Revista Exame

A cada minuto 7 pessoas perdem o emprego no Brasil

Entre 2015 e 2016, 2 milhões de pessoas vão engrossar a estatística do desemprego. Nunca num período de dois anos tantos brasileiros ficaram sem trabalho


	Moacir Macedo, engenheiro civil: com um filho de 1 ano e sem trabalho
 (Leandro Fonseca / EXAME)

Moacir Macedo, engenheiro civil: com um filho de 1 ano e sem trabalho (Leandro Fonseca / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 26 de novembro de 2015 às 09h41.

São Paulo - No plano pessoal, o desemprego pode ser devastador. Traz a incerteza para dentro de casa. Exige corte de gastos. Atinge toda a família. Coloca a poupança e o patrimônio em risco. E, não raro, corrói a autoestima.

Para a economia de um país, uma taxa de desemprego alta mantida por muito tempo também é devastadora. Aumenta a inadimplência, reduz o consumo, eleva a informalidade e joga a atividade econômica para baixo. Nos primeiros oito meses deste ano, cerca de 600 000 brasileiros foram demitidos.

Considerando as jornadas de trabalho em dias úteis de janeiro a agosto, chega-se à triste média de sete demissões por minuto. Como o cenário econômico não para de piorar, a estimativa é que esse ritmo aumente: 14 trabalhadores deverão ser demitidos por minuto entre setembro e dezembro. De qualquer ângulo, é um ritmo assustador.

O Brasil já teve períodos de demissões em massa no passado. A taxa anual de desocupação já foi até mais alta. Mas nunca vimos uma deterioração tão rápida no emprego. Em dezembro de 2014, o indicador de desemprego mensal nas seis maiores regiões metropolitanas do país era de 4,3%. Em agosto, o índice já estava em 7,6% e, se as projeções se confirmarem, chegará a 10,5% em dezembro.

Pelos cálculos da consultoria GO Associados, de São Paulo, 2 milhões de pessoas serão dispensadas entre o começo de 2015 e o fim de 2016. Na história brasileira, não há registro de tantas demissões em tão pouco tempo. Considerando que o mercado deveria incorporar algumas centenas de milhares de jovens a cada ano, o aumento total do desemprego no país pode alcançar 3,6 milhões de postos em apenas dois anos.

Todos os especialistas ouvidos por EXAME no último mês foram unânimes em dizer que um derretimento tão repentino é algo inédito. “O rápido aumento do desemprego é inusitado”, diz José Pastore, professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo e uma das maiores referências nessa área.

O setor industrial é até aqui o inglório campeão em número de dispensas. De janeiro a agosto, quase 275 000 vagas foram extintas. Usando os dados da produção industrial como parâmetro, as demissões devem acelerar. De janeiro a agosto, o setor produziu quase 7% menos do que no mesmo período do ano passado. Em agosto, a queda foi de 1,2% em relação a julho.

Ninguém sabe qual é o fundo do poço. Por mais de uma década, entre 2002 e 2014, houve um forte aumento do número de vagas no mercado formal. Nesse perío­do, a proporção de trabalhadores com carteira assinada subiu de 46% para 55%. A expectativa é que o país caminhe várias casas para trás.

A crise do emprego no Brasil não poderia ocorrer em pior hora. O país entra agora nos últimos anos de ascensão do chamado bônus demográfico, momento em que o número de pessoas em idade produtiva é muito maior do que a soma de crianças e idosos. Nos anos 50, havia um brasileiro apto a trabalhar para dois que estavam fora da força de trabalho — a maioria crianças.

Hoje, a população em idade ativa é 70% do total. Estima-se que até 2022 o Brasil atinja o pico do número de trabalhadores e comece uma trajetória inversa, por causa do aumento da proporção de idosos. Quando bem utilizado, esse período, que acontece uma única vez na história das nações, gera crescimento da economia e aumento da qualidade de vida da população.

“Uma taxa de desemprego elevada significa que o potencial de crescimento econômico gerado pelo bônus demográfico não será plenamente realizado”, diz David Bloom, professor de economia da Universidade Harvard e um dos maiores especialistas em demografia do mundo.

Juventude desempregada

Um relatório inédito dos economistas Monica de Bolle, do centro de estudos Peterson Institute, em Washington, e Pedro Simões, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, do Instituto Brasi­leiro de Geografia e Estatística (IBGE), consegue traduzir em números o que o Brasil está desperdiçando.

