Caixa recorde e obras paradas
Onze bilhões de reais. Esse é o dinheiro que a cidade de São Paulo tem em caixa para usar em investimentos até o fim deste ano, um recorde. O prefeito da maior metrópole do país, Ricardo Nunes (MDB), diz que isso só foi possível porque ele “fez o que tinha de ser feito”. Nesse contexto está uma série de medidas potencialmente impopulares, sendo uma das mais polêmicas a reforma da Previdência Municipal, aprovada em 2021.
Entre projeto e execução, há um tempo geralmente longo no setor público, que nem sempre atende os anseios e as necessidades da população. Há um mês, a gestão de Nunes apresentou a reformulação do Programa de Metas, foi criado ainda quando Bruno Covas (PSDB) era o prefeito — ele faleceu em maio de 2021. Nunes ampliou de 77 para 86 as metas, com eixo central na redução das desigualdades e na criação de um ambiente com oportunidades mais justas. Até agora, foram cumpridos 17% do plano.
No plano de metas paulistano, há a previsão de construção de dois eixos de BRT, um sistema de corredores exclusivos de ônibus que dá mais agilidade ao deslocamento no transporte público, além de ser uma alternativa mais barata e rápida de construção se comparada com linhas de metrô.
Mas a ideia de tirar o projeto do papel em um tempo mais curto nem sempre é uma realidade. A construção do BRT da Radial Leste, por exemplo, está paralisada desde janeiro por determinação do Tribunal de Contas do Município (TCM), que encontrou possíveis irregularidades no edital de contratação.
A prefeitura reclama da morosidade do processo. Philippe Duchateau, assessor de controle externo do TCM, defende a atuação do órgão. “Nos últimos três anos só 44 editais foram parados pelo TCM, e atualmente temos só dez. O tempo médio que os editais ficaram suspensos foi de 62 dias”, afirma. Nunes rebate dizendo que chega até a pagar segurança privada para obras que estão paradas.
Déficit habitacional de 369 mil residências
A maior cidade do país tem um déficit habitacional de 369.000 residências, segundo dados do Plano Municipal de Habitação. Estudos avaliam que pode chegar a 1 milhão em 2030. Além disso, muitas famílias vivem em condições precárias ou em ocupações irregulares. Outras grandes cidades também lidam com essa realidade. “O problema da habitação é urgente, e é um tema transversal. A favela está se verticalizando, e isso gera mais demanda por saúde, educação e saneamento básico”, diz o urbanista Nabil Bonduki, que foi relator do Plano Diretor de São Paulo, aprovado em 2014.
O Plano Diretor estabelece diversos parâmetros e metas para resolver os problemas urbanísticos da cidade. Uma revisão do texto está em discussão na Câmara de Vereadores e tenta equacionar a falta de moradia. Na avaliação de Bonduki, muitas propostas relacionadas à moradia que já estão no texto atual da cidade de São Paulo nem chegaram a ser implementadas. “Estava prevista a requalificação de áreas de periferia, reurbanizando assentamentos, algo que não foi feito”, explica.
A falta de moradia e a pandemia de covid-19 agravaram outro problema correlato: a população em situação de rua. Essa não é uma realidade apenas paulistana, mas é na cidade em que o contexto é mais dramático. No último censo realizado pela própria prefeitura, em 2021 pouco mais de 31.000 pessoas não tinham onde morar na maior cidade do Brasil. Em todo o país, são pouco mais de 180.000, segundo dados do Ipea.
Nunes diz que já entregou 5.962 moradias e que há mais 18.200 em construção, que serão entregues até o fim de 2024. "Algumas devem ser entregues antes, conforme ficarem prontas. Há ainda o programa Pode Entrar, com 45.000 unidades. Só que este projeto está parado no Tribunal de Contas", reclama.
1.000 pessoas na Cracolândia
Uma das manifestações mais visíveis da falta de moradia em São Paulo é a Cracolândia. Localizada no centro da cidade, a região é marcada pelo consumo de drogas, prostituição e violência, abrigando grande número de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Para além do tráfico, muitos dos que vivem na Cracolândia são pessoas sem moradia, que buscam refúgio e apoio naquela área.
Segundo cálculos da prefeitura, atualmente vivem cerca de 1.000 pessoas em ruas do bairro Santa Ifigênia. Mas já foram mais de 4.000. "Nós desapropriamos a região, demolimos, fizemos construções e enfrentamos uma verdadeira batalha. Hoje não tem feira, não tem balança, e tem presença policial. A Cracolândia se espalhou um pouco, mas foi necessário. O prazo para resolver eu não posso garantir, mas o que eu posso garantir é que tanto eu quanto o governador Tarcísio [de Freitas, do Republicanos] não vamos desistir, vamos persistir até chegar a uma solução", diz Ricardo Nunes.
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De olho na reeleição: apoio de Bolsonaro
Ricardo Nunes assumiu a prefeitura em maio de 2021, após a morte de Covas, vítimas de câncer. “Estávamos preparados para a possibilidade de ter alguns dias de afastamento dele”, conta o prefeito, revelando que nos bastidores não se trabalhava com a possibilidade do falecimento de Bruno Covas.
Ainda abalado, o vice se tornou prefeito e enfrentou logo de cara a pandemia de covid-19. Pouco tempo depois, eleições nacionais polarizadas e reformas potencialmente impopulares. “Candidato natural à reeleição”, como ele mesmo diz, o emedebista quer colocar toda a cidade em obra e fazer frente à popularidade de Guilherme Boulos, líder nas pesquisas eleitorais e principal oponente. Para além disso, busca alianças.
Apesar de se declarar de centro, ele faz alguns movimentos mais à direita. Quer manter o PL na sua base e, ao mesmo tempo, atrair o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). "Não pedi apoio ao ex-presidente Bolsonaro, mas conversei com o presidente nacional do PL, o Valdemar Costa Neto", diz.
No encontro, não foram discutidas exatamente alianças, mas possibilidades para 2024. "O presidente do PL aqui de São Paulo, lembrando que a eleição é municipal, tem declarado abertamente que deseja continuar conosco no nosso projeto. Mas sabe como é: política é igual nuvem, cada hora está de um jeito", afirma.
Perfil alinhado ao centro
Questionado em qual posição está no espectro político, Nunes diz que é de centro. "É verdadeiramente de centro. Sou uma pessoa de centro que dialoga com todo mundo, seja de esquerda, de centro, seja de direita", afirma.
Para ter essa habilidade de conversar com partidos de outros pontos de vista, coloca na bagagem os oito anos em que ocupou uma cadeira de vereador na Câmara de São Paulo. Nos próximos meses, quer mostrar aos paulistanos que está preparado para disputar à reeleição e, mais do que isso, expor sua personalidade como gestor.
"Eu sou empresário, então é sempre aquele foco de ter metas, cobrar resultados e exercer liderança. E exercer a liderança é dar o exemplo. Eu sou o primeiro a chegar e o último a sair", diz.
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Créditos
Gilson Garrett Jr.
Repórter de Lifestyle
Formado pela PUCPR, com especializações em Relações Internacionais, Modelo de Negócios e Mercado de Capitais. Por 9 anos escreveu sobre enogastronomia, cultura e turismo na Gazeta do Povo. Desde 2020 na EXAME, cobre lifestyle.