Uma ilha dentro do mercado americano
Temores de uma recessão na maior economia do mundo não foram suficientes para impedir as bolsas americanas de voltarem a figurar entre as mais rentáveis. Em apenas quatro meses, a diferença entre o S&P 500 e o Ibovespa chegou a 14 pontos percentuais. Enquanto o principal índice da B3 caiu 7%, o de Nova York subiu 7%.
Tal disparidade não conta toda a história. A dependência do principal índice de Wall Street por poucas empresas nunca esteve tão grande neste século. De acordo com estudo feito pela The Daily Shot, apenas 32% das ações do S&P 500 acumulam desempenho acima do índice no ano. O patamar é o mais baixo desde 1999. Em 2022, a proporção foi de 58%.
Apesar da alta, nem tudo vai bem no mercado americano e as empresas seguem lutando contra os efeitos da alta de juros, que está no maior patamar desde o pré-crise de 2008. Bancos quebraram, varejistas quebraram. Mas grandes empresas de tecnologia seguem firmes. "Como uma ilha no mercado financeiro", comentou Richard Camargo, analista da Empiricus.
Resiliência e dependência
A resiliência se mostrou verdadeira na temporada de balanços do primeiro trimestre, em que big techs conseguiram manter certo nível de lucratividade ou mesmo aumentar, como foram os casos da Amazon e Microsoft.
Essa diferença entre as big techs e do resto do mercado americano tem reflexo nas bolsas de valores. Se não fosse pelas principais ações do setor de tecnologia, Wall Street estaria no vermelho neste ano. De acordo com levantamento da Avenue, sete ações sozinhas (todas de tecnologia) fizeram o S&P 500 subir 8,7% até o fim de abril, mais do que toda a alta do índice no período.
As contribuições, apontou o levantamento, vieram da Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet, Nvidia, Meta e Tesla, que acumularam ganhos entre 20% e 99% nos quatro primeiros meses do ano. Balanços acima das expectativas para o primeiro trimestre tiveram contribuição nas altas, mas a avaliação de William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, é de que as coisas não vão tão bem quanto parece dentro do setor.
As reações só foram positivas após os balanços, disse Castro Alves, porque os números saíram acima das projeções, que já eram baixas. "Os resultados mostraram desaceleração e perda de margem. Não dá para ficar ultraotimista. O aperto monetário ainda está surtindo efeito. Não à toa, as outras empresas do S&P 500 não estão com performances exuberantes", afirmou.
Rali de segurança
Richard Camargo, da Empiricus, também vê o cenário como de cautela e atribui as recentes altas do setor de tecnologia a um "rali de segurança".
"Nesse cenário, os investidores migram para as empresas em que confiam mais. Um gestor com mandato de investir 100% em ações escolhe as empresas mais resilientes, que servem como proteção de patrimônio. Temos visto as big techs como uma opção mais defensiva para o potfólio", afirmou Camargo.
Segundo o analista, somente as ações da Meta e do Google estão "realmente baratas". Mas são justamente essas empresas, avalia, que estão mais expostas aos sabores da macroeconomia.
"O YouTube vem de três trimestres de perda de receita. Esta é uma ferramenta clássica de marketing digital e os anunciantes estão cortando os investimentos, mesmo já sendo um canal bastante estabelecido. A Meta sofre uma dinâmica parecida e, por questões internas, começou a desacelerar muito antes", explicou Camargo.
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É hora de comprar ou de vender?
Nesse contexto, os analistas avaliam que ainda é cedo para aumentar a aposta nas big techs ou mesmo adicioná-las ao portfólio. Carmargo, inclusive, recomenda a venda de parte dos papéis, caso o investidor tenha se beneficiado das recentes altas do setor.
"Há um aspecto de fim de festa. Então, faz sentido embolsar parte dos lucros", disse Camargo.Castro Alves, da Avenue, também não vê o momento como oportuno para essas empresas. O estrategista-chefe, contudo, avalia que uma maior clareza sobre a política monetária dos Estados Unidos pode ser uma peça-chave para comprar ações do setor.
"Normalmente, quando a taxa de juro começa a cair é o melhor momento para investir em ações, mesmo com a economia ainda em recessão e o desemprego aumentando", afirmou Camargo.
Na decisão de quarta-feira, 3, o Federal Reserve (Fed) voltou a subir sua taxa de juros em 0,25 ponto percentual. Mas ainda que tenha sinalizado uma pausa no ciclo de altas, o Fed não descartou a hipótese de ter que subir os juros de novo.
Segundo Castro Alves, o tempo médio entre o Fed parar de subir juros e começar a cortar é próximo de 6 meses. "Se tiver parado de subir mesmo [na última reunião], o normal seria os cortes virem até dezembro. Mas isso ainda depende de como a economia americana vai responder", disse.
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Créditos
Guilherme Guilherme
Repórter
Formado pela Universidade Metodista de São Paulo. Cobre mercado financeiro na Exame desde 2019. Também trabalhou na revista Investidor Institucional e participou do 9º Focas de Jornalismo Econômico do Estadão.