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De Recife a Ilhabela: o que é a cultura do Maracatu?

Parte histórica da cultura brasileira, o Maracatu existe desde o século 18 no Brasil e é uma tradição passada de geração a geração

Maracatu: direto do Recife para Ilhabela (Matheus Costato/@macostato/Divulgação)

Maracatu: direto do Recife para Ilhabela (Matheus Costato/@macostato/Divulgação)

Luiza Vilela
Luiza Vilela

Repórter de POP

Publicado em 1 de junho de 2023 às 15h30.

Última atualização em 1 de junho de 2023 às 20h53.

O Maracatu é uma expressão cultural, que mistura a cultura brasileira com a africana e indígena por meio da música. O batuque é composto por instrumentos como bombo, timbal, gonguê, agbê, caixa, mineiro e tarol.

O Maracatu é uma das principais atrações turísticas do Recife. Faz parte do chamado "Turismo Religioso", que cresceu 10% só em 2022 e movimenta mais de 17,7 milhões de viagens domésticas e atrai 25 mil turistas estrangeiros ao ano em todo o país.

A origem do Maracatu no Brasil remonta ao século 18, e a cultura se tornou famosa pelas comemorações no Carnaval, em Recife e Olinda. Ligada a religiões de matriz africana, a expressão popular é reconhecida por ter vários tipos de celebração, sendo dois deles os mais famosos: o Maracatu Nação (Baque Virado), concentrado nas periferias e comunidades de Recife, e o Maracatu Rural (Baque Solto).

Em outros lugares do Brasil, o Maracatu ainda é sinônimo somente de estilo musical, e foi muito atrelado a alguns cantores que incorporaram o batuque em suas composições — como Chico Science, com a Nação Zumbi.

Marabantu em Ilhabela

Uma exceção é Ilhabela (SP), a menos de 200 km da capital paulista. Por lá, a comemoração fica por conta do grupo Marabantu, apadrinhado pela Nação do Maracatu Porto Rico (localizado na comunidade do Bode, em Recife), que se apresentou no último domingo, 28, no centro histórico da cidade.

Durante a comemoração, dois líderes da Nação do Maracatu Porto Rico (Recife), Rumenig Dantas, batuqueiro e Ogan, e Lany Moura, batuqueira e Abian, vieram da comunidade do Bode para Ilhabela acompanhar, se apresentar e ensinar os participantes do grupo Marabantu.

Rumenig Dantas e Lany Moura, líderes da Nação do Maracatu Porto Rico (Manuela Rodrigues/Divulgação)

Dos primórdios da "descoberta" do Brasil ao Maracatu Nação (Baque Virado)

Rumenig é Ogan da Nação do Maracatu Porto Rico, ou seja, dirigente masculino do grupo. Ele, que conhece bem a história da cultura do Maracatu, passada na família dele de geração para geração, explica que o nome dado à essa expressão, na verdade, não é exatamente vindo dos povos africanos e indígenas, como muita gente diz.

"O Maracatu surge no Brasil por meio de escravos e indígenas. Minha avó me passou isso, assim como a mãe dela, e assim vai. Esses dois povos faziam todas essas manifestações em 1800, naquela vida difícil, dura, tocavam o batuque. E os brancos, lá do alto da Casa Branca, quando viam aquilo, apelidaram de Maracatu — no sentido pejorativo da coisa, como se fosse coisa ruim", explica ele. "Aquele ritmo, o som dos tambores e toda uma cultura inteira reduzida a uma palavra que os senhores inventaram, dá para acreditar?", questiona.

O Maracatu Nação, do qual Rumenig faz parte, está diretamente ligado à religião do Candomblé. Ele explica que, na década de 1950, o Maracatu, já mais apoiado e difundido, também servia para proteger o terreiro.

"Ele aparece na década de 1950 para proteger o terreiro, porque a gente não podia tocar, não podia cultuar o que a gente acredita, que são os nossos orixás. As mulheres ficavam em uma sala, dentro do terreiro, fazendo todo o fundamento, enquanto os homens lá fora batucavam, bebiam, faziam festas para proteger o que se acontecia ali", diz Rumenig. "Eu escutei muito isso quando era criança, quando falei que ia assumir o Maracatu, me diziam que era coisa de' preto velhos e bêbados'. Mal imaginavam que ali, no centro daquela festa toda, acontecia coisa muito mais importante".

