Revista Exame

A conta ficou mais alta

Teremos de investir até 3% do PIB global — e não apenas 1% — para conter uma catástrofe ambiental, diz o economista Nicholas Stern

O britânico Stern: o Brasil ainda pode lucrar muito com energias limpas (Hannes Magerstaedt/Getty Images)

O britânico Stern: o Brasil ainda pode lucrar muito com energias limpas (Hannes Magerstaedt/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

O britânico Nicholas Stern não é um ambientalista de carteirinha. Não milita publicamente na causa há décadas, não faz apologia contra o consumo nem participa de campanhas contra a extinção de animais. Até 2006, Stern era apenas um técnico muito respeitado como ex-economista-chefe e vice-presidente sênior do Banco Mundial. Tudo mudou quando, em outubro daquele ano, uma análise feita por ele, sob encomenda do governo britânico, revelou com riqueza de detalhes — e de valores — o quanto as mudanças climáticas seriam prejudiciais à economia do planeta. Segundo o relatório, os prejuízos poderiam custar até 20% do PIB mundial. Foi o alarme necessário para que o problema ambiental, até então na mira apenas das ONGs e dos cientistas, ganhasse a atenção merecida do setor privado. Desde então, Stern é o economista cujo nome está mais associado ao aquecimento global. A pedido do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, ele hoje integra um grupo de especialistas que estudam como as transferências de dinheiro para adaptação às mudanças climáticas podem ocorrer dos países ricos para os emergentes. Aos 64 anos, ele também dá aulas na London School of Economics e viaja pelo mundo para se inteirar das políticas climáticas dos países e para contar o que sabe ao setor privado. No dia 10, a convite do varejista Walmart, ele estará no Brasil. Stern falou a EXAME sobre a movimentação dos países — uns mais rápidos, como a China, e outros menos, como os Estados Unidos — rumo à economia verde. E revisou o custo financeiro para evitarmos uma catástrofe ambiental: a estimativa de 1% do PIB mundial feita em 2006 está ultrapassada. A conta hoje deve ficar entre 2% e 3% de toda a riqueza gerada no planeta.

EXAME - Há quatro anos o senhor calculou que 1% do PIB global deveria ser investido até 2050 no combate ao aquecimento global de forma a evitar uma ruptura na atividade econômica. Esse cenário mudou?

Nicholas Stern - A ciência climática mostrou que os riscos são muito maiores do que tínhamos previsto e o ritmo dos efeitos muito mais rápido. Por isso, devemos cortar mais emissões do que sugeri na época, e isso deve exigir investimentos em torno de 2%, 3% do PIB.

EXAME - Aqui no Brasil há muitas críticas ao baixo comprometimento do governo com as energias renováveis. Quando menciona o Brasil, o senhor fala apenas sobre o combate ao desmatamento. Qual é a sua percepção do país?

Nicholas Stern - O Brasil está mostrando uma liderança admirável nas questões climáticas, e o presidente Lula foi um dos poucos que emergiram de Copenhague com algum crédito. O Brasil está conseguindo enfrentar o desafio de combater, ao mesmo tempo, o desmatamento e a pobreza, e isso servirá de exemplo para o mundo. O país já é líder em tecnologias de baixo carbono e continuará sendo.


EXAME - O senhor diz que o Brasil é líder nessas tecnologias, mas, enquanto a China lucra muito vendendo tur binas eólicas e painéis solares para o exterior, nós exportamos um volume desprezível de etanol. Isso vai mudar?

Nicholas Stern - O Brasil conquistou por enquanto poucos mercados internacionais para suas tecnologias, mas muito já foi feito no mercado interno. Nos anos que virão, isso vai se provar uma excelente plataforma para a exportação de tecnologias limpas, mas é preciso trabalhar para reduzir as tarifas que incidem sobre elas no mundo, inclusive sobre o etanol.

EXAME - Passaram-se sete meses desde o fracasso da grande reunião do clima organizada pela ONU, a Cop-15, em Copenhague, na Dinamarca. Qual é o cenário hoje?

Nicholas Stern - Ao final de Copenhague havia uma preocupação de que o acordo costurado nos últimos dias do encontro poderia ser muito frágil para ser levado adiante. Ele cobriu, porém, questões relevantes, como o limite de aumento de 2 graus centígrados na temperatura do planeta e uma meta de transferir recursos dos países ricos para os países em desenvolvimento da ordem de 100 bilhões de euros por ano até 2020. O secretáriogeral da ONU, Ban Ki-moon, também criou um conselho financeiro para recomendar como essa meta financeira deve ser alcançada. Sou um dos membros desse grupo e vamos reportar nossas atividades em outubro. A China acabou de anunciar que está considerando criar um sistema para “limitar e negociar” emissões (conhecido por cap and trade, em inglês), e a Índia vai colocar em prática um esquema de metas de eficiência energética para a indústria. Por outro lado, a legislação climática nos Estados Unidos parece estar em compasso de espera. Houve também uma enxurrada de ataques à ciên cia do aquecimento global. Eles tiveram pouca substância, mas levantaram dúvidas na cabeça de alguns. No balanço geral, há boa chance de conseguirmos avançar em dezembro na próxima reunião, em Cancún, no México, fortalecendo o acordo de Copenhague. Então, em Durban, na África do Sul, no final de 2011, teremos algo mais formal.

EXAME - O senhor enfatiza que é crucial para o planeta que a China atinja o pico de suas emissões por volta de 2020 ou antes disso. Também diz que o país trilhará um crescimento com menos emissões. Por que tanta confiança na China?

Nicholas Stern - Trabalho no país há 20 anos e posso dizer que o interesse deles se aprofundou enormemente nos últimos dois ou três anos. É claro que a China é muito vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas e também desempenha um papel enorme no que se refere às emissões que causam esses mesmos efeitos, mas o 12º plano quinquenal, que será divulgado nos próximos meses e que deve ser aprovado no início do próximo ano, com validade até 2015, terá um forte alvo na redução das emissões por unidade de produto.


EXAME - O senhor afirma que é preciso respeitar as dificuldades da China e que os ataques às decisões do país relacionadas ao clima minam os esforços daqueles que estão lutando internamente pela economia de baixo carbono. Por que isso?

Nicholas Stern - A China, como a Índia, o Brasil e outras nações emergentes, enxerga a história das emissões como muito desigual e tem na batalha contra a pobreza um tema central. Por isso, compreensivelmente, o país fica muito ofendido se outros com mais emissões no passado e no presente tentam dizer o que ele precisa fazer. A lógica que pode funcionar é a da colaboração.

EXAME - Agora que as reformas do sistema de saúde e do sistema financeiro foram aprovadas nos Estados Unidos, quais as chances de o país reformar sua legislação climática?

Nicholas Stern - Em princípio, isso deveria criar uma ótima oportunidade. A questão é que estamos nos aproximando das eleições legislativas, em novembro, e a relação conflituosa que se estabeleceu entre os políticos republicanos e os democratas nos últimos 18 meses está dificultando a construção de uma coalizão. Suspeito que outros países vão se movimentar mais rápido que os Estados Unidos. Com o passar do tempo, eles perceberão que estão ficando para trás e que correm o risco de ser excluídos de mercados que privilegiam tecnologias verdes.

EXAME - O desastre da BP no golfo do México não vai ajudar?

Nicholas Stern - O vazamento chamou a atenção para os custos do desenvolvimento calcado no petróleo e também deixou implícito que concessões na legislação climática, como a de expandir as perfurações de petróleo, não estarão mais na mesa.

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