Murilo Ferreira, presidente da Vale (André Valentim/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 12 de maio de 2011 às 10h17.
Prezados(as),
Após mais de 15 meses de muitos esforços e bons resultados, estarei me desligando da Studio Investimentos em breve.
Segue abaixo comunicado que está sendo feito pela Gestora aos nossos clientes e amigos.
Abraços,
Murilo P. de O. Ferreira
A mensagem acima foi enviada em 14 de fevereiro deste ano. Nela, o executivo Murilo Pinto de Oliveira Ferreira comunicava a cerca de 200 clientes e amigos sua saída da gestora de recursos Studio Investimentos, fundada por ele e por mais seis sócios em 2009.
Exatamente 48 dias depois, em 4 de abril, Ferreira, um profissional respeitado no mundo da mineração, mas desconhecido fora dele, seria anunciado como o novo presidente da Vale, maior empresa privada brasileira e segunda maior mineradora do mundo. Sua indicação foi uma surpresa. Seu nome jamais figurou nas muitas listas de candidatos formuladas desde que a fritura de Roger Agnelli se tornou um assunto público. Por que Murilo Ferreira foi o escolhido?
Eis uma pergunta que nem mesmo ele responde enfaticamente. A pessoas próximas, Ferreira garantiu que, na época em que sua mensagem de despedida da Studio foi enviada, ele nem sequer sonhava em voltar à Vale, empresa da qual saiu em 2008, após uma série de desentendimentos com Agnelli.
A decisão de se afastar do mercado financeiro teria sido motivada por recentes sondagens de headhunters. Desde fevereiro, ele teria participado de dois processos seletivos. Na terceira semana de março, Ferreira e a mulher, Fernanda — com quem é casado há 25 anos —, passaram três dias em Nova York.
No período, ele cumpriu uma intensa agenda de entrevistas de trabalho. Teria voltado ao país com a proposta de presidir uma mineradora na Ásia, mas declinou por não querer se afastar da filha, de 19 anos, que faz faculdade no Rio de Janeiro. Na mesma época, Ferreira teria sido convidado a presidir uma holding em São Paulo. Aceitou.
O contrato de trabalho seria assinado às 15 horas de 4 de abril. A viagem do Rio para São Paulo, porém, foi cancelada na manhã do dia 4 depois de um telefonema de Ricardo Flores, presidente do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a Previ, e da Valepar, holding controladora da Vale.
Ele era o escolhido para o lugar de Agnelli, provavelmente o maior executivo brasileiro deste início de século. Encerrava-se ali o mais turbulento e midiático processo de sucessão empresarial do país.
É muito provável que sua escolha, ainda mais envolta em perguntas do que em respostas, tenha a ver mais com as diferenças do que com as similaridades com seu antecessor. Tal como Agnelli, Murilo Ferreira não é político e não tem ligações partidárias. É um técnico. Diferente de seu antecessor, ele estaria sempre disposto a ouvir — e a negociar.
Aparentemente, era o que o maior acionista da Vale — o governo — queria neste momento: alguém que ouvisse suas demandas. A partir de 22 de maio, Ferreira, um mineiro de 57 anos, comandará uma companhia com 119 000 funcionários espalhados por 38 países, dona de Carajás, a maior mina de minério de ferro do mundo, operadora de portos, ferrovias e usinas de eletricidade.
Juntos, os negócios da Vale geraram uma receita de 46,5 bilhões de dólares e um lucro de 17 bilhões de dólares no ano passado. Com ações negociadas em quatro grandes bolsas — São Paulo, Nova York, Hong Kong e Paris —, a companhia tem mais de 4 milhões de investidores espalhados pelo mundo.
São esses acionistas — grandes fundos, pequenos poupadores, trabalhadores e aposentados — que, a partir de agora, estão atentos aos passos e às decisões de Murilo Ferreira.
Independência
Ele se torna um personagem crucial do capitalismo brasileiro. Não apenas pelas dimensões da empresa que estará em suas mãos. Não apenas pelo excepcional momento das commodities no mundo. Mas também, e talvez sobretudo, pelas circunstâncias em que assume o cargo.
O processo de substituição de Agnelli, uma decisão do governo, dono de quase 61% da holding controladora através do BNDES e de fundos de pensão, como Previ e Funcef, deixou um rastro de dúvidas.
A Vale será administrada segundo os padrões e os interesses de uma companhia privada (o que de fato é) ou servirá aos projetos do governo da hora? A quem servirá Murilo Ferreira? E quais as consequências de sua escolha para a empresa e seus milhões de acionistas?
