Um Brasil obscuro: denúncias de corrupção envolvendo servidores e políticos do governo e da oposição agitam diariamente a crônica política — e a policial (Polícia Federal/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 19 de agosto de 2011 às 09h22.
São Paulo - as imagens de maços de dinheiro público sendo escondidos por servidores em caixas de papelão, meias e cuecas, os flagrantes de lobistas usando salas de ministérios e as conversas telefônicas que explicitam maracutaias são os sinais mais debochados e patéticos de um problema que parece ter se transformado em epidemia no Brasil.
Nos últimos três meses, a presidente Dilma Rousseff se debate com uma sucessão de escândalos envolvendo membros do governo e de sua base aliada — incluindo os dois principais partidos de sustentação, o PT e o PMDB.
Nesse curto período de tempo, dois ministros caíram, Antônio Palocci, ex-Casa Civil, e Alfredo Nascimento, ex-Transportes, que levou consigo dezenas de funcionários do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Há alguns dias, Frederico Silva da Costa, secretário executivo de Turismo, foi preso pela Polícia Federal com mais 34 suspeitos de repassar verbas a ONGs fantasmas. Apesar de ninguém saber o que cresceu mais — se as falcatruas ou as denúncias sobre elas —, a sensação é que nunca se roubou tanto.
Num país com enormes carências — que vão do saneamento básico ao transporte coletivo, das escolas e hospitais aos aeroportos, portos e estradas —, o desvio de dinheiro público para a corrupção é a mais deplorável e abjeta praga que enfrentamos.
É bom lembrar: o dinheiro da corrupção é fruto de uma das mais vorazes cargas tributárias do mundo, capaz de engolir cerca de 40% de tudo o que é produzido.
Cada centavo de imposto desviado é prejuízo para o contribuinte tanto pelo que ele deixa de receber em forma de serviços quanto pelo impacto que tem sobre o crescimento da economia. “A corrupção está na raiz do atraso brasileiro”, diz Marcos Fernandes da Silva, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
Criação de dificuldades
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) produziu um estudo que calcula os custos econômicos da corrupção. “Numa estimativa conservadora, as perdas representam cerca de 1,4% do PIB a cada ano”, diz Renato Corona Fernandes, coordenador do estudo.
“Na hipótese mais extrema, o prejuízo chega a 2,3% do PIB.” Em relação ao produto interno bruto de 2010, isso significa que, no mínimo, 51 bilhões de reais foram engolidos pela bandalheira. A quantia é superior à que o governo investe anualmente em infraestrutura. A pedido de EXAME, a Fiesp calculou o que teria sido possível fazer com o dinheiro desviado.
Se o montante fosse inteiramente aplicado na área da habitação, a população de baixa renda contaria com 918 000 casas nos critérios do programa Minha Casa, Minha Vida 2. Seria o suficiente para cumprir quase metade da meta da fase atual do programa, que prevê a entrega de 2 milhões de moradias.
Se o investimento fosse em saneamento, permitiria ligar à rede de esgoto 16 milhões de residências, reduzindo 60% do déficit no setor. O dramático é que a corrupção não se limita a ceifar recursos.
“Ela também encarece as obras que saem do papel”, diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp. “Uma das modalidades da corrupção é criar dificuldades que atrasam o andamento dos projetos, impondo custos extras, e ainda cobrar por fora para retirar os entraves.”
O estudo tomou como base a pesquisa da Transparência Internacional, entidade que mede a percepção da corrupção em 178 países. O levantamento atribui notas numa escala de 1 a 10 — quanto maior é a percepção de corrupção, mais baixa a nota. De 2009 para 2010, a posição do Brasil até melhorou — passou do 75o para o 69º lugar no ranking.
Mas está atrás de países como os africanos Namíbia (56º) e Ruanda (66º). E a nota brasileira não mudou. Permanece igual à de Cuba: 3,7. No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a nota caiu de 4 para os atuais 3,7.
E não há sinal de que o país vá retomar sua nota mais alta, os 4,1 alcançados em 1999. “Todos os diagnósticos indicam que a corrupção se tornou crônica no Brasil”, diz o economista Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas. “Apenas um esforço nacional, que persista ao longo de anos, poderá combatê-la de fato.”