Inadimplência: do crédito para o varejo ao crédito corporativo

hero_O desafio do crédito para os bancos no 1º trimestre – e o que vem pela frente

calculadora dinheiro investimentos contas real juros salário dívidas (Getty Images/Gustavo Mellossa/iStock)

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O desafio do crédito para os bancos no 1º trimestre – e o que vem pela frente

Os juros altos, que fora do Brasil causaram uma crise bancária, aqui aumentam a inadimplência e atingem o crédito corporativo

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O desafio do crédito para os bancos no 1º trimestre – e o que vem pela frente

Os juros altos, que fora do Brasil causaram uma crise bancária, aqui aumentam a inadimplência e atingem o crédito corporativo

calculadora dinheiro investimentos contas real juros salário dívidas (Getty Images/Gustavo Mellossa/iStock)

Por Beatriz Quesada

Publicado em 24/04/2023, às 09:15.

Última atualização em 09/08/2023, às 16:14.

Inadimplência: do crédito para o varejo ao crédito corporativo

Os bancos foram o grande assunto nos mercados internacionais no início do ano, com investidores temendo uma nova crise bancária após a falência do Silicon Valley Bank (SVB) em março. A alta global dos juros foi apontada como um dos facilitadores para a turbulência que chacoalhou o mercado bancário americano. Por aqui, a onda da crise não chegou nem como marola. Mas isso não significa que os juros altos não estejam afetando os bancos brasileiros.

Em uma janela de apenas um ano e meio, a taxa básica de juros do Brasil, a Selic, saltou de sua mínima histórica na casa dos 2% para o atual patamar de 13,75% ao ano. Para os bancos, a disparada cobrou seu preço primeiro na inadimplência das pessoas físicas, especialmente as de baixa renda que tiveram mais dificuldades em pagar suas contas. O movimento foi mais rápido que o esperado, especialmente para o Bradesco, que, entre os bancões, foi o mais penalizado pelo movimento. A instituição, inclusive, admitiu que concedeu mais crédito do que deveria enquanto os juros estavam baixos.

E a normalização, por sua vez, está custando a aparecer. A previsão é que o crédito para o varejo se recupere ao longo de 2023, em especial a partir do segundo semestre. Só que o desafio agora se transforma. Isso porque a inadimplência não ficou restrita às pessoas físicas: as empresas também estão passando por apertos. Pressionadas pelos juros altos, as companhias vêm enfrentando maior dificuldade para pagar suas contas e honrar suas dívidas. Esse cenário, unido a um momento de desaceleração econômica, se transforma em uma combinação perversa para o crédito corporativo. E ela pode ser o grande desafio para o setor bancário neste início de 2023.

“Os bancos brasileiros se aproximam do fim de um ciclo [negativo] para crédito à pessoa física, mas provavelmente entrarão em um terreno mais difícil para o crédito corporativo”, avaliaram, em relatório, os analistas do Goldman Sachs.

A grande expectativa do mercado é entender como os eventos pós-Americanas irão bater na temporada de balanços do primeiro trimestre, que começa amanhã, 25, com a divulgação do resultado do Santander.

Americanas, recuperações judiciais e o desafio do crédito corporativo

O primeiro baque do mercado de crédito veio com a fraude da Americanas em janeiro, que culminou no calote da dívida e na recuperação judicial de uma das maiores varejistas do País. Os bancos se apressaram a cobrir o rombo com provisões e a dizer que o episódio era um caso isolado.

A fraude, de fato, não encontrou paralelo no mercado. Mas a recuperação judicial da Americanas aumentou o escrutínio no mercado de crédito e encareceu o custo dos empréstimos em um momento em que as empresas já vinham sofrendo com margens pressionadas pela alta dos juros.

O movimento teve três consequências principais, na avaliação do UBS BB:

  1. A concessão de empréstimo corporativo diminuiu. Nos primeiros dois meses de 2023, as originações de empréstimos ficaram 7% abaixo da média mensal do ano anterior;
  2. Os prêmios pagos pelo risco de crédito (spreads) subiram, refletindo a incerteza no setor. Em fevereiro de 2023, o spread das novas operações de crédito livre aumentou 140 pontos-base em relação a dezembro de 2022, segundo o UBS BB;
  3. As provisões dos bancos aumentaram para os empréstimos mais arriscados, nas categorias de rating E-H. O indicador aumentou 30 pontos-base para grandes empresas e 70 pontos-base para PMEs nos dois primeiros meses do ano.

Os últimos dados divulgados pelo Banco Central também mostram uma desaceleração do crédito. O crescimento de todas as linhas de crédito diminuiu o ritmo de crescimento nos últimos meses, com uma alta de 17,4% em fevereiro contra um pico de 21,9% em abril do último ano. Por outro lado, os créditos inadimplentes (NPL, na sigla em inglês) continuaram subindo, aumentando 30 pontos-base desde o ano passado.

O que esperar dos balanços dos bancões no 1º tri?

Diante desse cenário, analistas e investidores devem ficar especialmente atentos à linha de crédito nos balanços dos grandes bancos de varejo. A predileção é por Itaú e Banco do Brasil, enquanto Bradesco e Santander devem continuar como os mais prejudicados do setor.

