Fora da curva
Anaheim, Estados Unidos* - Existe um universo único que acontece a cada dois anos em Anaheim (Califórnia, EUA) e que traz consigo dois olhares bem distintos. A chamada D23, evento feito pela Disney para fãs da companhia, pode ser vista como um espaço “mágico” no qual milhares de pessoas vestem seus cosplays e aparecem na convenção trajados como seus personagens favoritos, se reúnem em um centro de convenções imenso e recheado de ativações temáticas de séries e filmes populares, lojas com produtos exclusivos, robôs e tecnologias cinematográficas de última geração, painéis com celebridades que exploram os bastidores e as curiosidades das produções da companhia. E ela também pode ser vista, especialmente aos olhos dos investidores e do mercado, como uma previsão de como a empresa se portará nos próximos anos.
Os resultados financeiros da Disney no segundo semestre de 2024 têm sido um alívio dentro de um extenso plano de recuperação da empresa. Depois de apresentar um resultado fraco no ano anterior, que fechou com prejuízo de US$ 460 milhões, a companhia vem mostrando um crescimento considerável de seus negócios mais recentes — o streaming entre eles. Maior e mais recheada de anúncios inéditos, a D23 começou alguns dias após a divulgação dos resultados da The Walt Disney Company para o terceiro trimestre, que apesar de ter apresentado um lucro bem acima do esperado — US$ 2,62 bilhões, ante à previsão de US$ 1,94 bilhão dos analistas —, ainda não conseguiu fazer suas ações subirem na Bolsa de Nova York.
Neste ano, portanto, a divulgação dos anúncios da D23 veio mais ousada não só para os fãs, como também como um recado para os investidores. Ao longo de três dias, a convenção deixou espaço de sobra para que o público se divertisse com os painéis interativos e curiosidades da companhia no Anaheim Convention Center, mas as tão aguardadas novidades do cinema, streaming e da parte de experiences — que contempla parques, resorts e cruzeiros —, de grande interesse não só dos fãs como também do mercado, ficaram reservadas para um espaço maior. O que nos anos anteriores era anunciado em um painel dentro do Centro de Convenções de Anaheim agora foi transportado para o Honda Center, um estádio reconhecido da cidade norte-americana por ser palco de grandes shows, com capacidade de abrigar até 12 mil pessoas. Uma ideia pensada por Asad Ayaz, Chief Brand Officer da The Walt Disney Company e presidente de Marketing da The Walt Disney Studios and Disney+.
“Há momentos e momentos dentro de uma empresa. Obviamente há ciclos que, do ponto de vista comercial, o mercado responde, e há outros fatores que fogem do nosso controle e o mercado não corresponde. Mas no geral, estamos fazendo nosso negócio principal extremamente bem”, disse o executivo em entrevista à EXAME.
As maiores altas da Disney no último trimestre na parte de entretenimento, que reúne cinema e streaming. O faturamento da companhia cresceu 4%, puxado especialmente pela bilheteria de “Divertida Mente 2”, que alcançou US$ 1,6 bilhão em receita, e “Deadpool & Wolverine”, que trouxe um respiro reconfortado à Marvel Studios, com US$ 1,14 bilhão. No streaming, o crescimento foi de 15%, primeira vez que os negócios dessa área conseguiram gerar lucro operacional (US$ 47 milhões), já somados ao braço esportivo da ESPN.
O resultado foi, pelo menos para esse setor, um alívio. No ano passado, os filmes foram um dos setores da companhia que mais gerou prejuízo. “As Marvels”, “Indiana Jones e a Relíquia do Destino”, “Wish” e “Mansão Mal Assombrada” não conseguiram atrair o público para as salas de cinema. A aposta da Marvel foi a pior delas: sequer conseguiu cobrir seus custos de orçamento.
“Neste ano tivemos duas excelentes bilheterias — ‘Deadpool & Wolverine’ e ‘Divertida Mente 2’ —, bons resultados no streaming. As pessoas estão respondendo aos nossos personagens, nossas marcas e propriedade intelectual, é um período muito emocionante. Estamos inovando de muitas maneiras únicas e acredito que nosso show sobre as novidades de experience animem mais essa parte do mercado, porque mostrará que temos a criatividade, temos os personagens, temos essa conexão. Isso transcende os cinemas e o streaming e vai a outros lugares. É uma parte importante do nosso futuro”, comentou Asad no evento.
