A luta pelo aleitamento materno criou leis e ganhou cor
Com a Semana Mundial do Aleitamento Materno, celebrada entre 01 e 07 de agosto, este mês ganhou cor e ficou conhecido como o “Agosto Dourado”, uma simbologia ao padrão ouro de qualidade do leite materno - que significa que nenhum alimento é tão perfeito como o leite materno para alimentar o bebê nos primeiros anos de vida.
O incentivo à amamentação está focado na sobrevivência, proteção e desenvolvimento da criança por meio do aleitamento, seja em casa, em ambientes públicos ou durante o trabalho. Políticas impediram por muito tempo com que muitas mulheres amamentassem seus filhos em espaços públicos, mas esse direito que assegura a saúde da criança é estabelecido por lei e hoje muitos estabelecimentos, inclusive empresas, estão com iniciativas para promover o aleitamento materno.
Inclusive, este é o tema da campanha da OMS (Organização Mundial da Saúde) e da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) deste ano: “Vamos fazer a amamentação no trabalho funcionar”.
Quando surgiu a Semana Mundial do Aleitamento Materno?
Na década de 90, as mulheres começaram a ganhar mais espaço no mercado de trabalho. Em 1991, 18% das famílias eram chefiadas por mulheres, segundo o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Com esse mudança social, algumas necessidades foram sentidas, como conciliar a amamentação com a rotina de trabalho.
A primeira ação de incentivo à amamentação foi estabelecida em 1990 pela UNICEF e OMS. A agências criaram um documento que ficou conhecido como “Declaração de Innocenti” sobre a Proteção, Promoção e Apoio ao Aleitamento Materno, que definiu uma agenda internacional com metas para a ação.
Em 1991, para apoiar o cumprimento dos compromissos assumidos pelos países após a assinatura da Declaração, foi criada a Aliança Mundial de Ação Pró-Amamentação (WABA). Para marcar esse movimento, a WABA estabeleceu a Semana Mundial de Aleitamento Materno, que todos os anos é celebrada entre os dias 01 e 07 de agosto.
A Semana define todos os anos um tema a ser explorado e lança materiais que são traduzidos em 14 idiomas com a participação de cerca de 120 países. Neste ano, a Campanha tem relação direta com o mercado de trabalho “Vamos fazer a amamentação no trabalho funcionar”.
Neste contexto, empresas criam políticas de incentivo à amamentação, reforçando o propósito de cuidado de mãe e filho e a equidade de gênero nas companhias.
“A ideia da campanha deste ano é estimular medidas como licença maternidade remunerada, pausas no expediente e uma sala onde as mães possam extrair leite”, afirma Stephanie Amaral, Oficial de Saúde do UNICEF Brasil.
Tanto a OMS quanto a UNICEF recomendam que o aleitamento materno seja o único alimento para bebês até os 6 meses de idade, sendo estendido, se possível, até os 2 anos ou mais em combinação com alimentação complementar saudável.
“A taxa de aleitamento materno exclusivo no Brasil era de 45,8% em 2019. No mundo, é muito parecida, de 48%. A nossa meta global é que a taxa de aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de vida alcance 50% até 2025 e 70% até 2030,” diz Amaral.
Qual Lei defende a amamentação no Brasil?
A luta das mulheres para amamentar seus filhos é antiga, mas muitas conquistas já podem ser percebidas tanto na sociedade quanto no ambiente de trabalho - e as atualizações das leis comprovam isso.
A primeira Lei foi estabelecida em 1º de maio de 1943, com o decreto-lei 5452 que corresponde à CLT. Nesta Lei, o artigo 396 assegura a amamentação no ambiente de trabalho.
Mas com o objetivo de busca conscientizar a população sobre esse direito, em 2017, com a Lei 13.435, agosto foi considerado o Mês de Aleitamento Materno e recebeu o marco de “Agosto Dourado”, destacando o padrão ouro de qualidade do leite materno e buscando conscientizar a população sobre esse direito.
Em 2019, a Lei nº 13.82 garantiu o direito de amamentar durante a realização de concursos públicos na administração pública direta e indireta dos Poderes da União. No mesmo ano, o Projeto de Lei 1654/19, foi aprovado, determinando que o aleitamento materno é direito das mães e das crianças, exercido livremente em espaços públicos e privados de uso coletivo, vedado qualquer tipo de constrangimento, repressão ou restrição ao seu exercício.
