Cenário brasileiro
Até a laranja chegar ao supermercado ou se tornar o suco do café da manhã, uma árdua batalha agronômica é travada longe dos olhos do consumidor. O motivo? Greening, uma doença que atinge os frutos, provocando o risco de destruição de todo o pomar. Não apenas no Brasil, mas em 129 países, o que põe em discussão o futuro da citricultura mundial.
Para se ter uma ideia, entre 70% e 80% do suco de laranja do mundo é proveniente do Sudeste brasileiro. No entanto, de acordo com o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) – entidade privada sem fins lucrativos dedicada à pesquisa pública – a doença subiu 56% entre 2022 e 2023, em todo parque citrícola de São Paulo e Triângulo/Sudoeste Mineiro, principais regiões produtoras.
Atualmente, são 77 milhões de árvores infectadas do total de quase 203 milhões de laranjeiras no cinturão produtivo. “Nada é comparável ao greening. Então, a gente declarou guerra contra a doença e fizemos um trabalho muito forte de estudo”, diz Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus.
A doença é causada por uma bactéria transmitida pelo inseto psilídeo, que se reproduz entre 14 e 30 dias, dependendo da época do ano. No Brasil, onde o inseto foi detectado em 1942, o clima favorável para os citros, com chuva e temperatura adequadas, também contribui para a condição ideal de propagação do greening.
A partir do momento que o inseto está contaminado e se alimenta de uma planta, ela demora de 6 a 8 meses para perder produtividade. A cada 100 laranjas produzidas, em torno de 22 frutas caem no chão. O greening é responsável por cerca de 5% delas. Isso significa que em um parque citrícola que pode produzir 310 milhões de caixas, de 12 a 15 milhões de caixas não são colhidas. Ao considerar a cotação de R$ 50 por caixa, são mais de R$ 600 milhões perdidos por causa da doença.
“Se antes a planta produzia 100 quilos de laranja, ela vai produzir somente 20 quilos. A planta não só reduz a produção, mas perde qualidade, sendo amarga e menor. Está cada vez mais difícil erradicar o problema e salvar o pomar”, Ayres afirma.
É o que está acontecendo no estado da Flórida, nos Estados Unidos, que junto a São Paulo e parte do México formam os principais fornecedores de laranja para a indústria global.
Na Flórida, a produção, em 20 anos, caiu de 240 milhões de caixas de laranja de 40,8 quilos para 20 milhões. “Se nosso principal concorrente agora colhe só 10% do que já produziu, essa história é real. O setor pode colapsar, como foi lá, em menos de duas décadas”, diz o gerente da Fundecitrus.
Epidemia do greening
Em 2002, a Flórida registrava perda de 15% nos pomares, índice ainda considerado aceitável. Porém, em 2023, o prejuízo pode chegar a 90% da área. “Os americanos investiram US$ 2 bilhões em pesquisa, mas nem tudo você resolve na velocidade necessária”, diz
Por se tratar de inseto e bactéria, a transmissão voa com o vento — literalmente. Por isso, o problema é considerado uma epidemia, atingindo outras regiões produtoras na Califórnia, Inglaterra, Espanha, África do Sul, República Dominicana, México, e assim foi mudando de país.
Hoje, o problema está concentrado nas Américas. Ao longo dos anos, o greening passou por Uruguai, Paraguai, Argentina, até chegar no Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo.
A cadeia produtiva da laranja gera US$ 15 bilhões por ano em divisas para o Brasil, a partir do trabalho de 350 municípios. Por isso o setor se organiza para não repetir o que se passa na Flórida.
“[Os produtores norte-americanos] se forem para o Sul é pântano, ao Norte, é geada e, aos lados, é mar. Então, eles não têm saída. O único país no mundo que desenvolveu protocolos de manejo é o Brasil e, por isso, precisamos de uma ação coletiva de manejo dos produtores”, afirma diz Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus.
Do ponto de vista científico, há um consórcio do Fundecitrus com os países produtores, pois clientes como Europa e Ásia querem saber qual a capacidade brasileira de continuar fornecendo o suco de laranja.
Questionado sobre este assunto pela EXAME Agro, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, diz que o estado da Califórnia também estuda algumas moléculas curativas ao greening aqui no Brasil, além de pesquisas já desenvolvidas por entidades como Embrapa e FAPESP.
“Dentro do Ministério da Agricultura, isso é prioridade número um. Toda molécula que se mostrar eficiente no combate a essa praga terá prioridade de aprovação, para que a gente possa garantir aos produtores a cura e a segurança para continuar produzindo”, afirma o ministro.
