Ritmo de troca mais intenso
Mesmo antes de acabar, a primeira metade de 2023 já pode ser reconhecida pela dança das cadeiras no alto comando das companhias abertas brasileiras. Um levantamento feito pela EXAME Invest contabilizou ao menos 20 mudanças de CEOs em cinco meses (1º de janeiro até 31 de maio); dessas, 11 envolveram empresas do Ibovespa, o índice que reúne as 83 companhias com maior peso no mercado.
As trocas começaram na primeira semana de 2023, com a saída de Sergio Rial da Americanas, em janeiro. Passam pela renúncia da CEO da AES Brasil, Clarissa Sadock, anunciada na terça-feira, 30 de maio. Sadock deixou o cargo para ser vice-presidente de energias renováveis e ESG da Vibra. E vão até a CVC anunciar a volta de Fabio Godinho à empresa, agora no cargo mais alto da diretoria executiva, no dia 2 de junho.
Houve ainda quem foi anunciado em 2022 e assumiu o cargo neste ano, como o presidente da Braskem, Roberto Bischoff, que começou em janeiro, depois de seu nome ser divulgado em novembro do ano passado. Ou, ainda, mudanças que também eram esperadas pelo contexto, como a nomeação do ex-senador petista, Jean-Paul Prates, para a liderança da Petrobras. Com experiência no setor de energia, Prates foi o escolhido pelo governo federal com o início do terceiro mandato de Lula, substituindo as nomeações da gestão bolsonarista.
Não é só impressão: o ritmo de troca de comando está mesmo mais intenso do que se comparado ao começo do ano passado. Levantamento feita EXAME Invest contabilizou 16 empresas que anunciaram mudanças no alto comando no mesmo período do ano passado, das quais sete eram do Ibovespa no momento do anúncio. Mais do que a diferença numérica, a troca de CEOs entre 2022 e 2023 se distancia na motivação principal.
Naquela época, houve a troca no GPA de Jorge Faiçal Filho por Marcelo Pimentel, que comandava a Marisa. Assim, a Marisa também anunciou um novo presidente, Adalberto Santos. A Natura &Co, que começou a ver sua operação se deteriorar pelo ambiente inflacionário no exterior e os impactos da guerra entre Ucrânia e Rússia, trocou Roberto Marques por Fábio Barbosa, com passagens pelo Santander e pela reestruturação da editora Abril. Barbosa veio com a missão de "enxugar a holding", que tinha ficado muito grande com operações internacionais, em especial após a compra da Avon.
Mas parte relevante veio mesmo em meio a um processo sucessório: em maio de 2022, a Gol anunciou Celso Ferrer, que ficou no lugar de Paulo Kakinoff a partir de julho daquele ano, quando o ex-CEO foi para o conselho. Movimento similar aconteceu no Burger King Brasil, com a transição de Iuri Miranda para Ariel Grunkraut, também acionista e que era vice-presidente de tecnologia; no Iguatemi, com Cristina Betts substituindo Carlos Jeireissati, da família controladora; e na TIM, Alberto Griselli passando de CRO (Chief Revenue Officer, algo como diretor executivo de receita) para CEO depois de Pietro Labriola ser nomeado para comandar a controladora, a Telecom Italia.
Mais trabalho para os headhunters
Agora, a motivação é diferente. A empresa de recrutamento Robert Half viu a demanda das empresas de fato aumentar. “A esmagadora maioria é por reposição ou substituição”, diz Mário Custodio, diretor de recrutamento exe. Ou seja, processos de sucessão planejada são exceção. A maioria são casos em que o CEO já saiu e é preciso trocá-lo ou casos em que há o entendimento de que é preciso uma pessoa para substituir o atual executivo rapidamente.
Entre essas exceções bem planejadas estão os casos da seguradora Porto e da Clearsale, de soluções antifraude. A primeira anunciou na última quarta-feira que o ex-CEO da Gol e seu conselheiro há três anos, Paulo Kakinoff, irá substituir Roberto Santos, atual CEO. No cargo máximo da Porto há 7 anos, Santos ajudou na decisão por Kakinoff e vai permanecer no cargo até o fim de 2023, ajudando na troca de comando, além de seguir, posteriormente, no conselho.
“Kakinoff não é um estranho na nossa indústria. Ajudou a construir e conhece a nossa estratégia”, explica Santos em entrevista à EXAME Invest. O caso da Clearsale é parecido. Eduardo Mônaco, que era diretor de operações (COO), foi escolhido depois de iniciado um processo sucessório em 2022 e o antigo CEO, Bernardo Lustosa, foi para o conselho, tendo entregado durante a sua gestão o IPO da empresa de prevenção e gerenciamento de risco.
