Adalberto Bueno Netto, fundador e CEO do Grupo Bueno Netto: o executivo considera o Parque Global o maior projeto de sua carreira (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter de Invest
Publicado em 25 de julho de 2024 às 06h00.
Última atualização em 29 de julho de 2024 às 13h08.
Maior metrópole do Brasil, São Paulo há muito deixou de ser a terra da garoa para ser a terra do trânsito, onde um trajeto de poucos quilômetros pode durar um par de horas. Não à toa, a localização é o principal trunfo de um empreendimento: quanto mais próximo às áreas centrais e de interesse, melhor. Porém, mais do que morar no centro, alguns empreendimentos de alto padrão querem trazer a centralidade para dentro deles, criando condomínios que funcionam como pequenos bairros privados. No jargão imobiliário, eles são chamados de empreendimentos mistos ou multiúsos, com opções residenciais, comerciais, com shoppings e até hotelaria em um mesmo complexo. O objetivo é criar uma versão condominial do conceito europeu de cidade compacta: um local onde é possível fazer tudo a pé, com deslocamentos de 15 a 30 minutos.
O grande exemplo paulistano é o complexo Cidade Jardim, da JHSF. Localizado no Morumbi, ele inclui um shopping, nove torres residenciais e três prédios corporativos triple A — designação máxima do alto padrão. No entanto, não é o único. O Parque da Cidade, da EZTec, inclui um hotel JW Marriott em seu complexo na Chácara Santo Antônio, enquanto o Urman, que está sendo construído pela Porte, no Belenzinho, contará com centro de convenções e teatro — tudo dentro do condomínio.
Nenhum deles, porém, é mais superlativo do que o Parque Global, megaempreendimento da Benx, incorporadora do Grupo Bueno Netto, na Marginal Pinheiros, localizado entre as Pontes do Morumbi e João Dias, próximo ao Parque Burle Marx. São 218.000 metros quadrados de área — equivalente a 30 campos de futebol do tamanho do Maracanã.
A primeira fase conta com cinco torres residenciais de alto padrão, com apartamentos que vão de 142 a 597 metros quadrados. Duas delas já foram entregues aos moradores; a terceira chega aos proprietários neste mês de julho; a quarta, em dezembro; e a quinta, no início de 2025.
A segunda fase é o que a empresa chama de complexo de inovação, saúde e educação: cinco torres que incluem um novo centro de 40.000 metros quadrados de oncologia e hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein; um hotel da bandeira V3rso, nova marca do Grupo Emiliano; o PG Residences, futura torre residencial mais alta de São Paulo, com 173 metros de altura e unidades de 77 a 311 metros quadrados; e um centro de ensino que deve abrigar uma faculdade — ainda em fase de negociações.
A terceira e última fase é um shopping center com 63.000 metros quadrados de área locável que será administrado pela Allos, maior operadora de shoppings do país. Tudo deverá ficar pronto até 2027.
Sucesso de vendas, 95% da primeira fase do empreendimento já foi vendida, conquistando os clientes com o marketing da utopia paulistana: uma cidade onde os principais pontos de interesse estão a 10 minutos de caminhada. Sem perder o requinte de um condomínio de luxo, claro. Cada prédio do setor ocupa uma área equivalente a uma quadra. Nos espaços comuns, os moradores têm acesso às amenidades de um clube: 18.000 metros quadrados de área verde, piscina, academia, pilates, pista de boliche, bar de vinhos (com um piano que toca sozinho), salão de jogos, brinquedoteca, simulador de golfe, horta comunitária, pista de caminhada e quadras de futebol, tênis e poliesportiva (veja detalhes no vídeo).
