Exemplos que mais chamaram a atenção do público
A primeira edição do festival de inovação Web Summit no Rio de Janeiro terminou nesta quinta-feira (4). Mais de 21.000 espectadores, de 90 países, circularam pelos pavilhões do Riocentro em três dias de evento.
Boa parte da conversa em palestras e pelos corredores do evento girou ao redor da inteligência artificial (IA) generativa, tecnologia popularizada pelo ChatGPT e que vem garantindo saltos de produtividade a negócios de todos os portes – sobretudo as pequenas e médias empresas.
Lançado no fim do ano passado, o ChatGPT já tem sido utilizado no dia a dia de uma porção de empresas cujas lideranças foram convidadas pela organização do Web Summit Rio para dar um depoimento sobre a inovação. Alguns dos exemplos que mais chamaram a atenção do público foram:
- Dan Muir, fundador da fintech Arc, de de recomendações financeiras personalizadas para startups, tem utilizado ChatGPT para automatizar partes do CRM. A decisão sobre o público-alvo de e-mails marketing, e o conteúdo das mensagens, já é feita a partir da análise do robô sobre o que é mais eficaz para aumentar a taxa de abertura das mensagens.
- Sarah Al-Hussaini, cofundadora e CEO da alemã Ultimate, uma plataforma de atendimento ao cliente tem utilizado a inteligência artificial generativa para responder dúvidas de clientes em canais virtuais (redes sociais, por exemplo). "Já medimos o impacto positivo da ferramenta", disse ela no palco do Web Summit. "A taxa de sucesso no atendimento a clientes (quando o cliente sai de alguma maneira satisfeito com a empresa) num prazo de 18 meses sobe de 45% para 60% com a inteligência artificial."
- Aline Oliveira, cofundadora da agtech brasileira Traive, adota inteligência artificial para encurtar muitas das demandas repassadas aos devs da companhia, uma plataforma financeira para empresas da cadeia do agronegócio. "Estamos revendo algumas contratações de novos desenvolvedores", disse ela. "Não precisamos de tanta gente para funções operacionais como tirar bugs dos códigos dos softwares. Isso já é função da inteligência artificial."
- Gerry Giacomán Colyer, cofundador e CEO da mexicana Clara, fintech dedicada a soluções para reembolsos de despesas corporativas, vem testando a ferramenta para ajudar clientes a encontrar o limite mais adequado ao cartão de débito sob posse de seus funcionários – e, assim, evitar desperdícios no uso desses recursos. "A primeira decisão sobre crédito hoje é da inteligência artificial", diz Giacomán Colyer.
Um olhar mais sombrio para a tecnologia
Apesar do hype, a inteligência artificial (IA) generativa também levanta críticas – algumas delas vocalizadas durante o Web Summit Rio.
Recentemente, mais de 2000 líderes e especialistas do setor assinaram uma carta sugerindo uma pausa temporária no desenvolvimento da tecnologia.
No Riocentro, uma das principais vozes a falar sobre o tema foi Meredith Whittaker, ex-funcionária do Google e presidente da Signal Foundation, responsável pelo app de mensagens homônimo conhecido pela política de privacidade.
As críticas da executiva vão em duas linhas centrais:
- O modelo de negócio baseado na vigilância dos usuários com a captura de grandes volumes de informações – sem necessariamente informar aos usuários que os dados pessoais deles estão sendo utilizados para ensinar robôs
- A concentração de recursos e de tecnologia em apenas algumas grandes companhias, como Microsoft e Alphabet (dona do Google)
“Minha preocupação é que temos um enorme aparato de vigilância que está se expandindo via IA e que essas ferramentas de IA estão sendo encarregadas de tomar decisões socialmente significativas”, afirma.
Segundo ela, essas discussões deveriam centralizar as dicusssões e não preocupações sobre o ganho de consciência da inteligência artificial e "dominação do mundo". "Isso é conto de fadas, mitologias. Eles não são reais”.
Para que isso aconteça, Whittaker defende a criação de marcos regulatórios para o uso da inteligência artificial que levem em conta a participação da sociedade civil e coloquem as pessoas potencialmente impactadas no centro do debate.
Chelsea Manning, especialista em segurança digital e conhecida pela vazamento no Wikileaks, adota uma linha diferente: o futuro do uso das soluções de AI demanda um apelo éticos aos próprios profissionais de tecnologia, a exemplo do código de conduta dos médicos.
"Pessoas que estão trabalhando em AI, segurança e algoritmos ter que ter uma enorme responsabilidade sobre os nossos ombros. Se não fizermos isso, os reguladores vão reagir e, possivelmente, de forma que não são construtivas e úteis para as pessoas", diz.
O que também esteve na pauta dos speakers
A primeira edição do Web Summit no Rio de Janeiro também colocou em pauta temas emergentes como desigualdade racial, preservação ambiental e criação de conteúdo online.
Cofundadora do Black Lives Matter, Ayo Tometi falou sobre a evolução da luta contra o racismo e como tem visto mudanças significativas ao longo dos anos.
A organização surgiu como um grito em 2013 contra a violência policial e as injustiças como pessoas negras – em 2020, ganhou repercussão global após a morte do homem negro George Floyd em Minneapolis, no Minessota. Apesar de o tema ainda ser recorrente, ela considera que há motivos para celebrar.
“A verdade é que levantamos um nível profundo de consciência. Há uma nova consciência que tomou conta do globo e em toda parte e em diferentes instituições, as pessoas estão fazendo mudanças diferentes, desde o nível da política até diferentes práticas de contratação. Não se trata apenas do capítulo criminal, mas também de saúde, educação e justiça de gênero”, disse, em talk show mediado pela jornalista Maju Coutinho.
Amazônia
Em painel com o apresentador Luciano Huck, a indígena e ativista amazônica Txai Suruí entrou no palco do Web Summit com um cântico de acolhimento e um convite para que as pessoas reflorestem as suas mentes e sonhos. “Unindo o conhecimento ancestral e tecnologia, nós podemos proteger a floresta e o nosso clima para que tenhamos um futuro”, disse.
Ela lembrou que apenas cinco por cento da população mundial é indígena, um pequeno grupo que é responsável por preservar 80% da biodiversidade, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU).
Conteúdo adulto
Criado em 2016 como uma plataforma para conteúdos exclusivos e monetizados para criadores de conteúdo, o OnlyFans se transformou no espaço onde milhões de influenciadores depositam conteúdos adultos e eróticos e interagem com mais de 200 milhões de fãs espalhados por mais de 100 países.
Neste momento de consolidação, o Brasil e outros países da região estão no centro da estratégia. “A América Latina em geral é uma região de enorme crescimento para nós. Nós vemos essa oportunidade para os criadores obterem maior exposição a uma comunidade global”, disse Amrapali Gan, CEO do OnlyFans, no terceiro dia do Web Summit Rio.
A executiva também falou sobre o que considera “equívocos” relacionados à forma como o OnlyFans é conhecido globalmente: sinônimo de conteúdo adulto e sexual.
Gan defendeu que a plataforma reúne uma variedade de produtores de conteúdos, criando sobre assuntos variados sobre comédia e esporte. “O OnlyFans é realmente esta plataforma que dá uma verdadeira liberdade de expressão a diferentes criadores de conteúdo”.
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Startups de todos os lugares,até de uma Ucrânia assolada pela guerra
Criado em Dublin, em 2009, o Web Summit tem por tradição dar visibilidade a startups de várias partes do mundo. No Rio, mais de 100 delas expuseram produtos e serviços. Miguel Fernandes, um dos fundadores da Witseed, empresa de educação corporativa integrante do ecossistema da EXAME, fez uma resenha de algumas das mais promissoras.
Um dos estandes reservados às startups foi dedicado a negócios da Ucrânia, uma economia combalida desde a invasão por tropas da Rússia, em fevereiro do ano passado.
Até então, o país era reconhecido como um dos grandes centros de formação de desenvolvedores. Além disso, estava entre 10 países com mais unicórnios no mundo. É a casa de empresas como Grammarly, People.ai, Bitfury e Gitlab.
Agora, empreendedores ucranianos estão arregaçando as mangas para mostrar mundo agora que, no que depender deles, a guerra não vai impedi-los de ir atrás dos sonhos deles.
“A etapa principal do desenvolvimento da nossa startup foi feita no último inverno durante pesados ataques. Nós tivemos problema com falta de energia, queda de internet. Foi um desafio sobreviver a esse inverno e conseguir lançar o nosso produto no tempo certo”, afirma Kyrylo Melnychuk. Ele é um dos cofundadores da Uspacy, uma startup ucraniana para PMEs que desembarcou participou do Web Summit Rio.
Com cara da ferramenta de organização Trello, a plataforma reúne em único lugar soluções de comunicação, colaboração, tarefas e CRM.
O empreendedor já vivia em Portugal antes de o território ucraniano ser atacado pela Rússia em fevereiro do ano passado e fundou a companhia com outros sócios, todos ainda em solo natal. Do time de 35 profissionais, 85% continuam no país e estão distribuídos por diversas cidades.
O negócio nasceu em maio de 2022 e o produto chegou em fevereiro último ao mercado. Nos dois primeiros meses, cresce em ritmo acelerado, 500% a cada 30 dias entre clientes no modelo freemium e pago.
A Uspacy é foi umas das oito startups que integraram a delegação do país europeu e mostra um pouco do espírito que a Ucrânia quer transmitir ao mundo: apesar da guerra, seguem avançamos. O grupo foi coordenado pelo ministério da transformação digital do país e por outras entidades de apoio e fomento – outras três empresas financiaram as suas próprias operações.
Antes do conflito, o país tinha um ecossistema avaliado em US$ 20,7 bilhões, de acordo com estudo por realizado pela Associação Ucraniana de Venture e Capital Privado UVCA em parceria com Kreston Ukraine, AVENtures e ISE Corporate Accelerator. E, segundo estimativas, captou em 2021 em torno de 1,7 bilhão de dólares entre capital de risco, investimento anjo e financiamento corporativo.
A queda reflete os danos e prejuízos da guerra na economia e na comunidade empreendedora. Além de todo impacto humano e social, os empreendedores e seus funcionários tiveram que se adequar em um cenário em que muitos precisaram buscar refúgio em outros países e cidades.
Dados da Acnur, agência da ONU para refugiados, apontam que mais de 13 milhões de ucranianos deixaram as suas casas, em deslocamentos externos ou internos.
“Nós tivemos que mudar o nosso modelo de negócio porque muitos dos nossos funcionários tiveram que prestar serviço militar e outros também se engajaram com voluntariado”, afirma Dmitry Kudrenko, dono de cinco companhias que oferecem soluções de automação em marketing e comunicação. Juntas, elas empregam 400 pessoas. A maior delas e presente no Web Summit é a Stripo, uma plataforma de design de email.
Porém, mesmo em meio a toda sorte de turbulência, os negócios continuam a surgir. “Nós temos diferentes startups, mas podemos ver novas soluções e produtos sendo criados para este período”, diz Olesya Malevanaya, presidente do Ukrainian Hub, organização criada no começo da pandemia de Covid-19 para apoiar empreendedores do país com mentorias, treinamentos e conectá-los em fundos e aceleradoras.
Com a guerra, ela deixou a capital Kiev e vive em Lisboa, no Portugal, país de destino de quase 60.000 refugiados ucranianos, majoritariamente mulheres e crianças. Lá, o Hub abriu um novo escritório para apoiar, em parceria com algumas instituições portuguesas, mulheres que desejam empreender, ao mesmo tempo em que mantém o papel original de ajudar o ecossistema.
Ela conta que entre as novas propostas de negócios e serviços neste período de guerra estão:
- Plataformas para educação online para ajudar crianças que não têm mais escolas
- Produtos militares de detecção de drone e outros aparatos de defesa
- Soluções de logística inteligente que facilitem o tráfego de produtos entre a Ucrânia e a Polônia, a principal via de acesso hoje entre o país e o resto da Europa
- E ainda healtechs, com o desenvolvimento de produtos e serviços como próteses para vítimas da guerra
O governo ucraniano anunciou recentemente, inclusive, o lançamento de um programa para o apoio a startups que apresentem inovadoras neste sentido.
Segundo os empreendedores, a manutenção e até crescimento de algumas startups se dá por conta de uma busca pela internacionalização. O olhar para outros mercados, principalmente na região, já era uma realidade antes e se tornou uma necessidade agora.
Kudrenko diz que a própria Stripo, lançada há 6 anos, continua crescendo por ter a receita oriunda de diversos países e contar com uma base de cerca de 1 milhão de assinantes - o Brasil, inclusive, responde por 3% do faturamento. Outras empresas do grupo mais focadas no mercado ucraniano e na região de falantes do idioma russo seguiram o caminho oposto e ficaram no vermelho, gerando um “desastre” na geração de receita.
Até por isso, ele começou a redirecionar o foco dos negócios e, mesmo em meio ao cenário de guerra, pivotou operações e lançar duas startups para o mercado externo: uma plataforma de engajamento de clientes para apps e uma solução que permite a criação de web widget personalizados.
“A economia está se recuperando, mas é um processo demorado e é difícil ser previsível em tempo de guerra. Então, começamos a ser mais ativos em mercados globais”, afirma.
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Créditos
Marcos Bonfim
Repórter de Negócios
Formado em jornalismo pela PUC-SP e com pós em Política e Relações Internacionais pela FESPSP, escreve sobre negócios desde 2022. Acumula passagens por veículos como Meio & Mensagem, Propmark e UOL