Qualquer executivo ambicioso gostaria de estar agora em seu lugar. Para costurar a teia de interesses públicos e privados que envolve a Vale, Ferreira receberá, entre salários e bônus, cerca de 15 milhões de reais ao ano, além de benefícios que incluem um jato e um helicóptero à sua disposição, e seguranças para ele e sua família.
Presidir uma empresa como a Vale seria também o ápice da trajetória profissional de boa parte dos altos executivos não só do Brasil mas do mundo. Ao longo de seus 34 anos de carreira, Murilo Ferreira nunca esteve próximo de algo tão gigantesco.
Sua trajetória resume-se a cinco empregos — uma informação desconhecida até mesmo do headhunter Arthur Vasconcellos, da CT Partners, contratado às pressas e que, em quatro dias, conduziu o processo de escolha do nome do novo presidente da Vale. (Em entrevista a EXAME, Vasconcellos afirmou que a mineradora havia sido a única empregadora de Ferreira até 2008.)
A primeira passagem de Ferreira pela Vale durou cerca de um ano. Ele ingressou na companhia em 1977, como trainee, na área de finanças, aos 23 anos. Acabara de se formar em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Nascido em Uberaba, Murilo Ferreira se mudou para a capital paulista aos 14 anos, junto com o irmão dois anos mais velho, para estudar no tradicional Colégio Bandeirantes.
Na época, os dois moravam num apartamento pequeno na região de Pinheiros, na zona oeste da cidade, e faziam as refeições do dia numa pensão próxima. Ferreira costuma referir-se aos pais com orgulho. A mãe formou-se em odontologia em 1950, um feito raro para as mulheres da época.
O pai, médico, foi considerado um dos maiores pesquisadores brasileiros da doença de Chagas. Dos pais, Ferreira herdou a religiosidade. Católico, costuma ir à missa uma vez por semana e cultiva uma amizade próxima com o padre franciscano da paróquia que frequenta, perto do apartamento onde mora, no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro.
A mulher, Fernanda, é uma presença forte em sua vida. Foi ela, por exemplo, que passou a atender o celular de Ferreira e direcionar as ligações após sua indicação à presidência da Vale.
Após o início na Vale, Ferreira passou dois anos na Caraíba Metais e depois trabalhou na Consual, uma sociedade entre empresas japonesas, governo do Japão e Vale, que pretendia construir uma fábrica de alumínio e outra de alumina no Pará. Ele costuma dizer que foi nessa fase que recebeu suas maiores lições de negociações graças à convivência com os sócios japoneses do projeto.
Os dez anos seguintes foram dedicados à consultoria, principalmente para mineradoras. Por causa de um desses trabalhos, em 1998 Ferreira foi convidado a voltar à Vale. A empresa acabara de ser privatizada e ele foi contratado, como consultor, pelo então presidente da divisão de alumínio e participações da companhia, Luiz Paulo Marinho Nunes.
Dez dias depois de assinar o contrato de consultoria, recebeu o convite para dirigir a Aluvale, holding de alumínio da Vale, formada por Albras, Alunorte e Paragominas. “Fiquei muito impressionado com o conhecimento que ele tinha do setor e com a visão estratégica apuradíssima, duas coisas que eu precisava naquele momento para reestruturar um setor que vinha dando prejuízos”, afirma Nunes.
Em um ano, Ferreira fechou a venda de 25% de participação da Alunorte para a norueguesa Norsk Hydro, por 200 milhões de dólares. Numa época em que os ativos de alumínio eram vistos como um mico no mercado, o preço conseguido foi considerado uma vitória. “O Murilo tem paciência nipônica para alcançar suas metas mesmo em negociações dificílimas”, afirma Nunes. Em cinco anos, a divisão de alumínio se tornou superavitária.
Incômodo
Mas foi em 2004, já na era Agnelli, que Ferreira ganhou visibilidade internacional. Promovido a diretor executivo da Vale, ele se tornou responsável pelas áreas de participações (que incluíam carvão, siderurgia, energia), novos negócios e fusões e aquisições. Foi nessa época que conheceu a então ministra de Minas e Energia do governo Lula, Dilma Rousseff.