Fundador da Exec, empresa que ajuda a contratar cerca de 200 executivos e 50 conselheiros ao ano desde 2009, Rodrigo Forte diz que de fato a “dança das cadeiras está mesmo mais intensa”. Há, segundo ele, uma questão de tendência. Tempos atrás, o comum era um C-Level, como são chamados os executivos do alto escalão, ficar 10 a 20 anos no cargo. Hoje, esse tempo mudou para até cinco anos. “Ciclos estão muito mais curtos, mais dinâmicos. O CEO trabalha para um projeto. Por exemplo, crescer na companhia, corrigir a rota, etc. No mundo de hoje falta previsibilidade e isso foi potencializado com a pandemia. Tanto que 2021 e 2022 já foram anos recordes na busca e seleção de executivos”, conta.
O cenário macroeconômico também ajuda a explicar as trocas mais intensas no alto escalão. As adversidades impostas pela economia, como o custo de capital mais caro, a inadimplência dos consumidores e a inflação mais alta tanto para os custos quanto para clientes fizeram os negócios passarem por momentos mais complexos. O aperto veio tanto na operação, com vendas crescendo em ritmo menor (de forma geral), quanto na saúde financeira, com as dívidas ficando cada vez maiores e mais caras.
Mudanças tendem de fato a impactar o resultado das ações no curto prazo. Em 27 de abril, por exemplo, a Alpargatas anunciou, no fim do dia, que Beto Funari não era mais o CEO. De acordo com a nota divulgada pela empresa, o conselho de administração da Alpargatas e Funari entenderam, de comum acordo, “que era o momento de realizar uma mudança na liderança da empresa.” No dia seguinte ao fato relevante, a ação da Alpargatas começou o pregão com alta de mais de 5%, mas desacelerou e fechou com valorização de 1,25%.
Fenômeno mundial
Não é só no Brasil que os executivos estão entrando e saindo das companhias com maior frequência. Recentemente, por exemplo, Elon Musk resolveu deixar o comando do Twitter — rede social que comprou numa operação que atraiu as atenções em outubro de 2022 — e passá-lo a Linda Yaccarino. A italiana Margherita Della Valle assumiu em abril a frente da empresa de telecomunicações britânica Vodafone. A operadora digital de turismo Trivago trocou Axel Hefer por Johannes Thomas na tentativa de voltar ao sucesso do período pré-IPO.
Essa percepção de dança das cadeiras se reflete nas estatísticas. O número de mudanças de CEO em empresas dos Estados Unidos aumentou 6% de 139 em março para 147 em abril, de acordo com o último relatório da consultoria Challenger, Gray & Christmas. O total de abril é 20% maior do que os 123 CEOs que deixaram seus cargos no mesmo mês do ano anterior.
O número de abril de 2023 é o mais alto para esse mês desde que a Challenger começou a rastrear as saídas de CEOs em 2002 e o terceiro mês consecutivo em que isso ocorre. No total do ano, 565 CEOs deixaram seus cargos, um aumento de 9% em relação aos 518 que deixaram seus cargos nos primeiros quatro meses de 2022, novamente quebrando o patamar histórico do levantamento da consultoria.
Sem justificativas
Bem como no Brasil, grande parte das companhias norte-americanas não fornecendo dando as razões das mudanças. Enquanto em 2022, a Challenger levantou 97 companhias que anunciaram saída do CEO sem dar justificativas, esse ano já são 182 as que não abriram o jogo.
Andrew Challenger, que é especialista em liderança e vice-presidente sênior da consultoria que leva seu nome, diz que as empresas têm muito a considerar à medida que preocupações com recessão e inflação continuam. Muitos setores estão demitindo trabalhadores, enquanto novas tecnologias, como a inteligência artificial, estão levando a discussões sobre casos de uso. "Esse ambiente é propício para novos líderes", diz no relatório.
Na esteira desse contexto, 131 CEOs se aposentaram neste ano, um aumento de 7% em relação aos 122 que se aposentaram no mesmo período do ano passado, segundo o levantamento da Challenger.
Mudança no perfil do comandante
Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, o cenário atual leva a uma via de mão dupla. O ambiente macroeconômico impôs às empresas necessidades de gestão de fato diferentes, mas também tem feito com que os executivos busquem outras oportunidades. "Muitas vezes o executivo tem experiência e habilidades mais fortes ligadas aos momentos de expansão, de acelerar crescimento da companhia, por exemplo," explica Mario Custódio, diretor da Robert Half.
