Volta ao trabalho
Quatro meses após a volta da licença-maternidade, em 2021, Aline Matos* foi demitida. “Após seis anos na empresa, fui demitida em meio a uma reestruturação. Mais duas mães também foram mandadas embora. Hoje, entendo que a licença foi um fator na decisão da companhia”, diz Aline. O caso, infelizmente, não é isolado: 50% das mães são demitidas em até dois anos após a licença-maternidade, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Um dos fatores para que este índice seja tão alto é a falta de letramento dos gestores de modo a não contribuírem com vieses de gênero, nos quais a mulher é vista num lugar de cuidado da família e dos filhos, enquanto o homem é o provedor.
“A mulher costuma ter jornada dupla ou tripla para equilibrar os afazeres do trabalho e da vida doméstica. O que gera uma sobrecarga e questões de saúde mental. Ao mesmo tempo, a maternidade faz com que ela tenha mais resiliência, empatia e outros atributos que deveriam ser valorizados nas empresas”, diz Michelle Levy Terni, co-fundadora e CEO da consultoria Filhos no Currículo.
Para Aline, que oito meses depois da demissão conseguiu se recolocar, muito se fala de equidade de gênero, mas poucas são as oportunidades iguais para as mulheres que têm filhos. “Não é justo ter que abrir mão de algo para crescer profissionalmente”, diz. A percepção dela é verdadeira, uma vez que de acordo com a pesquisa da Filhos no Currículo, 90% dos homens acreditam que a empresa na qual trabalham é um bom lugar para as mães trabalharem, mas apenas 68% das mulheres acreditam na mesma afirmação.
A importância da gestão
Na mesma empresa em que Aline viveu uma experiência ruim, Cláudia Fernandes* foi acolhida após a segunda gestação. “Minha filha nasceu em 2013. No final da gravidez, fiz uma apresentação para a diretora, que gostou das ideias e prometeu uma promoção no retorno. Isto aconteceu e fui muito apoiada pela gestora anterior”, disse Cláudia.
Para ela, a gestora fez toda a diferença. A gravidez de Cláudia aconteceu próximo ao casamento de uma colega de time, que também pensava em engravidar. “Cheguei a sugerir esperar ela engravidar para eu fazer meu planejamento depois, para não termos duas pessoas em licença maternidade. Minha gestora foi imediatamente contra e nos incentivou a seguir com os planos da vida pessoal, garantindo que nosso trabalho continuaria sendo visto e reconhecido”.
Apesar desta boa experiência, na empresa em que Cláudia atua até hoje, a primeira gestação foi bastante diferente. Em 2010, quando o primeiro filho nasceu, a licença-maternidade da companhia em que Cláudia atuava foi estendida de quatro para seis meses. “Fui incentiva a tirar o período todo, mas as coisas mudaram quando voltei. Na véspera do Natal do ano seguinte ao nascimento do meu filho, fui redirecionada para trabalhar alguns dias do mês em outra região do País. Aceitei, com algum descontentamento, e quando voltei das férias coletivas, fui demitida”.
Para ela, o viés do gestor atrapalhou no desenvolvimento de carreira. “Ele tirou várias conclusões durante a minha gestação, como o preconceito de que eu não poderia viajar”. A recolocação no mercado, no entanto, foi rápida e aconteceu em menos de dois meses.
A falta de preparação dos líderes para o momento da gestão e da licença tem impacto direto nos funcionários, conforme mostra a pesquisa da Filhos no Currículo, quando 25% dos pais e mães revelam insegurança nessa fase. Assim como 4 em cada 10 entrevistados tem algum grau de insegurança para dar a notícia da gestação e cuidar de suas necessidades físicas e emocionais. Para Michelle, é preciso mudança nas culturas organizacionais.
“Não adianta fazer uma super reestruturação processual de revisão de políticas se sem inclusão na cultura organizacional, que se traduz na figura da liderança que deve entender a parentalidade como potência”, afirma. A executiva lembra ainda, que um cenário adverso faz não só que as demissões atinjam mães, mas também que elas saiam voluntariamente das companhias. “Para muitas delas, o trabalho na organização perde o sentindo quando não há acolhimento. Isto é uma das causas para o tal do efeito ‘degrau quebrado’ quando cerca de 20% dos cargos de vice-presidência são ocupados por mulheres”.