Santander 

O Santander Brasil abre a temporada de balanços para os grandes bancos de varejo do País nesta terça-feira, 25, antes da abertura do mercado. A expectativa do mercado é de um lucro de R$ 2,16 bilhões, uma queda de 45% na comparação anual.

A carteira de crédito do Santander deve continuar pressionada na avaliação dos analistas do Goldman Sachs, e os custos de risco e as provisões devem continuar impactando o resultado – vale lembrar que o banco não provisionou completamente o efeito Americanas em seu balanço do quarto trimestre como fizeram os pares privados Bradesco e Itaú.

Outra análise, do BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME), vê risco de baixo crescimento da carteira de crédito para o varejo, com safras mais antigas de clientes ainda pressionando os índices de inadimplência e provisões. Por outro lado, a estagnação do mercado de capitais pode impulsionar a busca por empréstimos bancários nos segmentos corporativos e de grandes empresas.

Bradesco

O Bradesco divulga seus resultados no dia 4 de maio, após o fechamento do mercado. A projeção é de um lucro de R$ 3,74 bilhões, uma queda de 44% na comparação anual. Na comparação com o trimestre passado, o resultado deve representar uma alta de 138% no lucro – o Bradesco provisionou 100% do efeito Americanas no último balanço.

A expectativa dos analistas do BTG é que o Bradesco continue sofrendo com aumento da inadimplência, movimento que só deve ser normalizado no final do primeiro semestre. A rentabilidade do banco, que foi de apenas 4% no último trimestre, também deve continuar pressionada, disse o Goldman. A projeção é que o retorno sobre patrimônio líquido (ROE) fique na casa dos 9,6%, e que só volte a superar a marca anterior de 18% no final de 2024.

Itaú

O Itaú é a escolha favorita dos analistas entre os bancos privados. O banco divulga seu balanço no dia 8 de maio, e a expectativa do consenso do mercado é de um lucro de R$ 8,44 bilhões – o maior do setor. O ROE do banco deve continuar acima do confortável patamar de 20% na leitura das análises, ainda que o crescimento da frente de crédito desacelere.

“O Itaú deve continuar se beneficiando da proteção realizada na tesouraria (hedge) contra a alta dos juros, fazendo com que a margem com mercado continue positiva. Além disso, o banco possui um mix de carteira de crédito mais favorável nesse momento do ciclo, com maior participação [no segmento de] pessoa física de alta renda e grandes empresas”, afirmam, em relatório, os analistas da Genial Investimentos.

Banco do Brasil

O Banco do Brasil é outra opção queridinha dos analistas. A estatal deve apresentar seu resultado no dia 15 de maio, com expectativa de R$ 8,4 bilhões de lucro impulsionado, mais uma vez, pelo crédito para o agronegócio.

“De acordo com dados do Banco Central e conversas recentes com os bancos privados, o crescimento do crédito está desacelerando um pouco mais rápido do que o esperado no início de 2023. No entanto, o BB deve crescer mais rápido [na comparação] trimestre a trimestre devido ao contínuo desempenho muito bom do setor rural”, avaliaram os analistas do BTG em relatório.

Veja também

Um desafio futuro: teto dos juros rotativos do cartão de crédito

Os bancos têm ainda um novo desafio no radar para o resto do ano: a possibilidade da criação de um teto para os juros rotativos do cartão de crédito. A modalidade atualmente é a linha de crédito mais cara do Brasil, e vem sendo sistematicamente criticada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad

A taxa do rotativo chegou a 411,5% ao ano em janeiro de 2023, maior patamar desde de agosto de 2017. Haddad criticou o patamar dos juros rotativos, que classificou como “estratosférico” e prejudicial à população de baixa renda.

Os juros rotativos são um crédito pré-aprovado, que só é cobrado quando o cliente deixa de pagar uma fatura do cartão de crédito ou paga apenas uma parte do valor total. Funciona como um empréstimo de urgência para o parcelamento. Junto com o cheque especial, a modalidade é uma das mais usadas pelos consumidores.

Embora nada esteja confirmado, analistas já começam a projetar como a mudança impactaria os balanços dos bancos. Os mais atingidos seriam os digitais, como Nubank e Inter, mas os bancões não devem escapar ilesos. Entre os grandes bancos de varejo, Bradesco e Santander devem ser os mais atingidos na previsão da equipe de análise do Goldman Sachs.

O cálculo preliminar do Goldman propõem um teto entre 8% e 10% ao mês, contra a média de 14% da cobrança atual. O impacto nas estimativas de lucros é maior no Inter, enquanto o Banco do Brasil seria o mais protegido.

Tomando como base o que aconteceu quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceu um teto para os juros do cheque especial em 2020, o UBS BB projeta que haverá uma queda forte no crescimento da modalidade. O contraponto positivo seria a diminuição da inadimplência: mais consumidores seriam capazes de pagar as contas em dia.

Os analistas do UBS BB e do Goldman traçam algumas possibilidades para diminuir o impacto no balanço dos bancos. Uma alternativa seria que os bancos se concentrassem em investimentos de baixo risco e que fossem cobradas taxas anuais mais altas para os titulares dos cartões de crédito – bem como menores recompensas pelo uso do cartão.

Outra solução poderia passar por um modelo de empréstimo com diversas linhas rotativas, com taxas de juros bem mais baixas.

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