"Os Rejeitados" tem direção de Alexander Payne (The Holdovers/ Universal Pictures/Divulgação)
Repórter de POP
Publicado em 23 de janeiro de 2024 às 06h04.
Última atualização em 29 de janeiro de 2024 às 18h59.
Eis aqui uma pergunta difícil: será que é possível definir o exato momento em que a simples história de vida uma pessoa, que à primeira vista pode soar até previsível, passa a se tornar um complexo emaranhado de sentimentos profundos demais abaixo da superfície do óbvio?
A questão parece filosófica, mas é relevante porque, quando sentei na cadeira da sala de cinema para assistir "Os Rejeitados" ("The Holdovers", no título original), sem saber quase nada sobre a trama, confesso que subestimei o filme. É aquela coisa do pré-julgamento: parecia mesmo só mais um história de Natal — daquelas que vai terminar com uma lição de moral pró-família —, que ninguém mais aguenta assistir. Minha surpresa foi descobrir que ele é tão maior do que esse rótulo preguiçoso.
A nova aposta do diretor Alexander Payne ("Pequena Grande Vitória" e "Sideways: Entre umas e Outras"), estrelada por Paul Giamatti ("O Resgate do Soldado Ryan"), Dominic Sessa e Da'Vine Joy Randolph ("Only Murders in the Building"), conta a história de Paul Hunman (Giamatti), aquele professor rígido e estranho que ninguém suporta, que se vê obrigado a passar os feriados do Natal e Ano Novo com Angus Tully (Sessa), um repetente com problemas familiares que ficará no internato durante o recesso, e Mary Lamb (Randolph), a cozinheira do colégio de luto pela morte do único filho. A trama se passa nos anos 1970.
O longa estreou em agosto do ano passado, no 50º Festival de Cinema de Toronto de 2023, mas só chegou aos cinemas brasileiros em janeiro deste ano, e chamou a atenção da indústria cinematográfica por dominar as categorias de comédia no Globo de Ouro, Critics Choice Awards e BAFTA — levando para casa duas estatuetas do primeiro, três do segundo e sete indicações do terceiro. Ele também está cotado para o Oscar de 2024.
Mas será que vale a pena ver no cinema? Pela EXAME Pop, assisti ao filme com antecedência e trago para vocês minha análise crítica sobre "Os Rejeitados". Confira:
À primeira vista, "Os Rejeitados" é um filme com começo, meio e fim bem previsíveis. Afinal, é isso que se espera da receitinha a ser seguida nos filmes de Natal: uma abertura com apresentação dos personagens, um conflito a ser resolvido no meio da trama e um final feliz repleto de lições de moral. Embora comece nesse ritmo, a produção de Payne engana o público sobre o que apresenta no início e o que realmente dará espaço para trabalhar até o final.
Se nos primeiros minutos do filme a expectativa é que o personagem central da história seja Paul Hunman, o esteriótipo do professor que é carrancudo, usado como alívio cômico e, ao final da história, vai se transformar em uma pessoa amorosa; algumas cenas mais tarde mostram que a trama de "Os Rejeitados" vai seguir por um caminho um pouco diferente do óbvio.
Primeiro porque o foco do filme não é bem a transformação de Hunman, mas o impacto que a presença dele, Angus Tully e Mary Lamb, confinados em um internato na época do recesso de fim de ano, causa na vida um do outro. O desenvolvimento deles, atrelado às atitudes e conversas de cada um, é quem marca o ritmo do crescimento que os personagens conquistam ao longo da trama.
Segundo porque os três personagens passam longe da simplicidade: por trás da estranheza de Hunman está uma vida marcada por problemas de saúde e fracassos; a revolta e rebeldia de Tully se desenvolve em um adolescente que viveu imerso em problemas familiares; a falta de paciência de Lamb faz parte de um processo de luto que é um dos mais difíceis de superar. Os três, apesar de profundamente diferentes, acabam tendo muito mais em comum do que imaginam.
De cara, esse é o primeiros aspecto que encanta em "Os Rejeitados": a quebra de expectativas com a história e com os personagens. O que era para ser simples se torna complicado, o que deveria ser engraçado na verdade é triste e, acima de tudo, o que no imaginário seria uma lição de moral reflete aspectos tão delicados da convivência entre as pessoas que, no fundo, vai muito além de somente tirar uma aprendizado daquilo.
Outro ponto que definitivamente engrandece o enredo de "Os Rejeitados" é o elenco, em especial os três atores principais. Interpretados por Giamatti, Randolph e Sessa, o trio cria uma atmosfera de intensidade que desliza entre drama e comédia o tempo todo.
As expressões e diálogos de Giamatti tiram risos do público, ao mesmo tempo em que trazem o sentimento de pena. O olhar pesado e doloroso de Randolph arranca lágrimas em diversos momentos do longa e o conflito interno do jovem interpretado Sessa cria um clima de ansiedade e tensão que complementa o humor e o drama entremeados no filme.
Não foi à toa Giamatti levou prêmios como melhor ator de comédia para esse título: alinhado com um roteiro que brinca com as emoções do público, o ator conduz muito bem os momentos de humor e os de angústia. Torna-se fácil compadecer da história dele, apoiá-lo em suas decisões e torcer pelo seu progresso. O mesmo precisa ser dito sobre Da'Vine Joy Randolph, que cria no filme cenas expostas de lágrimas e tristeza.
Grandes atuações à parte, a beleza de "Os Rejeitados" — além da belíssima fotografia e trilha sonora — está, na verdade, no roteiro do filme. E não só pela história de crescimento dos protagonistas, que por si só já é emocionante o suficiente para levar o público do riso ao choro, mas principalmente porque, mesmo diante de tantos aspectos densos da vida de cada um dos três personagens, Alexander Payne conseguiu manter a inocência necessária para manter a produção com o caráter de "filme de Natal". Isso, claro, sem se deixar pender ao clichê.
Em resumo, ao longo das 2h13 do filme, a resposta da pergunta inicial desse texto vai ficando cada vez mais difícil de ser respondida. É quase impossível saber qual o momento exato que o nosso olhar como público julgador se transforma em uma visão mais empática e esse é justamente o aspecto que Payne melhor explora em "Os Rejeitados". Essa natureza humana que temos dentro de nós capaz de nos surpreender nos mínimos detalhes.
O filme está em cartaz nos cinemas brasileiros desde o dia 11 de janeiro.
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