Os desafios após a demissão
Hoje, Aline e Cláudia estão recontratadas, mas ao compartilhar suas experiências com outras mães, algumas semelhanças foram percebidas. “Apesar de cada mulher ter uma experiência, sinto que a volta ao trabalho, após a licença, é um período difícil. É ali que entendemos como conciliar a vida materna com as tarefas da empresa. Isto traz muita culpa”, diz Cláudia.
Outra questão apontada por ambas é a falta de consistência entre os dias. “Alguns momentos estava muito bem e outros mal. Minha sorte foi ter uma boa estrutura financeira e familiar”, disse Aline. Nesse cenário, ela começou a conversar com outras mulheres e perceber que o cenário é ainda mais desafiador para aquelas que não têm essa rede de apoio. Assim, surgiu a ideia de doar todo o auxílio desemprego assim que fosse recontratada. “Escolhi a Cruzando Histórias para direcionar essa verba para mães que estão em situação de vulnerabilidade”.
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Como ter uma empresa acolhedora para mães
A empresa de tecnologia e meios de pagamentos Cielo promove algumas ações de apoio à parentalidade, entre elas o programa Sementinha, iniciado em 2017, para dar suporte, apoio e orientação às mulheres gestantes, sejam elas funcionárias ou companheiras dos funcionários.
Até o quarto mês do bebê, as mulheres têm auxílio psicológico e nutricional, trilha de conteúdo sobre parentalidade. Os homens também são envolvidos em guias para sanar dúvidas e rodas de conversa.
“Tratamos isso como um compromisso com as mulheres e a equidade de gênero no mercado de trabalho. Queremos acolher e apoiar as profissionais mulheres para que não sintam que precisam escolher entre ser uma boa profissional e uma boa mãe. Isso faz parte da nossa cultura organizacional”, diz Patrícia Coimbra, head de gente, gestão e performance.
A executiva comenta ainda outros benefícios como licença de 20 dias para pais e de 180 dias para mães, e modelo de trabalho híbrido. Com as iniciativas, houve 30,8% de redução no turnover das mães, e aumento de 51% nas inscrições no programa na comparação entre 2021 e 2022. “Neste período foram 7 rodas de conversas para mais de 800 pessoas”, diz Patrícia.
Influenciar a mudança
Para influenciar o mercado, a Filhos no Currículo, em parceria com a B2Mamy, lançam o Movimento Ser Mãe Dá Trabalho.
Por meio da plataforma bit.ly/sermaedatrabalho serão divulgadas vagas oferecidas pelas empresas participantes do Movimento, como uma espécie de vitrine de oportunidades de trabalho em ambientes que ofereçam benefícios considerados positivos para mães, a exemplo de flexibilidade e licenças estendidas.
As candidatas que visitarem a plataforma também terão acesso gratuito à conteúdos de capacitação para a reinserção no mercado de trabalho com o apoio do LinkedIn Brasil, além de acesso a uma comunidade de mães para acolhimento e trocas sobre carreira e filhos como potência no currículo.
Já as empresas interessadas em aderir ao Movimento poderão participar por meio de assinaturas semestrais. Essa parceria vai incluir ações como a capacitação da liderança contratante, boas práticas sobre os vieses da maternidade para recrutamentos mais inclusivos e o mapeamento do bem-estar parental.
“Em um cenário de demissões em massa, por exemplo, temos visto o impacto na diversidade. É preciso pensar em garantir a equidade também nos processos de recontratação, e o Movimento tem a intenção de criar ambientes melhores para as mães e, consequentemente, para todos”, finaliza Michelle.
*Os nomes foram alterados para preservar a segurança das mulheres.
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Créditos
Marina Filippe
Repórter de ESG
Mestre em Ciência da Comunicação pela USP. Na EXAME, desde 2016, escreveu em negócios, gestão e sustentabilidade. Foi finalista dos prêmios de Jornalismo Inclusivo e Comunique-se, e reconhecida entre os Mais Admirados da Imprensa.