PME

Em busca do sonho de US$ 35 bilhões, WeWork luta contra seu próprio hype

Coworking descolado ganhou diversos países, como o Brasil. Mas sua estratégia, característica das startups, reacendeu debate sobre sobrevivência de negócios

 (WeWork/Divulgação)

(WeWork/Divulgação)

Mariana Fonseca

Mariana Fonseca

Publicado em 12 de setembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 17 de setembro de 2018 às 23h08.

São Paulo - Dificilmente você descreveria o escritório da sua empresa como “um estado de consciência” que une as pessoas “para mudar o mundo”. Mas essa é a filosofia que os empreendedores Adam Neumann e Miguel McKelvey espalharam de um escritório em Nova York, em 2010, para 287 locações em mais de 20 países. Em poucos anos, esses imóveis tornaram-se uma marca global: o WeWork, império com 268 mil associados. Seus prédios abrigam espaços de coworking descolados, com torneiras de chopes e frases motivacionais, como “tenha uma vida, e não apenas um sustento”.

A imobiliária-startup é hoje avaliada em 20 bilhões de dólares, o sexto negócio inovador mais valioso do mundo - atrás de SpaceX, Airbnb, Xiaomi, Didi Chuxing e Uber. Seus indicadores de crescimento e as recentes rodadas de investimento e de captação de dívidas fazem crescer os rumores de que a WeWork estaria planejando uma oferta pública inicial de ações, ou IPO, no médio prazo (a companhia não comenta). Segundo seus próprios investidores, a imobiliária procura uma nova rodada de aportes que a avalie em 35 a 40 bilhões de dólares.

Ao mesmo tempo, a dura realidade do modelo de negócios dos coworkings - as contas, para a maioria dos espaços brasileiros, não fecham - gera dúvidas sobre a sustentabilidade da startup em longo prazo, quando o hype se esvair. A comunidade dos sonhos de McKelvey e Neumann terá o fôlego financeiro necessário para se tornar realidade?

A estratégia da WeWork

Por mais que se defina como uma “comunidade”, a WeWork ganha dinheiro mesmo é com a locação ou sublocação de imóveis. O negócio aluga ou compra propriedades e as transforma de acordo com seus ideais. Depois, divide o espaço em estações e as comercializa para membros por preços maiores do que os custos.

Para os detratores, a WeWork ganhou um valuation de 20 bilhões de dólares ao colocar “toques hipster” em espaços antes monótonos e se posicionar como uma incubadora de startups, cobrando aluguéis relativamente altos por suas posições. Em resposta, a WeWork defende que seu processo de reforma e decoração possui muita estratégia e tecnologia envolvida, reduzindo despesas operacionais de seus clientes maiores entre 25 a 50%.

Seus escritórios teriam uma otimização de espaço difícil de se replicar pelos concorrentes. O primeiro trabalho com tecnologia agregada está na escolha do melhor local para abrir um novo prédio da WeWork, segundo o CB Insights. A startup puxa dados de proximidade do imóvel com empresas e amenidades, como academias, cafeterias, restaurantes e hotéis. Também avalia quão perto o imóvel está de outro - cidades com mais prédios da empresa diminuem a desistência dos membros, ou churn, já que eles possuem mais espaços disponíveis de trabalho.

A tecnologia é ainda mais presente na hora de desenhar o espaço. A aquisição da Case, uma consultoria de tecnologia para a arquitetura, permitiu que a imobiliária-startup pudesse escanear prédios e montar modelos 3D com metragens, janelas, tamanho das portas, a espessura das paredes e a tubulação do edifício. Os modelos geram insights de tempo e de custo das reformas - a eficiência dos espaços aumentou entre 15 e 20%.

A WeWork também criou um programa de inteligência artificial para coletar informações de uso de salas de reuniões entre seus prédios e estimar quantas devem ser construídas em edifícios futuros. O software estimou o uso das salas com 40% mais precisão do que os designers humanos. Um metro a mais ou a menos pode significar uma mesa adicionada ou cortada, o que pode gerar uma diferença de 80 mil dólares na receita em dez anos, segundo a Forbes. Em seu último balanço, a WeWork afirma que reduziu seus gastos por posição (espaço que um membro ocupa) em 20%, mostrando que “suas margens podem ser melhoradas”.

A metragem por pessoa em um prédio da WeWork está em 4,64 m², ante 23,22 m² em um escritório tradicional, escreve o CB Insights. Mesmo com tanto aperto, cada membro paga em média oito mil dólares por ano em troca de sua posição no escritório nos mais diversos países. Aí entram os esforços de marketing, que ressaltam as comodidades, o design, as parcerias com outras empresas e a possibilidade de networking. Até hoje, metade dos membros da WeWork pelo mundo já fizeram negócios entre si, disse a empresa a EXAME.

