mercadona

Numa época em que tudo conspira contra os supermercados na Espanha, Juan Roig, do Mercadona, radicaliza na política de preços baixos — e se dá muito bem

Protestos na Espanha: desilusão com 
a classe política (AFP)

Protestos na Espanha: desilusão com a classe política (AFP)

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Da Redação

Publicado em 15 de junho de 2012 às 15h31.

São Paulo - Juan Roig, presidente dos supermercados Mercadona, o maior em vendas na Espanha, está tão cheio de si que anda até dando opinião sobre como o governo espanhol deve reagir à crise.

Num país onde a taxa de desemprego está em alta pelo quarto ano seguido e o PIB registrou duas retrações consecutivas, Roig viu o faturamento do Mercadona crescer 15% desde 2008 e chegar a 23,5 bi­lhões de dólares. Os lucros, que estiveram em baixa em 2008 e 2009, voltaram a crescer no ano passado — um aumento de 47%.

Enquanto empresas de vários setores demitiam, Roig acrescentou 1 500 pessoas à sua força de trabalho, totalizando 63 500 funcionários. Em 2010, ano em que muitos empresários e executivos espanhóis tiveram de congelar investimentos, Roig abriu 60 novas lojas.

Tantas conquistas poderiam dar a impressão de que se está falando de um vendedor de guarda-chuvas em um ano de temporais, mas não é esse o caso. Nos Estados Unidos, as vendas de alimentos nos supermercados até subiram durante a crise, pois os americanos passaram a comer mais em casa.

Na Espanha, o que se viu foi uma queda. Por tudo isso, sob qualquer ângulo que se olhe, Roig deu uma aula de como vencer na adversidade — a pior crise do país nas últimas três décadas.

A estratégia que impulsionou o crescimento do Mercadona, batizado informalmente de Walmart da Espanha, foi o reforço na política de preços baixos, uma escolha que, de maneira alguma, renderia um prêmio de originalidade a Roig. O Carrefour, um dos principais rivais do Mercadona na Espanha, e outros competidores trilharam o mesmo caminho.

Mas Roig saiu na frente. Em 2008, ano da virada na política de preços, uma família gastava 600 euros por mês em suas compras básicas em uma das lojas Mercadona. Dois anos mais tarde, a mesma cesta básica valia 520 euros.

"Em retrospectiva, parece óbvio que apostar em preços baixos era a melhor saída naquele momento, mas em 2008 muita gente estava num processo de negar a realidade", diz Javier Andrés, professor de economia da Universidade de Valência, onde fica a sede da empresa.


A base que deu sustentação à estratégia do Mercadona durante a crise foi construída ao longo dos anos de vacas gordas — e talvez aqui esteja um ponto a ser considerado por empresas que estão hoje surfando uma onda de prosperidade no Brasil.

No período em que parecia que o sol nunca iria se pôr na economia espanhola, Roig construiu um relacionamento estreito com cerca de 100 de seus 2.000 fornecedores. É comum que grandes varejistas tenham um grupo de empresas de quem são mais próximos. Mas, como comprova um recente estudo da Universidade Harvard sobre o Mercadona, a estratégia de Roig foi além disso.

Desde a década de 90, o supermercado assina contratos de longo prazo com esse grupo mais restrito de fornecedores, que trabalham num sistema de quase exclusividade. A ideia é dar segurança financeira para essas empresas investirem em modernização. Com esse grupo, as negociações não se limitam a preços.

Envolvem possíveis modificações dos processos de produção. "Foi justamente isso o que deu agilidade para as mudanças de rumo logo no começo da crise", diz Sonia Pedreira, diretora da consultoria Odgers Bernd­t­­son, em Madri.

Com a elite dos fornecedores na retaguarda, Roig pode investir mais nos produtos de gama blanca, ou marca própria, justo no momento em que os clientes começavam a olhar para os preços com mais atenção. Em dois anos, a participação dessa linha no total das vendas da rede subiu de 30% para quase 40%.