Nesse caso, em um momento como o dos últimos meses, de economia claudicante em boa parte dos setores, grande parte das empresas passa a ter maior necessidade de profissionais que tenham histórico de ganho de produtividade e eficiência, bem como redução de custos e despesas. Com isso, pode partir da empresa a iniciativa de substituir o executivo, mas também pode vir do próprio profissional, que acredita que aquele ciclo está encerrado para ele ou que não tem a ver com seu perfil e ambições profissionais, acrescenta Rodrigo Forte, da Exec.
Nem sempre a visão sobre que rumo tomar é consensual. De acordo com pessoas próximas ao negócio da CVC ouvidas pela EXAME Invest, a saída de Leonel Andrade, que comandava a empresa desde o começo de 2020, é um exemplo deste embate natural no mundo dos negócios, mas potencializado nos dias de hoje. Nos últimos meses, os acionistas atuais da CVC, do fundo Opportunity, se aproximaram da família Paulus, fundadora da empresa e que estava fora do negócio. A perspectiva da volta dos Paulus à base acionária da CVC levou a uma visão divergente sobre os rumos do negócio.
O entendimento dos fundadores é de que a empresa precisava voltar a focar nas operações de varejo e assistência aos clientes, de acordo com pessoas próximas ouvidas pela EXAME. "Tinha que trocar todo mundo", disse uma pessoa familiarizada com o negócio ao se referir ao alto comando da CVC. Não houve um processo sucessório, mas o acordo para que Guilherme e Gustavo Pualus voltassem à base acionária da empresa levou à indicação de Fabio Godinho para o comando da companhia. Godinho sempre foi braço direito de Paulus e foi vice-presidente de produtos e marketing da CVC entre 2012 e 2014.
Na varejista Marisa, as dúvidas sobre o futuro levaram a trocas sucessivas num curto período de tempo. Com dívidas e um longo trabalho de reestruturação do negócio, a empresa viu vários de seus diretores deixarem seus cargos nos últimos meses. Com um trabalho de negociação com fornecedores e credores em andamento, João Nogueira Batista, que estava no conselho de administração, assumiu como CEO. A favor estava a experiência de finanças de Batista, que trabalhou na Petrobras e compõe o conselho da Braskem. Entre as missões, está o fechamento de mais de 90 lojas deficitárias.
Por enquanto, os especialistas em custos e eficiência estão em alta. Mas os mais recentes indicadores econômicos, no Brasil e no mundo, mostram uma resiliência e um crescimento acima do esperado. Pode ser indício de uma nova onda à frente. Seria a deixa para uma nova leva de trocas, desta vez, para dar lugar aos especialistas em expansão. Ciclos mais curtos de euforia e cautela levariam a trocas ainda mais frequentes. Faltam sete meses para terminar o intenso ano de 2023.
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'Fracasso só é aceito se houver sucesso'
Por trás das mudanças há outro contexto relevante, argumenta Betânia Tanure, sócia-fundadora da consultoria Betânia Tanure Associados: a nova forma de encarar a vida profissional. Segundo ela, em um ambiente de crescimento econômico e desenvolvimento, as pessoas estavam sendo promovidas e conseguindo cargos maiores antes de completar o ciclo anterior e, assim, antes de conseguir vivenciar os benefícios e malefícios das próprias decisões, pois logo mudavam de cargo.
Isso, se somou à pandemia, que trouxe uma outra visão sobre o equilíbrio entre vida pessoal e carreira. "Há um cansaço forte para as pessoas. Pela primeira vez, as pessoas estão rebalanceando as necessidades pessoais e profissionais", observa.
Nesse sentido, a especialista observa que muitos executivos estão vivendo a chamada "síndrome do impostor", com a percepção de que seu sucesso nos anos de crescimento econômico foram anulados pelos desafios e perdas trazidos pela deterioração do ambiente macroeconômico. É uma síndrome que pode afetar até os profissionais mais capacitados. A percepção geral é de que o fracasso só é aceito se for sobreposto por muitos casos de sucesso.
"Esse avanço da síndrome do impostor entre os executivos fragiliza as organizações e ajuda a mudar o ciclo dessas pessoas", diz ela. Assim, muitos executivos têm encerrado mais rapidamente seu tempo de gestão no cargo diante de um ambiente mais complexo de negócios.
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Créditos
Raquel Brandão
Repórter Exame IN
Jornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado