Quem é Maria Benjumea
A espanhola Maria Benjumea é uma apaixonada pelo empreendedorismo. Formada em geografia e história, nos anos 70, ela acabou indo trabalhar em atividades muito distintas do visto na faculdade.
Benjumea é considerada a 'mãe' do South Summit, um festival de inovação responsável por colocar Madri na rota global de fundos de venture capital e cuja 11ª edição será realizada a partir desta quarta-feira, dia 7.
No ano passado, o South Summit ganhou uma edição brasileira, em Porto Alegre, numa iniciativa que tem colaborado para a capital gaúcha ganhar destaque como hub de startups.
A edição madrilenha começou em 2012, na fase mais aguda da recessão global cujo estopim foi a crise no mercado imobiliário dos Estados Unidos. A repercussão global atingiu com força a Espanha.
Na ocasião, o desemprego estava acima de 20% da população adulta. Entre os jovens, a cifra passava dos 50%."A Espanha estava muito mal naquela época", diz Benjumea, que vivia diretamente os efeitos da crise.
Empreendedora desde o fim dos anos 70, quando abriu uma galeria de arte e antiguidades, em 1981 ela abriu um curso preparatório para concursos públicos.
A ligação com o mercado de trabalho ficou mais profunda anos mais tarde. Em 1994, com o advento da internet, Benjumea colocou no ar o Infoempleo, um classificado virtual de empregos pioneiro na Espanha.
Quem esteve envolvido com o South Summit
O desemprego avassalador por um lado, e o avanço de carreiras digitais por outro, fizeram Benjumea reunir esforços com outros tomadores de decisão relevantes na capital espanhola em prol de alguma resposta.
Ela acabou reunindo um grupo variado. De acadêmicos da IE Business School, uma das principais escolas de negócios do mundo e sediada em Madri, a presidentes de grandes empresas sediadas por ali e até o Rei da Espanha, Felipe VI, todos foram envolvidos no projeto de um festival de inovação.
Assim como em Austin, no Texas, sede do festival de inovação SXSW, ou Lisboa, palco do Web Summit, o intuito da turma galvanizada por Benjumea era a de criar algum pretexto para atrair gente do mundo todo para levar uma mentalidade empreendedora à Madri.
"Havia uma depressão muito grande. As pessoas não sabiam o que ia acontecer na vida delas", diz Benjumea, que falou com a EXAME em março deste ano durante a segunda edição do South Summit em Porto Alegre.
"Mas este grupo de pessoas ao meu redor entendia que economias e crises são cíclicas. Precisávamos de uma mudança de mentalidade para aproveitar as oportunidades que estavam por vir."
A diferença de outros encontros de tecnologia, como os de Austin e de Lisboa, foi a ênfase nos negócios desde o princípio. Um dos pontos altos do South Summit é uma competição de startups, que passam por um comitê julgador formado por CEOs de grandes corporações. O critério principal costuma ser qual modelo de negócio é o mais preparado para virar um unicórnio.
E, de fato, a mão dos júris tem sido boa para encontrar startups capazes de superar a barreira dos 1 bilhão de dólares de valuation.
Das oito empresas de tecnologia da Espanha consideradas unicórnios, seis participaram da competição do South Summit:
- os apps de mobilidade Cabify e Glovo
- as HRtechs Factorial e Jobandtalent
- Wallbox, de carros elétricos
- e Devo, de cibersegurança
O que está previsto no evento deste ano
O início do South Summit, em 2012, foi tímido. Algumas centenas de participantes. Poucos fundos de investimento deram as caras. E, quem esteve, tinha pouca bala na agulha.
Somados, os fundos de venture capital tinham ativos na casa de 126 milhões de dólares, lembra Benjumea. Uma quantia ínfima para mudar de fato a crise estrutural de empregos vivida então por Madri e pela Espanha como um todo.
De lá para cá, a coisa ganhou uma proporção muito acima do imaginado inclusive para uma pessoa acostumada a sonhar grande como Benjumea. No ano passado, a abertura do festival contou com a presença do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, entre outras autoridades.
A edição de 2023 deve reunir 20.000 pessoas ao longo de três dias, entre 'startupeiros' e investidores. Representantes de fundos pesos pesados como Softbank e General Atlantic devem aportar na capital espanhola para prospectar startups promissoras. No total, elas somam 230 bilhões de dólares em portfólio, diz Benjumea.
A programação terá ainda palestras de gente influente na tecnologia, como o programador russo-canadense Vitálik Buterin, bilionário aos 29 anos por ter sido um dos fundadores da rede de criptomoedas Ethereum; o inglês John Elkington, CEO da Volans e um dos pioneiros no tema sustentabilidade corporativa e autor dos termos "green growth", "green consumer" e "triple bottom line".
Pelos corredores do La Nave, centro de convenções na zona sul de Madri que sediará a 11ª edição do South Summit, também passarão CEO ou vice-presidentes de 21 unicórnios, entre elas: Newports, Globant, Kayak, Glovo, Cabify e a brasileira Creditas.
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Qual é o impacto de longo prazo do evento
O impacto do South Summit em Madri foi muito além do simples encontro de investidores com startups. Madri é hoje considerada um dos principais hubs para empreendedores na Europa.
Só em 2021 os empreendedores madrilenhos atraíram 2,5 bilhões de euros em investimentos para seus negócios, quase 70% acima do aportado nas startups de Barcelona, capital da Catalunha, região há tempos considerada a mais pujante da Espanha.
As cifras elevadas ao redor do South Summit colaboraram inclusive para a Espanha mudar a legislação nacional sobre negócios de tecnologia — um outro 'filho' de Benjumea.
Aprovada pelo parlamento espanhol em março deste ano, com unanimidade, a Lei de Startups resolveu alguns dos entraves para aportes de capital no país europeu. Entre as inovações estão:
- A criação de um visto para nômades digitais com vontade de empreender na Espanha ou trabalhar em empresas de tecnologia de outros países a partir dali.
- A redução da alíquota de imposto de renda devido por startups, de 25% para 15%, por um período de até quatro anos
- Processos mais ágeis para o registro de uma startup junto às autoridades espanholas ser realizado em até 6 horas
- Isenções fiscais de até 50.000 euros por ano a donos de stock options, um benefício corporativo comum entre empresas de tecnologia para reter funcionários
- Aumento na dedução fiscal para investidores-anjo e estrangeiros dispostos a alocar capital em negócios da Espanha
- A abertura de sandbox regulatórios para inovações de startups
"Foi uma iniciativa do governo, claro, mas para ela ter sido aprovada com unanimidade foi preciso dez anos de articulação da iniciativa privada", diz Benjumea, que também têm posição executiva em associações empresariais da Espanha.
"Juntos multiplicamos exponencialmente o impacto da lei, que está fantástica do jeito que foi aprovada."
Olhando para frente, depois de ter tido papel fundamental na formação do ecossistema de startups de Madri, Benjumea encara o futuro com confiança.
A inteligência artificial pode ceifar de novo os empregos que ela tanto lutou para criar? "Não creio. No fim das contas, quem cria os robôs são os humanos", diz ela.
"Os robôs não têm sentimentos nem alma. Podemos até ensinar a inteligência artificial a aprender com os humanos, mas não que sintam as necessidades que fazem os humanos seguirem criando, criando e criando mais coisas."
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Créditos
Leo Branco
Editor de Negócios e Carreira
Formado pela UFSC e pós-graduado em planejamento urbano pela Poli-USP e em jornalismo econômico pela FAAP. Trabalhou como repórter na Veja, Sou Mais Eu, PME e O Globo, escrevendo sobre empreendedorismo, negócios e gestão pública