Preocupado com a necessidade de reduzir custos, Roig fez seus executivos e fornecedores mergulharem nos detalhes. As embalagens dos salgadinhos foram reduzidas — sem afetar a quantidade do produto — só com a eliminação do excesso de ar que as inflava. Frutas e vegetais passaram a ser acondicionados de forma mais eficiente na hora do transporte para reduzir o número de bandejas e caixas.

Produtos hortigranjeiros foram substituídos por outros cultivados em áreas mais próximas dos centros de estocagem.
Com essas e outras medidas, a economia gerada desde 2009 chegou a 3 bilhões de dólares.

"Na Espanha, é o Mercadona quem tem estabelecido as tendências que depois são seguidas por boa parte do setor varejista", diz Miguel Blanco Callejo, professor de administração da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri.


Numa rede de supermercados de tamanho médio, todo esse processo não seria tarefa fácil. Na empresa que ocupa o 36o lugar no ranking dos maiores varejistas do mundo, a reformulação exigiu um rigoroso processo de gestão — na mesma lista, o Pão de Açúcar está na posição 75, e a Casas Bahia, na 131.

Apesar dos esforços, o Mercadona, uma empresa familiar, teve de cortar na própria carne. Os bônus da alta diretoria foram suspensos justamente no período de queda nos lucros. Em seu conjunto, a estratégia foi extremamente bem-sucedida — no ano passado, os lucros bateram todos os recordes da empresa e chegaram ao total de 573 milhões de dólares. 

Um setor de RH blindado

Mesmo nos momentos mais delicados, quando a ênfase maior nos produtos sem marca ainda era uma estratégia incerta, Roig não mexeu na remuneração da massa dos funcionários. Foi mantida a estrutura de bônus atrelados às vendas dos empregados que trabalham nas lojas — o que pode render de um a dois salários extras por ano.

A política de recursos humanos foi mantida intacta e continuou sendo um destaque mesmo na comparação internacional. No Mercadona, os funcionários recebem 20 vezes mais horas de treinamento do que a média dos americanos. A escala de trabalho é conhecida com um mês de antecedência, o que permite que todos possam se planejar, fator que ajuda na retenção da mão de obra.

Essas medidas fazem com que a média de vendas por funcionário do Mercadona seja 18% superior à dos outros supermercados espanhóis, fator determinante no kit de sobrevivência de Roig durante a crise.

Fundada em 1977 na cidade de Valência pelo pai de Juan, Francisco Roig, a empresa começou a decolar quatro anos depois — exatamente quando o filho mais talentoso assumiu o negócio. Antes da crise, seu maior desafio tinha sido na década de 90, quando redes estrangeiras compraram a maior parte dos grandes supermercados locais.


Nessa época, Roig ganhou fama como empresário competitivo em termos de preços e procurou se manter à frente da concorrência em termos de avanços tecnológicos — o Mercadona foi a primeira cadeia de supermercados da Espanha a adotar o código de barras. Desde 2001, manteve um ritmo de crescimento nas vendas de 15% ao ano.

Outras companhias espanholas estão conseguindo se sair bem na crise, mas a maior parte delas é de multinacionais, como o Santander e a Telefônica, apoiadas nas operações fora da Europa.

Entre as vitoriosas, as voltadas exclusivamente para o mercado interno, como o Mercadona, são uma raridade. Isso porque a crise espanhola é realmente dura. Até o fechamento desta edição, o acordo entre o FMI e a União Europeia, que reduziu as chances de uma moratória na Grécia, não havia debelado o contágio de outras economias enfraquecidas.

Os títulos do governo espanhol vêm sendo negociados com as taxas de juro mais altas desde 2000. Em maio, com as praças das principais cidades tomadas por jovens, o governo socialista registrou sua pior derrota nas eleições regionais desde a saída do ditador Francisco Franco, nos anos 70.

No anúncio de seu último resultado, Roig aproveitou para comparar a performance do Mercadona ao desempenho do país. Previu que o pior ainda está por vir. Sem cerimônias, diagnosticou que o maior problema da Espanha é a baixa produtividade, uma área que, segundo ele, o governo faz muito pouco para mudar.

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