Os dois se reuniram cerca de meia dúzia de vezes para discutir o novo modelo de compra de energia por meio de leilões. Os contatos teriam cessado depois de Dilma assumir a Casa Civil. Em 2006, Ferreira realizaria a operação de compra da canadense Inco por mais de 17 bilhões de dólares, o maior negócio internacional já feito por uma empresa brasileira.
Com a incorporação, a Vale passou de quarta para segunda maior mineradora do planeta — atrás da australiana BHP Billiton. Em janeiro de 2007, Ferreira mudou-se para Toronto, no Canadá, para assumir o comando da Vale Inco.
Foi à frente da subsidiária no Canadá que Murilo Ferreira encontrou o maior desafio de sua carreira. Ele e outros 69 executivos brasileiros enfrentaram um cenário de derrota e desconfiança ao chegar a Toronto. Os funcionários da centenária Inco permaneciam sob o efeito da quebra de expectativa de que seriam eles os compradores — e não os comprados.
Os brasileiros também encontraram uma cultura perdulária, que tinham como missão transformar. A sede da Inco acabara de ser transferida para o Royal Bank Plaza, um condomínio cujas janelas são revestidas com uma fina camada de ouro. “Tenho trabalhado até nos fins de semana para circular por todas as operações e conhecer as pessoas”, disse Ferreira na época a EXAME.
Ferreira não conseguiu impedir que o Royal Bank Plaza fosse ocupado pela sede da Inco, mas impediu, por exemplo, que um andar inteiro do prédio fosse alugado apenas para abrigar salas de reuniões. Ferreira esperou mais de um ano para fazer uma alteração simbólica: colocar toda a diretoria numa única sala, sem divisórias, como acontece na sede da Vale, no Rio de Janeiro.
Boa parte dos ganhos em potencial com a Inco estava na diminuição dos custos das minas, que operavam como pequenas empresas com independência total — inclusive para negociar acordos trabalhistas com sindicatos. A sobreposição de setores e funcionários era enorme, mas um acordo fechado na ocasião da compra da mineradora canadense impedia demissões durante três anos.
O problema foi que Agnelli começou a pressionar para que Ferreira conseguisse reverter o acordo e desse início às demissões. “A demora em executar a reestruturação incomodou a matriz”, afirma um executivo próximo à Vale.
O incômodo aumentou com o estouro da crise financeira mundial em 2008. A queda nos preços do níquel e do cobre fez com que o lucro da Vale com esses negócios (quase todos concentrados na Inco) caísse de 7,5 bilhões de reais em 2007 para apenas 500 milhões de reais no ano seguinte.
Com um plano de reestruturação para todas as operações do mundo nas mãos, Agnelli aumentou a pressão para que os executivos da Inco acelerassem a velocidade das mudanças. No projeto encomendado por Agnelli, havia a previsão do corte de 900 dos cerca de 10 000 funcionários da Inco em todo o mundo — boa parte deles nos escritórios da matriz e das minas.
Ferreira não concordou em fazer as demissões. Segundo relatou a amigos próximos, não via meios de quebrar o acordo com o sindicato, que vigoraria até outubro de 2009. Em dezembro de 2008, Ferreira viajou de Toronto para o Rio de Janeiro para discutir a questão. Na matriz, teve uma reunião duríssima com a executiva Carla Grasso, vice-presidente de recursos humanos e uma das mais fiéis aliadas de Agnelli, que, segundo executivos próximos, pressionou Ferreira para que as demissões fossem feitas o mais rápido possível. (Até hoje, entre conhecidos, ele não pronuncia o nome de Carla Grasso. Só se refere a ela como “aquela senhora”.)
Na volta, já em Toronto, passou mal e foi parar no hospital. Na época, correu a notícia de que Ferreira havia sofrido um “princípio de infarto”. A pessoas próximas, ele trata o boato com ironia. “Não existe meio infarto, assim como não existe meia gravidez”, diz. Seus problemas de saúde foram decorrência de uma crise de estresse.
Àquela altura, a relação dele com Carla — e com Agnelli — era insustentável, e ele pediu demissão. Em janeiro de 2009, a matriz despachou Tito Martins para substituí-lo na Vale Inco. Ferreira deixaria a Vale para criar, com outros ex-executivos da empresa, a Studio Investimentos.
A diferença entre os estilos de Ferreira e Martins tornou-se rapidamente perceptível. Assim que chegou ao Canadá, Martins enfrentou o sindicato local ao dar início a um plano de demissões e alterações nos contratos de trabalho. A unidade mais afetada foi a maior companhia, localizada em Sudbury, no norte do Canadá, com 300 profissionais demitidos em fevereiro de 2009, equivalente a 10% do quadro de pessoal.
