Joaquin Phoenix é "Beau" em "Beau is Afraid" de Ari Aster (Diamond Films/Divulgação)
Repórter
Publicado em 24 de abril de 2023 às 16h05.
Última atualização em 24 de abril de 2023 às 17h58.
O Natal da família mais perturbada não se compara a um dia na vida de Beau Wasserman. O personagem principal do novo filme de Ari Aster é um homem solitário, paranoico e ansioso, que se perde numa aventura – física e mental – no dia da morte do aniversário de seu pai. “Beau Tem Medo” é uma produção de Aster com a produtora A24 e a prova de fôlego do diretor depois de dois sucessos: “Hereditário” e “Midsommar”.
O longa de 3 horas de duração é a prova de que o diretor está comprometido com o gênero de terror psicológico e não pretende olhar para trás. Mas as críticas controversas também indicam que “Beau” será um divisor de águas para quem vem acompanhando a ascensão de Aster e da produtora.
Nos últimos anos, a A24 foi de queridinha dos filmes indies para a vencedora do Oscar de Melhor Filme em 2023, com “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”. É estimado que o estúdio de cinema tenha gastado US$ 35 milhões no orçamento de “Beau”, dez milhões a mais do que o filme de Daniel Kwan, embora só tenha faturado US$ 3 milhões no primeiro fim de semana nos cinemas dos EUA.
Para a mente ansiosa, “Beau Tem Medo” pode soar familiar até demais. O personagem interpretado por Joaquin Phoenix (“Coringa”) é um homem adulto e paranoico que vive sozinho em uma vizinhança aparentemente violenta. Ele se prepara para visitar a mãe (Patti LuPone), mas sua vida é tomada pelo caos e se transforma em uma nova direção surrealista.
Em entrevista, Ari Aster afirmou que queria que o público tivesse a sensação de ter assistido a vida inteira de uma pessoa (um “loser”, descreveu) com “Beau” e, seja pelo tempo de duração ou a total imersão no imaginário do personagem, ele conseguiu. Somos forçados a enxergar tudo pelos olhos de Beau e, consequentemente, ficamos exaustos – e apavorados – juntos.
Já na primeira cena do filme vemos o momento em que ele nasce e somos puxados juntos em direção à luz. Nos momentos em que ele desmaia, a tela fica preta e, quando ele acorda, o espectador fica tão desorientado quanto Beau, querendo descobrir onde está. Até o único momento em que uma foto do pai de Beau aparece, só é possível ver um borrão no lugar do rosto – um reflexo do próprio imaginário do personagem, que nunca chegou a conhecê-lo.
“Beau Tem Medo” é como ficar preso num pesadelo de uma criança por 3 horas seguidas. Como as memórias da infância, tudo parece maior do que realmente é. As intenções dos adultos são indecifráveis e, portanto, bem mais assustadoras e sem nexo. Seja na cidade, seja nos subúrbios, seja na floresta, Beau deixa todos a sua volta fazerem o que quiser com ele, o que torna viver um dia em sua pele uma jornada totalmente agonizante. O jeito lento do personagem de Joaquin Phoenix garante a sensação de angústia em toda cena, e vê-lo tentar fugir das mais diversas situações é como tentar correr dentro de um sonho e perceber que seus pés estão fincados no chão.
Acima de tudo, é no visual que Ari Aster conquista o público de "Beau". Desde os detalhes nos outdoors da rua repletos de palavras sujas até uma sequência de vinte minutos de Beau como o personagem de uma peça, o filme traz uma mistura de cenários que vislumbram qualquer espectador. Mesmo quem não gostar das falas dispersas de Beau poderá apreciar o filme pela fotografia e direção de imagem, também de Ari Aster. É mais do que recomendado assistir "Beau Tem Medo" nos cinemas.
Há sobriedade nas cenas mais difíceis de Beau, como seus dias na casa do casal em luto e com uma filha adolescente revoltada, mas mesmo assim não há como saber exatamente quando a realidade começa e o imaginário termina -- e é isso que torna "Beau" um pesadelo tão fantástico de assistir.
O filme de Ari Aster é uma viagem pela mente de um homem perturbado, mas também é sobre a relação dependente que mães podem ter com seus filhos. O que guia Beau até a casa de sua mãe é o medo de desapontá-la mais uma vez e, mesmo não vendo ela até os minutos finais do filme, o público sente a mesma pressão de não poder se atrasar. Patti LuPone encaixa perfeitamente no papel de Mora, a mãe controladora de Beau, e as poucas cenas com a atriz foram suficientes para torná-la um marco no filme. Joaquin Phoenix acaba sendo a escolha perfeita para o papel. Seus papéis em "Ela" e "Coringa", totalmente antagônicos, parecem se mesclar neste personagem doce e solitário que parece estar sempre confuso com o que está acontecendo em sua volta.
Se cada cena não fosse tão imprevisível, as longas horas de "Beau" seriam difíceis de acompanhar. São exatamente 3 horas de duração e, apesar de algumas cenas ficarem tempo demais no silêncio ou nas reações de Beau, a aventura acaba fazendo os momentos "parados" quase insignificantes. Vale ressaltar que, se a primeira hora do filme já te desagradou, é difícil que as outras duas mudem sua opinião.
"Beau Tem Medo" ou "Beau is Afraid" estreou nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 20 de abril.