Os papéis não sobem, mas os investimentos em experiências, sim
Ainda no ritmo de convencer o mercado e os fãs, a programação da D23 esse ano foi bem mais ousada do que a da última convenção, de 2022. O espaço foi maior para exposição dentro da feira, com mais marcas, mais lojas, mais ativações para o público, mais espaço para painéis, presença dos maiores executivos da empresa — Bob Iger, CEO da empresa, entre eles, andando pelos corredores da convenção e abrindo os shows noturnos. Se dois anos atrás os maiores anúncios e lançamentos eram feitos dentro do Anaheim Convention Center, em uma sala com capacidade para 4 mil pessoas, neste ano, o espaço foi pensado para ser do tamanho de um show.
Na parte de anúncios, reservados às duas primeiras noites, a Disney anunciou uma extensa lista de novos filmes e séries, a maior parte deles continuações de franquias já existentes; a maior expansão do Disney Magic Kingdom, em Orlando (Flórida, EUA) desde 1971, e o aumento da frota de cruzeiros — que passa de quatro para 12 até 2031. Somente para a parte da experiences, o investimento será de US$ 60 bilhões pelos próximos dez anos, segundo informações da Fortune.
As novidades nos parques e cruzeiros chamam uma atenção especial para o mercado. No último balanço da empresa, o setor de parques da companhia foi o que obteve o pior desempenho. O lucro operacional trimestral da divisão caiu 3% em comparação com o ano passado e fechou em US$ 2,2 bilhões, um resultado que pode estar muito relacionado à inflação norte-americana.
“Nos últimos anos e meses, essa fatia de resorts, cruzeiros e dos parques mesmo vinham crescendo bastante e, pela primeira vez, eles caíram. A empresa atribuiu isso a um custo de uma inflação maior, mas também de uma mudança no foco. Teve uma concentração maior no streaming, que precisava dar lucro”, explicou Arthur Siqueira, sócio e analista da GEO Capital, empresa brasileira focada em fundos no exterior, em entrevista à EXAME. “Responder porque os papéis não sobem seria a pergunta de um milhão de dólares. Mas se for para arriscar, entendo que no fim tem muito a ver com como o mercado vai enxergar a Disney: ela pode ser uma empresa de cinema e streaming com parques, ou pode ser uma empresa de experiências com cinema e streaming”, completa.
A inflação ao consumidor (CPI) dos Estados Unidos vem subindo nos últimos meses, o que pode atrapalhar as receitas dos parques da Disney. Em julho, cresceu 0,2%, em uma crescente de 3% nos últimos 12 meses. A alta é puxada sobretudo por habitação, que subiu 0,4% em julho (5,1% no acumulado do ano) e alimentação, que subiu 0,2% de um mês para o outro.
Mas a expansão da frota de cruzeiros, conta Siqueira, pode trazer resultados melhores para a companhia — assim que eles entrarem oficialmente em uso. “A parte de cruzeiros vai muito bem, obrigado. Fizemos algumas análises aqui e, na nossa opinião como GEO Capital, o gargalo para o crescimento desse setor era mesmo a capacidade. É que eles vão lançar novos cruzeiros, porque a gente acha que vai ter demanda para isso, o que eventualmente vai aumentar a receita de experiences como um todo”, complementou o analista.
Seja para impressionar o mercado, os fãs ou os dois, o show de anúncios talvez não tenha sido o bastante para fazer com que os papéis da companhia comecem a subir, mas dão uma previsão clara de investimentos da Disney nos próximos anos. E o cenário parece promissor, ainda que a inflação norte-americana atrapalhe a receita da empresa.
Quanto à pergunta de um milhão de dólares, de quando as ações ficarão mais valorizadas, a previsão ainda não é conclusiva. Mas se há dúvidas sobre como a Disney vai ser enxergada pelos investidores, Asad deixa uma resposta nas entrelinhas: “No fim do dia, o nosso DNA é fazer memórias por meio de grandes experiências”.