A resposta foi uma greve que durou um ano e meio — a mais longa da história da companhia. “Com Murilo tínhamos um diálogo aberto e franco, e não houve quebra dos contratos de longo prazo que tínhamos assinado com a companhia”, disse a EXAME Wayne Fraser, diretor do sindicato da região de Ontário, onde está boa parte das operações canadenses da Inco. “Depois, as decisões se tornaram unilaterais e radicais.”
A notícia da ascensão de Ferreira ao comando da Vale foi comemorada pelos canadenses. “Esperamos que essa mudança resulte na melhoria do diálogo daqui para a frente”, diz Fraser. “Queremos que chutem o atual presidente para fora daqui.”
A habilidade de Ferreira em equilibrar interesses diferentes — e muitas vezes conflitantes — será colocada à prova assim que assumir o comando da Vale. “Ficamos aliviados com a escolha dele por ser um profissional qualificado, mas o que importa mesmo é saber quão independente do governo ele será”, diz o diretor de um banco americano que acompanha as ações da empresa.
A tarefa não será fácil, sobretudo porque o governo declara abertamente sua vontade de interferir nos rumos da companhia. “Queremos pactuar com a Vale uma governança que leve em conta não apenas seus interesses como empresa privada mas também o interesse nacional, pois essas duas esferas não são incompatíveis”, disse a EXAME o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel.
Um dos primeiros conflitos que Ferreira irá enfrentar se refere a possíveis investimentos da Vale em siderurgia — um antigo projeto do governo, refutado por Agnelli enquanto isso foi possível. “Faz sentido a Vale entrar como acionista em usinas siderúrgicas para induzir o crescimento do setor e vender mais minério, mas só como minoritária”, afirmou Agnelli em entrevista recente a EXAME. “Caso contrário, nos tornaremos concorrentes de nossos clientes.”
Fora o problema da concorrência, a entrada mais pesada da Vale nesse setor exigiria investimentos altíssimos, que poderiam comprometer sua rentabilidade, uma ideia que não agrada aos investidores comuns e ao setor financeiro. “Nossa preocupação é que o governo brasileiro continue tentando induzir a Vale a investir em setores como o de aço e em hidrelétricas, que darão pouco retorno à companhia”, afirma Jonathan Brandt, analista do banco HSBC em Nova York.
Outra pendenga delicada é a conta de 4 bilhões de reais que o governo espera que a Vale pare de contestar na Justiça. O valor seria devido pela Vale aos municípios onde a empresa extrai minério, aos estados e à União na forma de uma contribuição conhecida como “royalty do minério”.
As divergências entre a Vale e o governo em relação ao cálculo do tributo se arrastam há duas décadas e teriam sido a gota d’água para que o governo acelerasse a troca de comando na Vale.
No dia 14 de março, Roger Agnelli enviou à presidente Dilma Rousseff uma carta de três páginas — a que EXAME teve acesso — em que contestava a dívida e reclamava que, em 2010, a Vale recolheu 12,4 bilhões de reais em impostos, “em níveis muito superiores a seus concorrentes [internacionais], proporcionalmente a suas receitas”.
No texto, Agnelli também sugeria a contratação de uma auditoria para analisar os valores arbitrados. “A presidente ficou furiosa com a carta”, diz um assessor do Planalto.
Ferreira terá, ainda, de enfrentar as inevitáveis comparações com seu antecessor, Roger Agnelli, o executivo que tornou a ex-estatal modorrenta na segunda maior mineradora do mundo. Para o bem e para o mal, até agora Ferreira vem sido definido como a antítese de seu antecessor.
Carismático e mercurial, Agnelli é conhecido pela habilidade em forjar inimizades na mesma proporção em que é capaz de produzir admiradores. Pessoas que já trabalharam com Ferreira o descrevem como um executivo discreto, reservado, de comportamento grupal. Ao ser informado do nome de seu sucessor, Agnelli teria lamentado a escolha.
Mas isso agora importa pouco. Murilo Ferreira será julgado pelo conselho, pelo governo, pela imprensa, por seus subordinados. Mas, enquanto a Vale for uma empresa privada, nenhum julgamento será tão importante e tão decisivo quanto aquele emitido pelos mais de 4 milhões de acionistas da companhia. E, no final das contas, ele dependerá essencialmente da capacidade do novo presidente de entregar resultados.