Anúncio com três chefes de Estado
A Índia atingiu um marco no fim do ano passado, quando ultrapassou a China na posição de país mais populoso do mundo. Mas esse crescimento explosivo dificilmente se reflete no tamanho de sua frota de aviação comercial.
Hoje, o país inteiro tem cerca de meras 700 aeronaves — menos do que a United Airlines Holdings sozinha — e apenas 50 jatos de fuselagem larga para transportar seu 1,41 bilhão de pessoas, que se deslocam cada vez mais.
Companhias aéreas chinesas, por outro lado, cuja base de Dubai tem uma fração da população de Mumbai, possuem uma frota de fuselagem ampla de 260 jatos, de acordo com dados da Cirium, que agrega dados do setor aéreo.
Agora, a Air India está fazendo um esforço caro para renovar sua frota e expandir a presença global da empresa.
Um ano após o conglomerado Tata Group comprar a companhia aérea do governo por US$ 2,2 bilhões, em 14 de fevereiro a Air India anunciou uma encomenda de 470 aeronaves, potencialmente marcando o maior negócio na história da aviação comercial, com um valor de preço de tabela provavelmente superior a US$ 60 bilhões.
A importância global da compra foi ressaltada pelos três chefes de Estado que participaram do anúncio: o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e os presidentes dos EUA, Joe Biden, e da França, Emmanuel Macron.
O pedido está dividido igualmente entre as arquirrivais Airbus e Boeing, incluindo cerca de 400 dos populares jatos de fuselagem estreita das famílias A320 e 737 e cerca de 70 modelos de fuselagem larga, além de opções de comprar mais de qualquer empresa.
As novas aeronaves têm o objetivo de dar à Air India uma chance de competir com as companhias aéreas de baixo custo locais, como a IndiGo, para não falar nas campeões de longa distância Emirates, Etihad Airways e Qatar Airways, que têm construído operações enormes ao longo das últimas duas décadas canalizando milhões de passageiros por meio de seus polos no Golfo Pérsico.
Novos (e maiores) aeroportos na Índia
A Air India, após décadas definhando sob controle do governo, pode parecer que chegou tarde num mercado dividido por empresas estrangeiras, mas a antiga companhia aérea tem uma vantagem-chave: viagens que poupam tempo, graças a rotas diretas de e para um destino cada vez mais importante.
A companhia aérea opera voos sem escala para os EUA e a Europa sem precisar de conexões no Oriente Médio. Ela também manda em slots cobiçados de aeroportos estratégicos, como o John F. Kennedy, de Nova York, e o Heathrow, de Londres.
Um voo direto de Mumbai a Nova York leva pouco menos de 16 horas, comparado às 20 horas até o mesmo destino via Dubai. O serviço sem escala da Air India até São Francisco leva quase metade do tempo das outras opções disponíveis, segundo uma busca no app de rastreamento de voos Skyscanner.
“A capacidade de voar sem escalas de e para a Índia dá à Air India uma vantagem competitiva sustentável contra as companhias aéreas do Golfo”, diz Shashank Nigam, CEO da empresa de estratégia de marca de companhias aéreas SimpliFlying.
Embora o Estado indiano tenha cedido o controle da Air Índia à Tata, apoiar uma companhia aérea local forte continua a ser prioridade para o governo do mercado de aviação que cresce mais depressa no mundo.
Buscando tornar a Índia um polo de conexão de nível mundial, além de um destino para turistas e empresas, o governo vem incentivando as companhias aéreas a aumentar as frotas de longa distância ao mesmo tempo que dobra a aposta na expansão dos aeroportos.
Em Mumbai, capital financeira do país, um segundo aeroporto está previsto para ser inaugurado no ano que vem, potencialmente cuidando de 60 milhões de passageiros anuais, enquanto Déli também verá um acréscimo, com capacidade final de 70 milhões de viajantes.
Anunciando sua parte do acordo em 14 de fevereiro, o CEO da Airbus, Guillauma Faury, disse que “é a hora certa para a Índia se transformar em um polo internacional”.
Além da Tata, a empresa tem outro poderoso aliado, a Singapore Airlines, que está investindo US$ 250 milhões por uma participação de 25% no grupo expandido, que reunirá a Air India e outras três companhias aéreas, entre elas a Vistara, empresa de serviço aéreo completo que a Tata e a Singapore lançaram em 2015.
A experiência e o pedigree das duas empresas vão ajudar a Air India a fechar operações de compartilhamento de código e alianças lucrativas, cruciais para expandir uma rede internacional a um custo administrável, afirma Rohit Tomar, sócio-gerente da Caladrius Aero Consulting.
Reputação abalada
O maior desafio da Air India talvez seja restaurar sua reputação abalada.
Criada como a primeira empresa aérea do país em 1932 pelo pioneiro da aviação e ex-presidente da Tata, J.R.D. Tata, a empresa foi durante muito tempo famosa por seu serviço de alta classe e atenção a detalhes que incluíam cinzeiros a bordo projetados pelo surrealista Salvador Dalí, serviço de champagne vintage e comerciais com atrizes de Bollywood. Foi a primeira companhia aérea da Ásia a operar jatos, em 1960.
Contudo, a empresa foi estatizada em 1953, e anos de má gestão e fraco desempenho no cumprimento de prazos no período sob controle do Estado têm arranhado a imagem da Air India.
Em seu lugar, companhias aéreas sem firulas vêm ocupando grandes pedaços de seu negócio doméstico, fora as companhias do Golfo que vêm tirando lascas de suas operações no exterior. A companhia aérea cheia de dívida não dá lucro há 16 anos, e é mantida de pé por resgates financiados pelos contribuintes.
“A Air India tem sido a vilã da história durante tanto tempo que vai demorar para as pessoas passarem a aceitá-la como um novo tipo de heroína”, diz Tomar. “Quando você tenta fazer uma mudança grande no modo como as pessoas te percebem como marca, você tem só uma chance”.
A companhia aérea ressuscitada enfrentará forte concorrência nas rotas de curta distância. A frota de cerca de 300 jatos Airbus A320 da companhia aérea de baixo custo IndiGo deu à empresa o controle de mais da metade do mercado local.
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Investimento de US$ 400 milhões
Novatas como a Alaska Air também vêm botando pressão no segmento, criando um setor cada vez mais abarrotado.
Mesmo antes da grande encomenda, o presidente da Tata, Natarajan Chandrasekaran, havia embarcado em uma transformação ampla da Air India, que incluiu desde novos uniformes para a tripulação das aeronaves até os últimos assentos e entretenimento de bordo das aeronaves atuais.
Ao todo, a Air India está investindo mais de US$ 400 milhões para reformar os interiores de toda a sua frota de fuselagem larga.
Todos esses esforços à parte, a companhia aérea conhecida por seu mascote, Marajá, ainda tem muito chão pela frente para se reposicionar como uma marca progressiva, em vez de uma que está se agarrando à sua herança, diz Nigam, da SimpliFlying.
Para ele, foi-se o tempo em que as pessoas voavam de Air India só por causa do orgulho nacional. “Embora recuperar a Air India seja difícil, se tem uma empresa que consegue fazer isso, é a Tata”, diz Nigam.
Tradução por Fabrício Calado Moreira
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Bloomberg Businessweek
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Conteúdo da revista de negócios Bloomberg Businessweek, dos Estados Unidos