Deslocamentos de área
Na prática, isso acontece porque os produtores brasileiros de laranja gastaram R$ 271 milhões apenas no combate à doença em 2022/23, valor 42% maior que os gastos da safra anterior, de acordo com números do estudo FarmTrak Citros, da Kynetec. Ao todo, o manejo da laranja exigiu R$ 1,2 bilhão gastos em defensivos químicos e biológicos, e 23% deste montante foi para o combate ao greening.
Atuar em regiões específicas do estado de São Paulo ou Minas Gerais, onde tende a aumentar a escassez hídrica e o desafio de clima, exige avançar em irrigação e estruturas de mega reservatórios. Além disso, para driblar dificuldades de manejo e altos cultos, o Brasil observa uma descentralização do parque citrícola.
Orlando Nastri, head de ESG da Citrosuco, conta que já há uma migração dos pomares, levando a produção para o Nordeste, entre o agreste pernambucano e baiano, na região do Vale do São Francisco. Até Pará e Rondônia já iniciam o plantio de laranja e limão.
“É uma agenda de adaptação, eventualmente de migração para o Nordeste. Não é que eu vou deixar de produzir em determinada região, a não ser que haja dificuldades climáticas e escassez hídrica. Aí você começa a movimentar um pouco da sua cadeia produtiva para os enfrentamentos dessas mudanças”, diz.
A Citrosuco é uma das maiores empresas de suco de laranja do mundo, com capacidade para processar mais de 40% de todo o suco de laranja produzido e exportado pelo Brasil, ou mais de 20% da demanda global. Por isso, o deslocamento de área faz parte da estratégia de diversificação de fornecedores, a fim de diminuir o risco de desabastecimento à indústria.
“Há uma correlação entre mercado, greening e mudanças climáticas. Estamos implementando uma agenda de adaptação climática, porque isso também está na pauta estratégica de negócios”, afirma Nastri. Mais de 90% do faturamento da companhia é de receita internacional.
Mesmo diante desta expansão geográfica da citricultura, o ministro Carlos Fávaro reforça a necessidade de preservar a citricultura paulista. Para intensificar as ações de prevenção à doença, o governo de São Paulo se dedica a criar o Comitê Estadual para Contingência do Greening. Por meio de decreto, poderão atuar conjuntamente as Secretarias de Agricultura e Abastecimento; da Fazenda e Planejamento; Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística; Ciência, Tecnologia e Inovação; além da Casa Civil e Cetesb.
Segundo o governador Tarcísio de Freitas, uma grande campanha de conscientização e orientações de manejo serão prioridade. Também haverá reforço sobre a fiscalização de pomares abandonados e fortalecimento da pesquisa para controle no curto, médio e longo prazo.
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Manejo agrícola
De acordo com os especialistas ouvidos pela EXAME Agro, o Brasil é o único lugar do mundo que consegue conter os desafios de manejo do greening até hoje. Mesmo assim, quatro milhões de plantas foram eliminadas na safra 2022/2023. Parte do problema está em pomares abandonados.
“Queremos preservar o pequeno e médio e para isso temos que ter manejo regional coletivo, pois a população de inseto está aumentando e é preciso fazer controle conjunto, inclusive com biológicos”, diz Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus.
Ele conta que São Paulo e o Triângulo Mineiro foram divididos em 84 microrregiões para uma estratégia personalizada de manejo. Independentemente disso, se uma região estiver com alta incidência de greening, a recomendação é parar de plantar por um tempo para recuperar a saúde das plantas.
“A manutenção de plantas doentes no campo se torna uma ‘bomba relógio’, pois se o controle do inseto for malfeito ou ineficiente, essa planta se tornará um criatório de psilídeos contaminados que disseminarão a doença para outros pomares”, diz Ayres.
Mesmo um novo pomar em região com muita doença pode ficar comprometido entre cinco e oito anos. Quanto menor a propriedade, mais vulnerável ela está. É por isso que o Fundecitrus defende facilitar o acesso a crédito aos citricultores, sobretudo os de pequeno porte.
Com a infraestrutura agronômica correta, a recomendação é iniciar o sistema de produção com mudas sadias e adotar o manejo integrado de pragas, desde o início da safra, quando o greening apresenta maior tendência de se alastrar.
O suco de laranja dos brasileiros — e do planeta — depende dessa estratégia.
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Créditos
Mariana Grilli
Repórter de Agro
Graduada em Jornalismo com especialização em Agronegócios pela FGV. Trabalhou como repórter na Rádio Jovem Pan e na Revista Globo Rural. É vencedora do 2° Prêmio GTPS de Jornalismo e do Prêmio Rede ILPF de Jornalismo.