O Parque Global é o maior projeto da carreira do incorporador Adalberto Bueno Netto, de 74 anos, que acompanhou a reportagem em um tour guiado pelo empreendimento. A holding que leva seu nome completa 50 anos em 2024, e passou quase a metade deles entre as idas e vindas do empreendimento da Benx, que demorou 21 anos para entregar as primeiras chaves. O atraso fez o empresário adiar a aposentadoria; neste ano ele deixa definitivamente a empresa nas mãos do filho Carlos Alberto, mas com uma exceção: o Parque Global. “Vou continuar aqui até o final do projeto”, conta à EXAME.
Bueno Netto foi um dos idealizadores e promotores do bairro da Vila Olímpia como parte do centro financeiro da cidade; sua empresa ganhou corpo justamente com o lançamento de prédios corporativos por lá com a remodelação do bairro nos anos 1990. O megacomplexo na Marginal Pinheiros, no entanto, foi o que fez a Benx, incorporadora do grupo, passar de um negócio médio para uma empresa grande. O empreendimento representa metade do portfólio da Benx, com um valor geral de vendas (VGV) de 14,2 bilhões de reais. A companhia fica em quinto lugar em VGV entre as incorporadoras de São Paulo no ranking de 2023 da consultoria imobiliária Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio), representando 3,83% do mercado paulista.
“A escala do Parque Global será muito, muito difícil de replicar. Estamos certos de que a abordagem de uma ‘cidade dentro da cidade’ é um fator-chave de diferenciação”, explica Jorge Pérez, fundador da americana Related, sócia do Bueno Netto no Parque Global. Conhecido como “rei dos condomínios” em Miami, Pérez tem um império de 26,9 bilhões de dólares em investimentos imobiliários nos Estados Unidos e na América Latina — o empreendimento brasileiro é o maior da empresa fora do país natal.
Não muito tempo atrás, a história era outra, e o que hoje é um negócio de sucesso parecia ser um tiro no pé. A Benx adquiriu o terreno em 2003, e demorou dez anos para conseguir as licenças necessárias para o lançamento. Foi um sucesso instantâneo: 320 unidades vendidas com um VGV de 600 milhões de reais. Um ano depois, o revés: a Justiça embargou a obra. O motivo era uma questão ambiental. O terreno na Marginal era da Eletropaulo, cedido para as operações “bota-fora” do Rio Pinheiros, quando os resíduos do rio são drenados para limpeza. Após 30 anos de contaminação do solo, era preciso garantir a segurança da área antes de ter ali qualquer empreendimento imobiliário. A Benx sugeriu cobrir o terreno com 172.000 metros cúbicos de terra, proposta que foi aceita pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e referendada em termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público (MP). O acordo acabou questionado pelo próprio MP, que sugeriu a retirada de 650.000 metros cúbicos de área poluída — imposição que, segundo a Benx, inviabilizaria o negócio. Houve ainda questionamentos sobre o impacto ambiental da obra na vizinhança, antiga área de várzea do Rio Pinheiros. Foram cinco anos com o projeto embargado antes que a Justiça decidisse a favor da incorporadora.
Apesar de vitoriosa, a empresa saiu machucada da disputa. Foram 300 milhões de reais em perdas por causa da paralisação — incluindo 200 milhões de reais já pagos, que foram devolvidos aos compradores, além dos investimentos com projeto, decorados e marketing. E, para somar, o intangível: o baque na reputação. “Quando corrigimos o valor pela inflação, prefiro nem fazer as contas. É algo que poderia quebrar uma empresa”, afirma Luciano Amaral, sócio e diretor-geral da incorporadora. Amaral participou do lançamento do complexo Cidade Jardim, da JHSF, e foi contratado pela Benx em 2012, com a missão de tirar o Parque Global do papel — o que precisou fazer duas vezes.
