O que é ILPF?
Imagine que no mesmo hectare é possível planejar um calendário rotativo em que o boi se alimenta do pasto e se refresca na sombra do eucalipto. Quando animal segue para o abate, onde havia pasto é feito o plantio de grãos, como soja e milho. Enquanto isso, o eucalipto continua crescendo em seu ciclo de sete anos até a colheita. Também é a floresta que faz a captura do dióxido de carbono e do metano, permitindo que a atividade agropecuária seja mais sustentável. No fim dos ciclos, são três atividades rentáveis dentro da mesma área produtiva.
A relevância da ILPF para a agropecuária levou à criação, em 2013, da Política Nacional de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, inclusive pelo fato de a tecnologia compor o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC e ABC+).
Na avaliação de Isabel Ferreira, diretora-executiva da Rede ILPF, garantir a segurança alimentar pela ótica preservacionista é uma das prioridades do sistema produtivo. “A gente tem visto que é o momento da ILPF, com aumento de produtividade, sem avanço exploratório da terra e isso está começando a adentrar o discurso público”, diz em entrevista à EXAME.
Na safra 2020/2021, dados mais atuais da Rede ILPF, a área consorciada correspondia a 17,4 milhões de hectares, sendo 83% em sistemas ILP (agricultura e pecuária). É um avanço se comparado a dez anos atrás, mas pouco perto dos 80 milhões de hectares de área degradada que há no País. Ainda assim, da safra 2015/2016 até 2020/2021, houve um aumento de 52% de áreas com ILPF no Brasil.
Quais são os benefícios da ILPF?
Durante visitas a campo para construir um diálogo com agricultores e pecuaristas, Isabel Ferreira afirma que a primeira questão a ser levantada por eles é sobre o benefício financeiro. Para isso, o argumento é que diversificar ganhos econômicos diante de um cenário de oscilação de preços é uma estratégia para diminuir os riscos de uma empresa rural.
Pela ótica ambiental e agronômica, há mais resiliência de todos os componentes, como a fixação de carbono no solo e a redução de gastos com insumos. Além disso, as árvores são interpretadas como uma poupança, já que o ciclo produtivo é mais longo. “Todo mundo está preocupado com a questão social e ambiental. Temos que mostrar na ponta do lápis que a ILPF é rentável”, diz Isabel.
Paulo Herrmann, consultor do agronegócio e ex-presidente da John Deere, afirma que o sistema integrado contribui diretamente para o conforto térmico do gado. Isso se traduz em benefício para o animal e também para o frigorífico que terá uma carne de melhor qualidade.
"Tem um trabalho da Embrapa que mostra uma diferença de temperatura entre 4°C a 5°C se comparado um animal criado a campo aberto comparado àquele de celeiro em ILPF. O gado que fica na sombra apresenta mais bem-estar, melhor capacidade de alimentação e menos estresse", afirma Herrmann.
Área de ILPF com árvores à esquerda e plantio de milho à direita. Crédito: Breno Lobato/Embrapa
Quais os desafios da ILPF?
Embora a adoção esteja em crescimento, o país ainda possui um grande potencial de aumento do uso da tecnologia, sobretudo em áreas de pastagens degradadas. Segundo estudo do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), em 2021, havia 69 milhões de hectares pastagens com degradação moderada ou severa no país. Para dar uso devido a esta terra, três gargalos precisam ser superados: Financiamento, capacitação e a barreira cultural.
Implantar o sistema é uma mudança de paradigma na fazenda, pois geralmente um novo componente produtivo é incluído. Com isso, calendários de safra e formas de financiamento diferem entre as atividades. O ponto levantado por Isabel Ferreira é que o próprio sistema de financiamento precisa estar mais atualizado sobre mecanismos que viabilizem a tríplice produção.
“Tem que existir algum tipo de financiamento que o proprietário se sinta beneficiado por estar incentivando a sustentabilidade. Não dá para colocar todo o ônus só para o produtor”, comenta Isabel Ferreira.
A falta de capacitação não apenas do produtor rural, mas de agrônomos e extensionistas dificulta a compreensão e adoção da integração. A diretora-executiva da Rede ILPF aponta que este é um gargalo a nível nacional, pois “o conhecimento não está sedimentado em camadas”.
Por exemplo, ela cita a aptidão da ILPF em áreas do Espírito Santo e Bahia que conflita com a ausência do conhecimento técnico em campo. Como proposta de solução, Isabel indica a implantação de Unidades de Referência Técnica (URTs) da Embrapa para disseminar conhecimentos com enfoques regionais.
Ainda há a questão da barreira cultural, muito forte no campo, quando o assunto é inserir o componente florestal na produção. Enquanto alguns produtores não enxergam a rentabilidade da árvore no sistema, outros acreditam que apenas o eucalipto cabe na integração.
“A ILPF precisa ser avaliada de região para região, não há uma receita de bolo. Há lugares que o eucalipto é viável e tem logística, mas em outros locais é possível entrar com espécies nativas, por isso a importância do conhecimento técnico”, afirma Isabel.
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Exportação da tecnologia
Em um cenário de preocupação sobre a segurança alimentar e mais transparência das cadeias produtivas, a ILPF tem sido vista como mecanismo que pode agradar gregos e troianos. Da decisão da União Europeia de condicionar as importações ao desmatamento zero à ampliação da produção de grãos, fibras e alimento em países da África.
“Nosso cenário é o melhor possível: Mudança de governo, atenção internacional com a questão climática e o ILPF trazendo certificações para oportunidades de negócio”, resume Isabel Ferreira ao contar que a tecnologia deve ser introduzida em áreas produtivas da Colômbia e de Portugal.
Enquanto isso, uma missão da Embrapa ao Senegal busca contribuir para a construção de uma barreira de contenção do deserto do Saara, cruzando a região norte do continente africano, de leste a oeste. A ideia da chamada ‘grande muralha verde africana’ é ter uma faixa com cerca de 8 mil quilômetros de extensão e de 15 quilômetros de espessura com árvores.
Laurimar Vendrusculo, chefe-geral da Embrapa Agrossilvipastoril, esteve no Senegal e aponta que tecnologias como a ILPF podem ser validadas no país africano. “A Embrapa Agrossilvipastoril, pela sua expertise em sistemas integrados, terá atuação importante metodologicamente, bem como poderá auxiliar com as questões de agroecologia e restauração de ecossistemas em conjunto com outros centros de pesquisa”, afirma.
Agricultores de Senagal em potencial área para implantação da ILPF. Crédito: Laurimar Vendrusculo/Embrapa
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Créditos
Mariana Grilli
Repórter de Agro
Graduada em Jornalismo com especialização em Agronegócios pela FGV. Trabalhou como repórter na Rádio Jovem Pan e na Revista Globo Rural. É vencedora do 2° Prêmio GTPS de Jornalismo e do Prêmio Rede ILPF de Jornalismo.