Marabantu durante cortejo em Ilhabela-SP (Matheus Costato/@macostato/Divulgação)

Para ele, só o fato de colocar os tambores na rua já é, por si só, um grande ato de celebração à luta dos ancestrais. É como celebrar uma cultura muito rica e espalhá-la por todo o Brasil. "Nos livros de História, eles chamavam o Maracatu de profano. Maracatu não é profano, ele é do povo de terreiro, e quando ele sai das senzalas afastadas de Pernambuco e vai para a capital de Recife, isso começa a mudar. Mas a verdade é que Maracatu só se tornou uma palavra bonita depois da Nação Zumbi"

Em 1996, Chico Science & Nação Zumbi relançam a música "Maracatu Atômico". A canção, composta por Nelson Jacobina e Jorge Mautner, foi originalmente lançada em 1974. Nela, é possível ouvir um pouco do batuque do Maracatu de Recife. Nessa época, a expressão popular se tornou mais famosa.

É para que essa expressão se torne cada dia mais viva e menos estereotipada, que ele e a irmã viajam por todo o Brasil para difundir a cultura. Hoje, Rumenig é "padrinho" de mais de 40 grupos de Maracatu. E foi assim que eles chegaram até Ilhabela, para apoiar o Marabantu.

A bandeira do Marabantu (Manuela Rodrigues/Divulgação)

Por que existe Maracatu em Ilhabela?

A escolha de Ilhabela para se ter um grupo de Maracatu Nação está longe de ser coincidência. A cidade foi colonizada por portugueses em 1636 e tinha como principal fonte de renda a comercialização de pessoas escravizadas, além do plantio da cana de açúcar. Era composta, segundo fontes da cidade, por cerca de 85% de escravos vindos da África.

Renato Rocha, integrante do Marabantu e professor de História, explica que a cidade era um ponto forte de troca. "A gente está no meio de uma rota aqui, sempre foi um lugar onde as pessoas tinham esse momento de troca, por isso que hoje, no nosso cortejo, a gente até parou no antigo mercado de escravos de Ilhabela e no Pelourinho. A economia girou principalmente da produção de café e cana, mas tinha muita comercialização de pessoas escravizadas", explica ele. "Por isso, ter o Marabantu aqui é mais do que só celebrar, é necessário", acrescenta.

Renato Rocha (esquerda) e Pedro Vercelino (direita), integrantes do grupo Marabantu (Manuela Rodrigues/Divulgação)

Da comunidade do Bode (Recife) até o centro histórico de Ilhabela

O Marabantu foi criado em 2018 por Pedro Vercelino, idealizador e orientador do grupo, percussionista profissional há 26 anos. Desde então, eles se apresentam nas ruas de Ilhabela.

"Em 2014, eu tive um contato com Maracatu em uma aula que estava fazendo, de cultural popular. Uns anos mais tarde, fui dar aula em São Sebastião e vi que eles tinham um grupo de Maracatu lá, pequeno, então pensei em trazer para cá. Não fiz nada sozinho, sou apenas o provocador, mas a gente se construiu juntos. Foi um vai e vem, mas desde 2018 estamos com esse grupo fixo e tem sido muito legal. Eu passei dois meses em na Comunidade do Bode, junto do Rumenig, para aprender as bases, conhecer melhor o Maracatu. E aqui estamos", destaca Pedro.

A existência do Marabantu, apadrinhado pela Nação do Maracatu Porto Rico, reflete toda essa história e tem três objetivos claros: comemorar a cultura em uma cidade marcada pela história, espalhar a cultura do Maracatu fora de Pernambuco e ensinar, nas escolas, o que é essa expressão cultural brasileira — o que evita preconceitos e estereótipos.

"A gente tenta incorporar o Maracatu para o nosso cotidiano. Grande parte do nosso grupo é formada por educadores e nós participamos da educação escolar mesmo, isso se estende até a educação ambiental e a educação musical. É transformar o nosso conhecimento em aprendizado e contribuir para que as pessoas conheçam essa cultura", aponta Renato.

Até hoje não se sabe quantos grupos de Maracatu existem no Brasil, mas há registros de comunidades em todo país, de Pernambuco até o Sul do Brasil. O grupo Marabantu é tradicional de Ilhabela e faz eventos culturais todo o ano. Apesar de existir há quase 300 anos, foi só em 2018 que a Câmara dos Deputados reconheceu o Maracatu como cultura brasileira. Sendo assim, o dia 1º de agosto foi marcado como Dia Nacional do Maracatu, data celebrada em Pernambuco desde 1997 para homenagear o Mestre Luiz de França, que comandou o Macacatu Leão Coroado por 40 anos.

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