Em 2014, o fator demográfico deu um empurrão na economia equivalente a 0,9 ponto percentual do PIB, mas esse impulso foi completamente anulado pelos efeitos negativos do desemprego. Com o contínuo avanço da taxa de desocupação previsto para os próximos meses, esse processo vai se acentuar. “O Brasil está deixando de colher os frutos oferecidos por uma situação extremamente favorável”, diz o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, do IBGE.

Se os 8,6 milhões de brasileiros sem emprego hoje fossem distribuídos de forma homogênea por toda a população, 15% das famílias estariam sendo afetadas — ou um em cada sete domicílios no país. Mas, como sempre acontece, alguns grupos sofrem mais do que outros. A taxa costuma ser mais elevada para mulheres, pobres, negros e jovens. Entre os que têm de 18 a 24 anos, a taxa de desemprego está em 18% — em janeiro era de 12,9%.

Estudos internacionais mostram que um atraso de seis meses a um ano na entrada no mercado de trabalho impacta negativamente a renda futura de um jovem durante dez anos. Dada a gravidade do momento que o Brasil vive hoje, era de esperar que o governo reforçasse as políticas públicas voltadas para esses jovens sem trabalho. Na realidade, está ocorrendo justamente o contrário.

O Pronatec, programa federal de capacitação para emprego técnico, tinha como meta atingir 12 milhões de pessoas de 2015 a 2019, mas recentemente o número foi cortado para 6,3 milhões. Quem precisa de financiamento público para arcar com os custos de uma faculdade também encontra dificuldade. O Fundo de Financiamento Estudantil reduziu quase 50% o número de novos contratos assinados no primeiro semestre de 2015.

O país está pagando pelo conjunto de erros cometidos pelo governo nos últimos anos. Guiadas pela ideia equivocada de um Estado interventor na economia, as administrações do PT investiram no que não deveriam ter colocado um tostão, como na recriação de uma indústria naval ou na construção de estádios em cidades onde quase não há público de futebol.

Agora, com a pressão para colocar as contas do país em ordem, uma necessidade incontestável, falta dinheiro para fazer o que é uma obrigação do Estado. “Esta seria a hora exata para aumentar o investimento em qualificação da mão de obra”, diz Gustavo Gonzaga, professor de economia do trabalho da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Antes do atual momento de rápido aumento do desemprego, o Brasil viveu um período de calmaria que intrigava os economistas. Em 2014, a economia ficou estagnada, mas o índice de desocupação se manteve baixo. A média do ano foi de 4,8%, patamar de um país em pleno emprego e um fator que se provou decisivo para a reeleição de Dilma Rousseff.

Há pelo menos duas explicações para a resistência do emprego mesmo com a economia já em queda. A primeira é o fato de que muitas empresas estavam evitando demissões com a expectativa de que dias melhores viriam. No momento em que ficou claro quanto esse desejo era ilusório — a economia deve encolher cerca de 3% neste ano e outros 2% em 2016 —, os empregadores jogaram a toalha quase todos de uma vez.

A segunda explicação é que, até o ano passado, havia menos gente procurando emprego. Como a desocupação é medida pela quantidade de pessoas que querem uma vaga, o índice se mantinha baixo. À medida que os desligamentos aumentaram neste ano, houve um efeito multiplicador.

Como mais e mais trabalhadores passaram a perder seus postos, a mulher que antes ficava cuidando da casa e os filhos que só estudavam voltaram a correr atrás de uma vaga. Em uma mesma casa, é comum agora que três ou mais pessoas estejam em busca de trabalho, e não apenas o provedor que foi demitido. O aumento da inflação também tem dado sua contribuição.

Mesmo em lares em que o provedor continua empregado, a queda do poder de compra provocada pela alta dos preços está forçando mais gente a sair em busca de uma renda extra. A expectativa é que a força de trabalho aumente quase 2% em 2015 e mais 1,6% em 2016. “É um clássico quadro de recessão”, resume o economista Samuel Pessôa, pesquisador da Fundação Getulio Vargas.

Com essa virada no mercado, as relações entre empresas e trabalhadores também mudaram. Durante os anos de forte criação de vagas, a bola esteve do lado dos empregados. Hoje, ninguém em sã consciência ainda fala em aumentos reais de salário. Em julho, houve 1 192 negociações salariais entre sindicatos patronais e de empregados.

Desse total, metade não chegou a um acordo e foi parar na Justiça, segundo um levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. As categorias profissionais que selaram um acordo aceitaram um reajuste médio de 4,4% — bem abaixo da inflação de 9,5% nos últimos 12 meses. Hoje, a taxa de rotatividade nas empresas é a mais baixa desde 2006.