“O Código Penal já previu o crime de ato obsceno em uma época em que o patriarcalismo não era questionado e a amamentação em público poderia ser considerada um ato obsceno. Hoje, contudo, com os avanços da luta das mulheres por igualdade de direitos, não há restrição à amamentação em locais públicos e privados,” afirma Marcelo Mascaro, advogado trabalhista.
Atualmente, as mulheres que trabalham e amamentam contam com dois direitos que as empresas precisam se atentar:
1 - Intervalo para amamentação no horário de trabalho: Para amamentar seu filho, inclusive se advindo de adoção, até que este complete 6 meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a 2 descansos especiais de meia hora cada um. Esse período de descanso deve ser definido em acordo entre ela e o empregador, afirma Mascaro.
“Assim, é possível que de comum acordo ambos concordem que no lugar de ela fazer dois intervalos durante o horário de trabalho para a amamentação, ela possa sair mais cedo.”
2 - Um local no estabelecimento do empregador onde possa ficar seu filho no período da amamentação: conforme o artigo 389, § 1º, da CLT, o advogado esclarece que os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de idade deverão ter local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação.
“Se a empresa não mantém esse local, a funcionária poderá pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho e receber todas as verbas de uma dispensa sem justa causa”, diz Mascaro.
A experiência do retorno ao trabalho após o nascimento de um filho pode ser um momento preocupante para as famílias, já que muitas mães têm dificuldade em amamentar pelo período recomendado. Segundo a OPAS, mais de 500 milhões de mulheres trabalhadoras em todo o mundo carecem de medidas adequadas de proteção à maternidade.
Entretanto, algumas empresas, inclusive no Brasil, buscam mudar essa estatística.
Veja também
Kimberly-Clark criou uma política de viagem especial para as mães que amamentam
A Kimberly-Clark, multinacional norte-americana de produtos de higiene pessoal, realiza ações de apoio às profissionais mães em diferentes fases de suas vidas.
Nesse contexto, a companhia oferece uma cultura de flexibilidade para mães funcionárias, que somam 727 profissionais no Brasil, por meio de um programa de acompanhamento materno, com benefícios como:
- Uma enfermeira dedicada para a gestante;
- Licença maternidade estendida de quatro para seis meses;
- Salas de amamentação no escritório de São Paulo e na planta de Suzano;
- Política de viagem a trabalho para lactantes com filhos de até 12 meses. Neste caso, se as mães desejarem viajar a trabalho, elas podem levar a criança e um acompanhante (com despesas pagas pela companhia), para apoiá-las e garantir que esse vínculo seja mantido.
"Acreditamos que todos os bebês merecem o melhor começo de vida possível e que a amamentação é a melhor maneira de fornecer essa base. Estamos empenhados em apoiar mães e famílias em sua jornada e temos orgulho de oferecer recursos para as nossas colaboradoras", afirma Marina Yabor, Diretora de Recursos Humanos da Kimberly-Clark América Latina.
Avvale Brasil cede horas livres para amamentação nos dias de trabalho presencial
Avvale Brasil, empresa de tecnologia que promove a transformação digital, criou o Techmommy, programa da dedicado a dar o apoio necessário para as mulheres que almejam o crescimento da família e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento da carreira.
O principal objetivo do Techmommy é garantir que todas as mulheres do grupo, independentemente do tipo de contratação, tenham os mesmos benefícios dentro da empresa, como:
- Licença-maternidade de 4 meses mesmo para as contratações de pessoas jurídicas;
- 10 dias de licença-paternidade;
- Auxílio creche até 2 anos da criança, inclusive para os funcionários que participam de processos de adoção;
- Licença-maternidade de um mês para mães e 10 dias para pais que perderam seus bebês.
Na volta ao trabalho, que funciona de forma híbrida, há a flexibilidade para amamentação, quando são cedidas duas horas livres para amamentar o bebê nos dias em que tiver que ir ao escritório.
