Revista Exame

Alguns sócios do Aché acham pouco R$ 11 bi pelo laboratório

O Aché tem na mesa a maior oferta já feita a um laboratório brasileiro. Mas os donos consideram o valor baixo — e o processo de venda está dando origem a um racha entre eles

Fábrica do Aché em Guarulhos: dividendos somaram quase 1 bilhão de reais em quatro anos (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

Fábrica do Aché em Guarulhos: dividendos somaram quase 1 bilhão de reais em quatro anos (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 23 de março de 2013 às 09h27.

São Paulo - As relações entre sócios costumam ser previsíveis. Quando tudo vai bem e sobra dinheiro, eles se adoram. Mas, quando os negócios vão mal, as desavenças aparecem. As três famílias sócias do laboratório paulista Aché — Baptista, Siaulys e Depieri — estão lutando contra essa lógica. Os negócios nunca estiveram tão bem. Dados inéditos obtidos por EXAME revelam que o Aché se tornou em 2012 o maior laboratório do país em receita líquida.

Os dividendos recebidos pelos acionistas chegaram a 375 milhões de reais no ano anterior. Era, portanto, para estar tudo bem. Mas não está. Para tornar o paradoxo ainda mais curioso, o estopim da atual crise entre os sócios é uma proposta de 11 bilhões de reais pelo laboratório.

Em fevereiro, grupos estrangeiros ofereceram essa quantia pelo Aché, que havia procurado interessados numa eventual aquisição. Seria a maior transação da história do setor farmacêutico no Brasil: cada um dos 11 descendentes diretos dos três fundadores embolsaria cerca de 1 bilhão de reais.

Em vez de causar alegria, esses bilhões todos estão causando a cizânia. Um lado acha que o dinheiro é pouco. Outro grupo acha que pode cobrir a oferta e comprar a participação dos sócios. Pode ser a senha para repetir uma guerra societária em banho-maria desde 2003. Com 11 bilhões na mesa, tudo voltou à tona. 

Fundado em 1965 por três executivos do setor, o Aché viveu em harmonia até a virada do século. Foi quando a companhia quase rachou numa briga entre os fundadores, que incluiu acusações de falsificação de atas de assembleia e queixas na polícia. Na última década, com uma gestão tocada por profissionais e um acordo pelo qual decisões estratégicas deviam ser tomadas por consenso, uma relativa paz vigorou.

Foi assim que o Aché cresceu, mantendo-se em segmentos rentáveis, como medicamentos de marca, e evitando a disputa de preços dos genéricos. Virou o laboratório que mais faturou no país, segundo o ranking da consultoria IMS Health. No fim do ano passado, os sócios decidiram aproveitar o excelente momento para buscar uma proposta para a venda da empresa.

Contrataram a Signatura Lazard, empresa especializada na assessoria em fusões, para sondar os maiores laboratórios do mundo. Mas logo ficou claro que os três sócios tinham interesses divergentes.

Os Baptista e os Siaulys eram os mais interessados na venda. O clã Depieri logo começou a articular um movimento para exercer seu direito de preferência. Funcionaria assim: caso as outras famílias aceitassem uma proposta estrangeira, os Depieri poderiam comprar suas participações pagando o mesmo preço.

Para levantar dinheiro, a família aliou-se ao banco BTG Pactual e a João Alves de Queiroz Filho, controlador da empresa de bens de consumo Hypermarcas. A ideia era unir as duas empresas, de preferência com o apoio do ­BNDES. Foi aí que o processo de venda começou a micar — levando a relação entre os sócios junto.


As notícias de que o governo ajudaria os Depieri a exercer seu direito de preferência tiraram o ânimo de multinacionais como a britânica GlaxoSmithKline — que não fez proposta pelo Aché porque não quis ser usada, nas palavras de seus executivos, como “peixe-piloto”, aquele que leva o tubarão à sua vítima. Ou seja, a preocupação era que sua proposta só serviria para definir um preço para que os Depieri e seus novos sócios arrematassem o negócio.

Com menos competição entre os grandes laboratórios, as propostas iniciais vieram na casa dos 11 bilhões de reais, quando a expectativa dos vendedores era obter propostas de pelo menos 15 bilhões. Assim, segundo executivos próximos aos acionistas do Aché, o processo de venda está prestes a ser enterrado.

Enquanto a venda do Aché emperrava, a empresa sofria os primeiros efeitos da briga de sócios. O presidente do laboratório, José Ricardo Mendes da Silva, deixou a empresa. À frente do Aché desde 2006, Mendes da Silva foi um dos responsáveis pelos anos de ouro do laboratório. Segundo executivos próximos à empresa, os Baptista e os Siaulys julgaram que Mendes da Silva estava alinhado aos Depieri para presidir a empresa resultante da fusão entre Aché e Hypermarcas. Desde sua saída, a empresa é administrada por um comitê formado por três diretores.

A queda do presidente é o mais forte indício do que será o dia a dia do Aché caso a empresa não seja mesmo vendida. No dia seguinte, os sócios serão de novo forçados a conviver, traçar planos, decidir investimentos, remar para o mesmo lado. “Nos próximos cinco anos, o mercado brasileiro de medicamentos deve crescer 10% ao ano. A disputa vai ser muito mais acirrada”, afirma Sydney Clark, vice-presidente da consultoria IMS Health. Portanto, quem quiser crescer nesse cenário terá de investir.

Em 2011, o Aché distribuiu a seus acionistas 98,5% do lucro em dividendos. Quando chegará a hora de voltar a aplicar na empresa? São decisões duras — e um racha no bloco de controle não ajuda em nada a tornar esse processo decisório mais eficiente. Aliados dos clãs Baptista e Siaulys especulam que os dois poderiam se unir e tratar os Depieri como minoritários.

É algo que vai contra o espírito do acordo de acionistas, aquele que prevê as decisões por consenso. Mas o fato de essa atitude ser cogitada mostra como o processo de venda deixou arestas na relação entre os sócios.

Sem volta 

Curiosamente, há quem aposte no quanto pior, melhor, para que surja uma solução definitiva para o Aché. Segundo executivos próximos à empresa, o processo de venda não tem volta — e, dado que os Baptista e os Siaulys já deixaram claro que querem vender, tudo passa a ser uma discussão sobre o preço que os Depieri pagarão para comprar a participação dos sócios.

Quanto mais tempo demorar para sair um acordo, dizem esses executivos, pior será para todos os acionistas, já que uma paralisia decisória no Aché depreciaria a empresa — e diminuiria, assim, o patrimônio de todos os sócios.

Caso, como tudo indica, as negociações com os laboratórios estrangeiros realmente fracassem, o Aché entrará num período de incerteza ainda maior. Nenhum dos acionistas precisa vender sua participação. Os Baptista controlam um império imobiliário. Os Siaulys são donos da rede Unique de hotéis.

Cada um dos clãs recebeu quase 250 milhões de reais em dividendos nos últimos quatro anos. É por isso, afinal, que a expectativa de preço dos vendedores era tão alta. Caso os Depieri não façam uma proposta matadora, próxima dos 15 bilhões desejados por seus sócios, o impasse continuará. Os três controladores do Aché estão amarrados numa máquina de ganhar dinheiro. Em qualquer outra empresa, isso seria motivo de alegria. O Aché, está ficando claro, não é uma empresa qualquer.

Acompanhe tudo sobre:AchéEdição 1037EmpresasFarmáciasFusões e AquisiçõesIndústria farmacêuticaSetor de saúdeSóciosVendas

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon