'O Aprendiz': veja a crítica do filme de Trump (O Aprendiz/ Diamond Films/Divulgação)
Publicado em 16 de outubro de 2024 às 14h45.
Ver Donald Trump como um homem inseguro é uma cena incomum. Desde os anos 1970, o empresário buscou criar uma imagem de homem forte e vencedor, que jamais admite uma derrota. Isso ficou claro especialmente em sua atuação política. Até hoje, ele não aceitou a derrota nas urnas para Joe Biden, ocorrida há quatro anos.
É uma surpresa, portanto, que as cenas iniciais de "O Aprendiz", de Ali Abbasi (“Holy Spider”), revelem um Trump jovem e confuso. O filme estreia no Brasil nesta quinta-feira, 17, guiado pela ótima atuação de Sebastian Stan, intérprete de uma identidade visual tão parecida com o ex-presidente — muito apoiada no trabalho de figurino e maquiagem de Laura Montgomery — que, por vezes, é fácil confundir a ficção com a realidade. Já estão ali os trejeitos e o modo de falar que ficariam famosos, mas ainda falta a autoconfiança e a frieza.
Para resolver os problemas do negócio da família e decolar na carreira, Trump vai atrás de Ron Cohn (Jeremy Strong), um advogado que não se importa em quebrar regras, inclusive chantagear autoridades, para conseguir o que quer. O filme coloca Cohn como mestre que o ensina a navegar na Nova York dos anos 1970, uma cidade de ruas sujas, com manchas de sangue nas calçadas e à beira da falência.
A direção de Ali Abbasi brilha na primeira metade do filme porque a passagem entre um Trump jovem e confuso para um homem frio, confiante e disposto a fazer de tudo para conquistar seus objetivos é construída na sutileza dos detalhes. Cenas filmadas com a câmera em mãos, por trás de outros componentes no cenário, convidam o público a “espiá-lo” em diferentes momentos do filme. Filtros que remontam à aparência da TV nos anos 1970 e 1980 contribuem para ressaltar o espírito da época, de muitas cores e movimentos.
O tempo avança e Trump vai incorporando os mantras de Cohn, em especial suas três “regras de ouro”: vencer a qualquer preço, questionar o que é verdade e nunca admitir a derrota. São táticas que ele usaria décadas depois, ao entrar na política. Trump foi eleito presidente em 2016, perdeu a reeleição em 2020, não reconheceu a derrota e busca voltar à Casa Branca nas eleições de 2024.
Essa brincadeira de “O Médico e o Monstro” entre Cohn e Trump fica mais interessante especialmente pelo distanciamento que o próprio roteiro (e a direção) entregam de Trump para o público. O salto entre o mero observador e aprendiz para o “dono de Nova York” passa a ser filmado de forma cada vez mais distante dos espectadores.
Se no começo do filme a direção da câmera acompanha Trump de forma quase intimista, como uma narradora silenciosa, do meio para o fim do longa, a perspectiva muda. As cenas que retratam a ascensão do então herdeiro, que vão desde discursos a eventos dos quais ele é a principal atração, são filmadas em plano aberto, como se fossem matérias no noticiário da TV local. O recorte intimista só se mantém nos momentos em que Trump aparece com a família e a esposa, retratados com viés negativo.
Ivana (Maria Bakalova), a quem Trump fez um grande esforço para conquistar, passa a ser vista como estorvo. O empresário passa a ser um personagem que busca o dinheiro como um fim em si mesmo e não ouve ninguém. E as consequências começam a chegar: surge a dependência de anfetaminas, o mantra de nunca admitir a derrota, a obsessão com a própria imagem.
Na reta final do filme, Trump aparece como um personagem quase completamente negativo e perde sua complexidade. Ao optar por este caminho, a obra retrata o ex-presidente como uma ameaça ao país, embora se baseie em fatos privados sobre os quais pairam dúvidas. Em um processo judicial, Ivana acusou Trump de tê-la estuprado, por exemplo, mas depois retirou a acusação.
O fato de a produção chegar aos cinemas a poucas semanas da eleição presidencial americana, em que Trump é candidato, pode levar o filme a ser acusado de fazer propaganda contra o republicano. No entanto, o empresário conseguiu conquistar uma legião de seguidores fiéis na política americana, e talvez global, que não se afastou dele mesmo após diversos livros e reportagens que detalham fatos controversos de seu passado, fora os dezenas de processos na Justiça. No mais avançado deles, Trump foi condenado por fraude fiscal neste ano e corre risco de ser preso.
Como fez diversas vezes, o ex-presidente nega todas as acusações e diz que tudo se trata de uma armação de seus rivais. O filme dificilmente deverá mexer com a fidelidade de seus eleitores leais, mas pode trazer uma pitada de dúvida em simpatizantes ainda indecisos sobre dar um novo voto de confiança a uma das figuras mais polêmicas que já surgiram nos Estados Unidos.
O filme estreia nesta quinta-feira, 17, nos cinemas brasileiros.
“O Aprendiz” retrata um jovem Donald Trump, buscando se destacar em Nova York nos anos 1970, e sua influência por Roy Cohn, o advogado que ajudou a moldá-lo.
O elenco do filme é composto por Sebastian Stan, Jeremy Strong, Maria Bakalova, Martin Donavan, Catherine McNally, Charlie Carrick, entre outros. Ali Abbasi assina a direção e Gabriel Sherman, o roteiro.