“Fui criado por uma mulher que foi mãe, trabalhadora e que sempre me ensinou que era preciso enfrentar toda discriminação para promover mudanças efetivas. Portanto, sempre tive uma visão progressista das mulheres no local de trabalho”, Vitor Amendola de Souza, Co-CEO da Avvale no Brasil.
Para o executivo, cabe aos que estão na posição de liderança quebrar preconceitos ainda existentes sobre esse assunto.
"Precisamos ser mais proativos nas nossas ações, encorajar nossas colegas a buscar oportunidades que ajudarão suas carreiras, bem como promover e defender as mães que trabalham. Precisamos garantir um ambiente organizacional que cultive uma cultura de cuidado”, afirma Souza.
Banco Mercedes-Benz cria lactário em sua nova sede
O Banco Mercedes-Benz mudou de sede em 2022 e atendeu a várias reivindicações dos funcionários para se tornar um local mais acolhedor, que fugisse do modelo de escritório convencional. E uma dessas reivindicações foi ter um lactário.
“Temos um lactário equipado com uma cadeira confortável, uma pia e um frigobar, onde as mães que estão amamentando podem tirar seu leite e armazená-lo até a hora que for para casa”, diz Georgina Santos, gerente de recursos humanos do Banco Mercedes-Benz do Brasil.
O lactário só existe no escritório da sede em São Bernardo do Campo. Nos demais estados (Recife e Porto Alegre), a gerente de RH comenta que as funcionárias fazem trabalho externo na maior parte do tempo, e podem administrar o seu horário.
A empresa, que também oferece licença maternidade de 6 meses, busca com o lactário promover um ambiente inclusivo:
"Entendemos que a empresa deve sempre prover um ambiente de trabalho adequado e inclusivo aos seus colaboradores. É muito importante que, na necessidade de ir ao escritório, a mãe lactante tenha a possibilidade de poder contar com um local reservado e higiênico para retirar seu leite e ter um local apropriado para armazená-lo até a sua saída", diz Santos.
Cielo tem redução de 30,8% de rotatividade devido às ações de apoio às mães do seu time
A Cielo, empresa de meios de pagamentos, tem o programa chamado “De Bem Com a Vida” (DBCV), que existe há 19 anos e é responsável pelas iniciativas de bem-estar da empresa. Um dos projetos é o Sementinha, lançado em 2017, que é estruturado para oferecer acolhimento, suporte, apoio e orientação às gestantes da empresa, que conta com uma média de 161 participantes. O Sementinha oferece ações exclusivas para as gestantes, como:
- Monitoramento da gestação com diversas especialidades, como auxílio psicológico e nutricional;
- Auxílio psicológico e nutricional com programa de apoio pessoal;
- Auxílio creche ou babá até completar 2 anos;
- Apoio e licença parental para casais homoafetivos;
- Sala de apoio à amamentação com estrutura física e kit completo para coleta de leite.
"Promover ações de acolhimento e suporte para as gestantes e mães, é de extrema importância para nós. Sabemos que as mulheres ainda enfrentam um cenário desfavorável no mercado de trabalho, e o projeto Sementinha surge para apoiar a promoção de igualdade de gênero, buscando ajudar as mães colaboradoras a manterem seu espaço no mercado de trabalho com todo apoio possível,” afirma Patrícia Coimbra, Vice-Presidente de Gente, Gestão e Performance da Cielo.
Dentre os resultados da empresa, houve 30,8% de redução turnover das mães e aumento de 51% nas inscrições no comparativo entre 2021 e 2022, afirma Coimbra. Além dessa área, a Cielo oferece treinamentos e capacitações para liderança para que possa prestar este cuidado e acolhimento para as mães e futuras mães da empresa.
“Temos o histórico de promoção de mulheres mães durante a licença maternidade. Apenas em 2022, a empresa teve 22,7% de mães reconhecidas com mérito e promoção”, afirma Coimbra.
Qual é a importância do leite materno para a criança?
O “Agosto Dourado” foi criado em 2017 no Brasil em referência ao padrão ouro do leite materno. Esse padrão significa que, em termos de comparação com outros alimentos, o leite materno é o mais perfeito para alimentar o bebê nos primeiros anos de vida. Exclusivamente, nos primeiros seis meses, tem tudo que o bebê precisa, desde água até nutrientes necessários para promover um crescimento saudável.
