Contexto desafiador para as startups
“Fundamos o Mercado Livre em meio a um dos piores invernos da história da indústria”, relembra Hernan Kazah, um dos criadores da plataforma argentina que hoje ocupa com folga a liderança no e-commerce da América Latina. Longe dos cheques consecutivos e sem perspectivas de voltarem à lógica de queima intensiva de capital em troca de crescimento a todo custo, as startups da região, em especial do Brasil, têm um grande desafio à frente.
Para Kazah, se forem capazes de criar estratégias hábeis para sobreviver a uma das piores ressacas do venture capital global, as empresas de tecnologia têm potencial de fazer com que a história bem-sucedida do Mercado Livre se repita.
“Líderes de tecnologia que hoje fazem sucesso com suas disrupções nasceram em contexto não favorável, anos atrás. Por isso, os próximos três anos dirão quem tem potencial de sobreviver e se tornar líder em seus mercados, e quem irá morrer”, diz.
Do lado dos investidores, o “inverno” das startups, apelido dado ao conjunto de acontecimentos que consolidam a atual crise vivenciada pelas pequenas empresas de tecnologia, essa pode ser uma oportunidade e tanto.
Mais US$ 1 bilhão para startups
Por acreditar no potencial empreendedor da região, o fundo Kaszek, empresa de venture capital fundada por Kazah e Nicolas Szekasy — também ex-sócio do Mercado Livre —, cujo portfólio tem empresas como Creditas e Gympass, anunciou em abril a captação de quase 1 bilhão de dólares para dois novos fundos para negócios da América Latina. “Queríamos garantir que não ficaríamos sem capital para atender o apetite de quem quer alocar recursos no potencial da região”, diz. Em pouco mais de uma década, a Kaszek já investiu 2 bilhões de dólares em startups latinas.
Em entrevista à EXAME, o investidor detalha as estratégias da Kaszek para a criação dos dois novos veículos e fala sobre suas apostas para o futuro do mercado de tecnologia no Brasil. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.
Otimismo com a América Latina
A Kaszek tem uma longa tradição aportando recursos em empresas de tecnologia da América Latina. Isso mudou de tempos para cá, com a maior aversão ao risco?
Os principais investidores da Kaszek já têm familiaridade com os cenários de turbulências da região e do Brasil, já que a realidade aqui nunca foi linear, então para eles não é nenhuma surpresa. Eles enxergam como um desafio. Além disso, é preciso lembrar que a América Latina tem muitos problemas a serem solucionados. Basta ver o sucesso das fintechs nos últimos anos, e muitas delas com a proposta de atender a ineficiências do sistema tradicional. Sem dúvida, a região vai continuar atraindo o interesse de investidores e empreendedores.
Os dois novos fundos surgem em meio a uma das piores secas do mercado. Por que a decisão em lançá-los agora, ao invés de esperar uma estabilidade no VC — alguns fundos têm adotado essa estratégia.
Esses dois novos veículos vêm de uma demanda que já existia entre nossos investidores. Eles queriam investir, continuavam e continuam acreditando no potencial da região e isso tudo colaborou para que agora fosse o momento certo para o lançamento. Também era o período mais adequado para aproveitarmos a lacuna de tempo entre o fim dos recursos de um fundo, no caso o que lançamos em 2021, e o início de um outro. Queríamos garantir que não ficaríamos sem capital para atender o apetite de quem quer alocar recursos no potencial da região.
Não houve, então, qualquer oposição a esse lançamento agora? O cenário de incertezas econômicas, troca de poder e outros temas relacionados ao ambiente macro não espantaram os investidores?
Pelo contrário. A captação dos fundos early e late stage é uma resposta a um pedido deles. Os principais investidores da Kaszek já têm familiaridade com os cenários de turbulências da região e do Brasil, já que a realidade aqui nunca foi linear, então para eles não é nenhuma surpresa.
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A fórmula mágica das empresas que prosperam
Os investidores continuam ambiciosos e otimistas. Mas e os empreendedores? Qual é a fórmula?
Os juros mais altos e o excesso de liquidez no mercado fizeram com que muitas empresas criassem um modelo de dependência de capital para crescer. Essas empresas, sem dúvida, estão sofrendo agora. Mas esse é apenas um perfil de empresa. Existe também o perfil de empresa que já se adaptou ao fato de ter menos recursos e que, mesmo precisando de novas captações, soube sobreviver aos valuations ajustados e rodadas menores.
Mas o foco aqui é para um terceiro perfil de empresa: aquela que teve um crescimento considerável e exponencial, e usou do capital para para ampliar isso, e não por dependência. A fórmula é essa, e posso dizer que o maior sonho dos investidores é encontrar boas companhias que não precisem de capital, por mais incrível que pareça.
Quais serão os novos líderes de tecnologia do futuro
O portfólio da Kazsek está cheio de empresas que hoje são unicórnios ou referência em seus nichos de atuação. Você tem alguma perspectiva ou até mesmo uma indicação da aparição de novos líderes LATAM
Acreditamos muito no futuro tecnológico, especialmente na América Latina. Olhando para o cenário LATAM, eu digo que grande parte das empresas líderes foram criadas durante momentos mais críticos do mercado. Nós mesmos criamos o Mercado Livre em meio a um dos piores invernos da história da indústria.
É por isso que acredito que o setor tecnológico vai continuar evoluindo na região, já que a tecnologia vai ajudar a solucionar alguns dos principais problemas da sociedade. E por aqui ainda temos vários.
É possível determinar um padrão esperado e que vai definir essas novas “estrelas” entre as startups da região?
Volto a dizer que o foco deve ser em solucionar problemas, e toda empresa que souber usar a tecnologia para isso, tem chances de ir bem. Temos que considerar que quem está decidido a empreender em um momento como agora, está muito mais determinado a fazer dar certo.
Quem vem ao mercado hoje já sabe que terá menos capital, e o foco está em mostrar como chegará ao próximo patamar. Os planos de negócio começam a ser mais focados no que é mais importante e muito mais voltado aos uso inteligente de capital, e isso atrai investidores.
Nos próximos três anos vão surgir as novas apostas, e as bem consolidadas no momento atual irão perseverar. E nesse mesmo período as empresas sem estrutura e sem foco no longo prazo irão morrer.
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Créditos
Maria Clara Dias
Repórter de Negócios e PME
Graduada em Jornalismo e pós-graduada em Marketing pela ESPM. Trabalhou na Autoesporte, Época e Gazeta do Povo. Desde 2020 cobre startups e PME na EXAME. É vencedora do Prêmio de Destaque em Franchising na categoria de Jornalismo de Revista