Depois do embargo na Justiça em 2014, os investidores americanos pressionaram pela venda do terreno. Os executivos da Benx precisaram convencê-los pessoalmente, em Miami, de que o empreendimento ainda era um bom negócio. O maior desafio, contudo, foi a credibilidade com os clientes. Houve um pré-lançamento exclusivo para quem já havia comprado e recebido o dinheiro de volta. Entre eles, 60 dos 320 decidiram acreditar novamente no Parque Global. “Este foi o único empreendimento no mundo que os clientes compraram duas vezes o mesmo apartamento. É surreal.” A retomada aconteceu entre o final de 2020 e o início de 2021, com o metro quadrado a 15.000 reais. De lá para cá, o preço dobrou: hoje os apartamentos não saem por menos de 30.000 reais o metro quadrado. Os valores variam entre 4 milhões e 18 milhões de reais. E, mesmo com o sucesso atual, o projeto ainda precisa entregar as fases seguintes para, finalmente, ser rentável.
A expectativa é que as cifras do Parque Global transbordem para a vizinhança, valorizando e aumentando os preços. “A região já está se desenvolvendo, e a tendência é que valorize ainda mais. Um empreendimento como este traz uma demanda grande de comércio e serviços que contribuem para o entorno”, avalia Ely Wertheim, presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis (Secovi-SP). Vale lembrar que a valorização da região sudoeste de São Paulo é estimulada pelo mercado imobiliário desde os anos 1990. Incorporadoras, construtoras e fundos de investimento imobiliário (FIIs) enxergaram maior potencial de exploração de terrenos e verticalização ao longo do Rio Pinheiros, e foram os responsáveis por deslocar o centro comercial e financeiro para o eixo Faria Lima, Berrini e Chucri Zaidan.
O apetite dos incorporadores normalmente vem acompanhado de um reforço de infraestrutura, tanto do poder público quanto da iniciativa privada. O Parque Global, por exemplo, vai entregar com seu empreendimento a ampliação de três novas pistas da Marginal Pinheiros em frente ao condomínio — uma contrapartida para o aumento no trânsito que o megaprojeto deve trazer à região. A Benx vai entregar, ainda, uma nova ponte de interligação da Marginal para carros e pedestres, além de uma conexão com a estação Granja Julieta, da CPTM, localizada na outra margem do Rio Pinheiros. Do lado do governo, a infraestrutura para a região inclui a futura estação Panamby da Linha 17 do metrô — um trecho de 30.000 metros quadrados foi desapropriado no meio do terreno da Benx, colocando a nova estação no centro do Parque Global. A incorporadora também é a responsável por 17 quilômetros de extensão do parque linear Bruno Covas, localizado em frente ao condomínio.
É um pacote urbanístico que muda uma região inteira. A crítica? Ele é para poucos. “A valorização do entorno acaba restringindo o espaço da cidade a um público específico. Benefícios como aproximação entre lazer, residência e trabalho, além da infraestrutura de transporte, acabam sendo exclusivos”, defende a urbanista Cristina Wehba, doutoranda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Wehba pesquisa os megaempreendimentos em São Paulo, e afirma que a lógica do condomínio é prejudicial para a cidade, inclusive na valorização que traz para suas regiões. “Aumenta a diferenciação de preço dentro dos espaços da cidade.” O cenário ideal seria que o poder público abraçasse a ideia de cidade compacta, garantindo o modelo para uma população diversa, de todas as faixas de renda.
Enquanto isso não é uma realidade, é função do mercado imobiliário pensar em soluções. A avaliação é de Rafael Birmann, um dos maiores nomes do setor no Brasil e responsável por edifícios icônicos da cidade, como o Birmann 32 (o prédio da baleia, na Faria Lima). “A nova fronteira do imobiliário é o urbanismo. Hoje, é preciso pensar além do prédio e entender como o projeto se integra com a sociedade, com a cidade. E isso só é possível quando se tem escala”, diz. Em tamanho, é difícil replicar o Parque Global — ainda mais em uma metrópole como São Paulo, onde terrenos grandes são itens raros. O modelo de “cidade dentro da cidade”, no entanto, tem tudo para continuar no radar do mercado.