“Além de ser um alimento completo, ele é específico para aquele bebê. Por exemplo, se você tem uma mãe de um bebê que nasce prematuramente com 29 semanas, a composição desse leite é diferente da composição de um leite de um bebê que nasce aos 9 meses, mostrando as particularidades de cada leite, que inclusive é influenciado pela alimentação materna durante a gestação”, afirma Renato Kfouri, pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira Imunizações (SBIm).
Há outras vantagens do aleitamento para mãe e para o filho, segundo Kfouri, como:
- Para mãe: durante a contração da mama, a solução libera o hormônio citocina que contrai o útero diminuindo hemorragias e oferecendo menor risco de câncer de mama e de útero;
- Para o bebê: menos infecções, menos diarreias, menos otites, mais anticorpos e menos doenças de uma maneira geral.
“A amamentação influencia até no QI do bebê, sem falar de redução de risco de diabetes, de colesterol e de obesidade. São inúmeras vantagens físicas e emocionais que fazem da amamentação ter o padrão ouro em vários sentidos e por isso ela precisa ser estimulada”, diz Kfouri.
A criança deve ser amamentar até que idade?
A amamentação deve começar na sala de parto, de acordo com o pediatra. Se recomenda que a primeira sucção deve ser feita ainda na sala de parto para estimular exatamente a contração do útero e a descida do leite, e deve ser exclusivo até os seis meses de idade.
“Após os seis meses, podemos introduzir a alimentação complementar, ou seja, além do leite materno, outros alimentos. E até dois anos é o recomendado para a amamentação, não há um limite. A gente sabe que hoje é difícil as mulheres que trabalham amamentar por seis meses, imagina por dois anos, mas o ideal é que se consiga”, afirma Kfouri.
Mas é bom lembrar que nem sempre ocorre uma amamentação com sucesso. Se caso a mãe não conseguir amamentar porque o leite foi insuficiente na sua produção ou se a criança não desenvolveu um ganho de peso adequado, o médico fala que a mãe não deve se sentir culpada:
“Mesmo com técnicas adequadas e com boa orientação, em muitos casos há o insucesso no processo de amamentação, e a mãe precisa ser acolhida sem nenhuma culpa. E neste caso é importante que esse processo de aprendizado seja construído com uma rede de apoio, não só na família, mas de legislação de licença maternidade por mais tempo e por acompanhamento médico,” diz Kfouri.
- Para as mães que não tem leite, qual é a opção ideal?
Para quem não consegue amamentar, exclusivamente, se propicia um desenvolvimento adequado por meio de fórmulas infantis, afirma o pediatra.
“São fórmulas derivadas das proteínas do leite de vaca, feitas obviamente de forma industrial com outros nutrientes que tentam chegar perto na composição química do leite materno, mas não alcançará o benefício dos anticorpos do leite que a mãe traz.”
Crianças que tem intolerância à lactose, podem tomar leite materno?
Para os casos de APLV (Alergia a Proteína do Leite de Vaca), essas crianças normalmente têm sintomas de pele urticárias ou sintomas intestinais, como sangramento pelas fezes e muita cólica, diz o médico.
“Mesmo nas crianças que amamentam só de leite materno, a mãe quando consome leite de vaca, passa para a criança algumas dessas proteínas do leite de vaca pelo leite. E neste caso, costumamos suspender o leite de vaca da alimentação da mãe para não fazer mal à criança.
Já para as crianças que estão com fórmula e não tem mais leite materno, o médico comenta que é recomendado usar fórmulas isentas de proteína do leite de vaca.
Há outra doença que é conhecida como “intolerância à lactose”, que não tem relação com a alergia.
“É uma enzima intestinal que não digere a lactose. Isso não é um problema do bebê pequeno, porque quem tem intolerância à lactose não tem problema de mamar leite materno, é uma doença da criança mais velha e às vezes até do adulto”, diz o médico.
Compartilhe este artigo
Tópicos relacionados
Créditos
Layane Serrano
Repórter
Formada em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Com experiência em comunicação corporativa, produção de TV e redação, ajudou na estreia da CNN no Brasil e atualmente escreve sobre Carreira e Negócio na Exame