Um show de anúncios que desembarca no Brasil em breve
A recuperação da Disney, diante de todo esse cenário econômico, era mais delicada. Com investimento robusto não só dentro de experiences como também dentro da própria D23 — a conferência foi a maior já feita pela companhia desde sua criação —, a ideia central foi fazer um show de anúncios, literalmente.
“Se você já foi à D23 antes, deve saber que era importante para nós ter uma Disney representada, você sabe, do ponto de vista do entretenimento. O show sempre esteve entremeado nos nossos anúncios, mas neste ano a gente quis elevar a um novo patamar. Foram mais artistas, mais apresentações da Broadway, é uma celebração do que a gente quer passar como empresa”, comentou Asad Ayaz durante a entrevista.
O objetivo foi, de fato, cumprido. As três noites tiveram a qualidade de uma apresentação de uma grande celebridade e o espaço muito se assemelhou a um estádio: milhares de pessoas sentadas à espera dos executivos, atores, cantores e diretores com seus novos anúncios. No primeiro dia, dedicado aos lançamentos no cinema e no streaming, as novidades foram anunciadas por personalidades como Ke Huy Quan, James Cameron, Zoe Saldaña, Anthony Mackie, Diego Luna, Lin Manuel Miranda, entre outros.
Entre os principais anúncios, estão a produção de “Frozen” III e IV, “Toy Story 5”, “Zootopia 2”, “Sexta-Feira ainda mais Louca” e “Os Incríveis 3”.
Para as novidades nos parques, cruzeiros e resorts, a noite foi ainda mais impactante. Acompanhados de uma larga orquestra sinfônica e artistas famosos, como Megan Trainor e Rita Ora, os anúncios foram misturados com apresentações musicais — um ponto importante para a Disney como um todo, seja em seus filmes, séries ou experiências.
Desde 2009, a D23 acontece em Anaheim (Califórnia, EUA) de dois em dois anos. Inicialmente criada pelos fãs, a convenção nasceu como uma forma de celebração dos conteúdos e experiências promovidos pela Disney. E o show de anúncios apresentado na cidade norte-americana deixa um gostinho ansioso para o que a companhia preparou para o Brasil: pela primeira vez na história, a conferência sai dos Estados Unidos em seu formato completo e desembarca em São Paulo nos dias 8, 9 e 10 de novembro deste ano.
“Eu já fui pessoalmente para o Brasil muitas vezes, fiz visitas promocionais, analisamos o cenário e consigo te garantir que a escolha do país para a primeira D23 completa fora de Anaheim não foi em vão. Fico impressionado com o fandom brasileiro de nossas propriedades Disney e Marvel. Quando fazemos eventos por lá, é como um show de rock, então é um novo nível de escala e criatividade para nós”, comentou Asad.
Ele destacou, ainda, que apesar da D23 ter sido a maior da história em Anaheim, no Brasil, ela chega um pouco diferente. “Acho que vai parecer uma D23 de Anaheim, mas há aspectos absolutos dele, culturais, que pensamos para o público brasileiro depois de muito estudo. Queremos encontrar o sabor local neste evento, queremos celebrar esse fã e queremos vê-lo com acesso. É o momento certo da companhia para desembarcar no Brasil”, completou ele.
A programação da D23 Brasil ainda não foi anunciada, mas os ingressos já estão quase esgotados, segundo a assessoria brasileira da empresa. As entradas têm preço a partir de R$ 174,95. A convenção tem apoio oficial do Bradesco, Visa, Mercado Livre e Rádio Disney e será realizada no Transamerica Expo Center. São aguardados anúncios exclusivos, com a presença de talentos nacionais e internacionais que trabalham com a Disney.
*A repórter viajou para os Estados Unidos à convite da The Walt Disney Company
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Créditos
Luiza Vilela
Repórter de POP
Formada em jornalismo pela PUC-SP e cursa pós-graduação em Gestão da Indústria Cinematográfica pela FAAP. Trabalhou para Record TV, Revista Consumidor Moderno e outros veículos de cultura brasileiros. Escreve sobre cinema e streaming.