Após uma década em que a renda do trabalhador disparou — de 2003 a 2014 houve um acréscimo de 33%, descontada a inflação no período —, está em curso um retrocesso. De acordo com um estudo da consultoria Tendências, de São Paulo, a atual crise econômica fará a renda dos trabalhadores retroceder ao patamar de 2010.

As perdas salariais atingem até mesmo os altos cargos. Executivos que competem por vagas com remuneração de 300 000 a 400 000 reais por ano estão recebendo ofertas cerca de 10% mais baixas, segundo a consultoria em recursos humanos DMRH. “As empresas estão ajustando o topo da gestão ao novo tamanho dos negócios”, diz Luiz Valente, diretor-geral da Talenses, consultoria de recrutamento de executivos.

Trata-se de uma reversão completa na situação econômica. Até há pouco o problema não era a falta de vagas, mas de trabalhadores. Falava-se em “apagão de mão de obra”, um déficit de 8 milhões de profissionais. A categoria que melhor simbolizava esse fenômeno era a de engenheiros. A demanda por eles era frenética. Entre 2008 e 2012, quase 40 000 novas vagas foram criadas.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada estimava que 600 000 postos para engenheiros seriam gerados no período de 2014 a 2020. Com o assédio do mercado, os salários desses profissionais dispararam. Era uma época em que as empresas disputavam os funcionários dos concorrentes. Esses tempos ficaram para trás. Só no primeiro semestre cerca de 9 000 postos de engenheiros foram fechados.

Essa mudança é resultado da estagnação da construção civil. Nos últimos 12 meses, o estoque de vagas no setor caiu 11%. Calcula-se que meio milhão de postos de trabalho — de engenheiros a operários — deverão ser cortados até dezembro. O excesso de oferta de apartamentos novos paralisou o número de lançamentos nas grandes cidades.

A construtora PDG, com operação em 16 estados brasileiros, demitiu 900 pessoas desde o começo do ano. A Sanhidrel-Engekit, empresa paulista de engenharia que fornece instalação de sistemas hidráulicos e elétricos, já dispensou mais de uma centena de pessoas. Se a situação continuar piorando, poderá diminuir até 30% do quadro de funcionários. Trata-se de um ajuste de mercado entre demanda e oferta.

Victória Oliveira, estudante: sem o emprego de recepcionista, ela teve de trancar a faculdade (Leandro Fonseca / EXAME)

“Até onde vai?”

O que acontece em Pernambuco, o estado mais afetado pelo desemprego na região que proporcionalmente mais sofre, é de outra natureza. O escândalo de corrupção do petrolão tem deixado um rastro de desemprego no estado. Na região do porto de Suape, que movimenta a economia das cidades de Ipojuca, Jaboatão dos Guararapes e Cabo de Santo Agostinho, foram demitidas cerca de 40 000 pessoas desde o começo do ano.

Boa parte dos que perderam emprego trabalhava na construção da Refinaria Abreu e Lima, da Petrobras, cuja primeira fase das obras foi concluída no fim do ano passado. Devido às investigações das empreiteiras, o início da segunda fase do projeto foi paralisado. A previsão é que seja retomado apenas em 2018.

As obras da transposição do rio São Francisco e da ferrovia Transnordestina não chegaram a parar, mas tiveram forte redução de funcionários devido ao ajuste fiscal. “Estamos lidando com os efeitos em cascata de uma crise que não foi gerada em Pernambuco”, lamenta Ricardo Essinger, presidente da Federação das Indústrias de Pernambuco.

A pergunta que empresários, executivos, economistas, trabalhadores e desempregados têm feito é “quanto mais vai piorar?” Embora não exista um consenso, a expectativa mais aceita hoje é que em 2015 a taxa média de desemprego das seis regiões metropolitanas fique em torno de 7% e em 2016 chegue a 10%, o mesmo patamar de 2006.

Comparando com o que acontece em outros países, o índice de 10% — se parar mesmo por aí — não é uma catástrofe total. “A situação no Brasil ficou ruim, vai se intensificar, mas está longe da que muitos países europeus enfrentam neste momento”, diz Ekkehard Ernst, economista-chefe da Organização Mundial do Trabalho, com sede em Genebra.

O índice de desemprego na Grécia é de 25% e na Espanha é de 22%. “Pelo menos por enquanto, achamos que a taxa de desocupação no Brasil não deve chegar nem aos atuais 12% de Portugal”, diz o economista Rodrigo de Moura, pesquisador especializado em trabalho da FGV.

A premissa de todas essas previsões sobre o Brasil considera que, em algum momento, a crise política vai amainar e a equipe econômica vai parar de bater cabeça. A expectativa é que a economia volte a crescer alguma coisa em 2017 e que o mercado de trabalho comece a se reerguer.

Para quem perde o emprego, porém, não é exatamente um grande consolo saber que o Brasil não virou uma Grécia. E a verdade é que a situação por aqui deve piorar antes de melhorar. A economia em retrocesso vai empurrar o desemprego para cima e isso jogará a própria economia para baixo.

Nunca a sondagem realizada há dez anos pelo Instituto Brasileiro de Economia, da FGV, captou uma descrença tão grande entre os consumidores. Até agora, as taxas de inadimplência no comércio e nos bancos não tiveram grandes elevações. Os dados do Banco Central mostram que apenas 5,5% das carteiras de crédito destinadas a pessoas físicas estão com atraso superior a 90 dias.

Uma das explicações para isso é que boa parte dos demitidos em 2015 ainda conta com a ajuda do dinheiro das rescisões e do seguro-desemprego. Mas, à medida que a recessão e o desemprego avancem, é esperada a alta dos calotes, especialmente porque os preços administrados, como energia e combustíveis, estão subindo e mordendo uma parte cada vez maior do orçamento doméstico.

Um dos indicadores que deverão deixar essa tendência mais clara é o das contas dos celulares, quase sempre as primeiras a ser atrasadas em momentos de necessidade. Mas muitos dos que compraram uma moto, um carro ou um apartamento serão obrigados a vender o bem ou devolvê-lo aos bancos.

Caso a presidente Dilma estivesse realmente disposta a tornar o mercado de trabalho mais eficiente, o país estaria diante de uma ótima oportunidade de reformar a casa para quando o PIB voltasse a crescer. Por aqui, mesmo quando a economia sai de uma recessão, o desemprego demora a cair.

Isso acontece porque os custos trabalhistas são altos e os empresários locais retardam quanto podem as novas contratações. Um dos mais bem-sucedidos exemplos de rápida reversão do desemprego ocorreu na Alemanha na década passada.

Mais conhecido como plano Hartz, a reforma liberalizou regras, criou contratos temporários de até 30 horas semanais, permitiu as reduções salariais em todos os setores da economia e melhorou os serviços públicos que tentam fazer o casamento entre as empresas em busca de mão de obra e as pessoas que estão desempregadas. É creditada à reforma uma redução da taxa de desemprego alemã de 10% em 2005 para os 5% atuais.

Infelizmente, o governo brasileiro tem tido ideias bem menos ambiciosas. Em julho, lançou o Programa de Proteção ao Emprego, que prevê a redução da jornada de trabalho e do salário para evitar cortes. Recentemente, a montadora de caminhões Mercedes-Benz entrou no programa e cancelou a demissão de 1 500 funcionários de sua unidade em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo.

Os quase 10 000 funcionários da fábrica aceitaram uma diminuição de 20% da jornada com um corte de 20% do salário. Para compensar a perda salarial, o governo dá um subsídio de até 900 reais mensais por empregado. “O programa ajuda um pouco, mas nem de longe compensa a redução de produção, em torno de 50%”, diz Fernando Garcia, vice-presidente de recursos humanos da Mercedes-Benz.

Quando lançou o programa, o governo previu que 50 000 postos de trabalho seriam preservados. Até o começo de outubro, porém, apenas seis empresas tinham aderido e outras 11 aguardam a autorização do Ministério do Trabalho para fechar o acordo. Há duas grandes explicações para o baixo interesse do setor empresarial.

Muitas empresas estão avaliando que, como a crise deverá ser longa, não é possível se comprometer com a manutenção de empregos. Outras acham viável evitar as demissões, mas temem que o governo, por ter de fazer o ajuste fiscal, acabe não honrando sua parte no programa. Credibilidade, com certeza, não é o forte desta administração.

Para as cerca de 17 000 pessoas que perdem o emprego a cada semana, a melhor ideia que o governo teve até agora para combater o desemprego terá pouco ou nenhum efeito. Para elas resta somente cortar os gastos, acalmar a família, usar parte da poupança, caso ela exista, vender parte do patrimônio, se necessário, e cuidar para que o período sem trabalho não afete demais a autoestima.

Caso essas pessoas demorem a voltar ao mercado de trabalho, o drama familiar de cada uma delas poderá se transformar numa tragédia para o ­país. Quem fica muito tempo sem emprego corre o risco de se tornar obsoleto. Hoje, o desemprego é conjuntural. O Brasil precisa fazer tudo para que não se torne estrutural.

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