O empreendimento adiciona entre 50.000 m² e 100.000 m² de novo espaço a cada mês. Quanto mais prédios a imobiliária-startup cria, mais dados ele coleta - e mais vantagem coloca diante de sua concorrência. As informações capturadas ajudaram a sustentar negócios complementares ao estilo de vida proposto pela WeWork, como o espaço de moradia compartilhada WeLive (dois endereços, um em Nova York e outro em Washington); a escola infantil WeGrow (a ser inaugurada neste mês em Nova York); e o espaço de bem-estar e exercícios RisebyWe (um endereço em Nova York).

Em um comunicado interno da WeWork a que EXAME teve acesso sobre os resultados do começo deste ano, a empresa destacou que as oportunidades de investimento em novos mercados e em novos negócios resultará em uma “criação de valor substancial”. Além disso, o empreendimento afirma ver “economias substanciais em gastos líquidos de capital e em gastos por posição na comparação anual”, o que permite “reinvestir na experiência dos membros, design e tecnologia.”

No Brasil, a WeWork conta com onze unidades: nove na capital paulista e duas no Rio de Janeiro. São mais de oito mil membros. Até o final do ano, a empresa projeta estar em pelo menos quinze endereços no país, incluindo a chegada a uma nova cidade, Belo Horizonte. Os preços variam conforme a localização - no Brasil, vão de uma média de 800 a 1,8 mil reais por posição. Considerando prédios já abertos por aqui, a WeWork conta com aproximadamente 50 mil m² alugados e diz que todos os prédios por aqui contam com “lista de espera” - globalmente, a taxa de ocupação é de 84%.

Parte do WeWork Paulista

Espaço para comes e bebes no WeWork Paulista, em São Paulo (Midori De Lucca/WeWork/Divulgação)

A criação dos próprios números

O negócio recebeu mais de nove bilhões de dólares em investimentos, liderados pelo conglomerado japonês SoftBank. Seu Vision Fund, fundo de 100 bilhões de dólares, aportou 4,4 bilhões de dólares em agosto de 2017. Neste mês, o SoftBank concedeu mais 1,1 bilhão de dólares em empréstimos para sustentar a expansão da WeWork. O financiamento acontece em meio a rumores de que a imobiliária-startup estaria procurando um aporte para chegar a um valuation de 35 a 40 bilhões de dólares, segundo um executivo do próprio conglomerado japonês. Uma negociação dessas tornaria a WeWork a segunda startup de controle privado e com investimento de venture capital mais valiosa dos Estados Unidos, atrás apenas do aplicativo de mobilidade urbana Uber.

Tudo caminha bem do lado dos aportes externos. Por outro lado, analisar o balanço empresarial da WeWork não é uma equação tão simples de solucionar. Isso porque a startup criou uma métrica própria para justificar que suas despesas são, na verdade, investimentos. E, com isso, um prejuízo pode se tornar notícia boa.

As receitas da WeWork foram de 362 milhões de dólares no primeiro semestre de 2017 para 764 milhões de dólares no primeiro semestre deste ano. Mas, na mesma comparação, as perdas subiram de 154 milhões de dólares para 723 milhões de dólares, justificadas como custos de expansão. Em uma análise fria, a receita representou 105,6% das perdas líquidas, fazendo a empresa de imóveis descolados ficar, por muito pouco, no azul operacional.

Esses números poderiam preocupar muitas empresas - mas não a WeWork. Neumann afirmou ao New York Times que avaliar a WeWork por métricas convencionais é “perder o ponto” do negócio. Ao captar 702 milhões de dólares em títulos de dívida em abril deste ano, a WeWork usou uma métrica financeira que chama de “EBITDA ajustado à comunidade”. Basicamente, significa calcular os ganhos descontando não apenas impostos, juros, depreciações e amortizações, mas também gastos com anúncios, eventos, expansões regionais e administrações e design relativos aos novos escritórios - todos os custos para crescimento dos lucros. O “EBITDA ajustado à comunidade” revela se a WeWork teria ganhos se fosse uma empresa comum de prédios empresariais. No primeiro semestre deste ano foram 202 milhões de dólares, ante 95 milhões no mesmo período do ano passado.

Mas, claro, o dinheiro para fazer tudo que torna a WeWork mais do que uma imobiliária sai de algum lugar: do financiamentos de dívida aos fundos de venture capital. Para muitos, esse é o caminho normal de uma startup. O burn rate é a taxa pela qual um negócio inovador queima o dinheiro disponível (no caso, de credores) até que a operação seja sustentável financeiramente. A empresa mais conhecida por adotar essa política de “queima de dinheiro eterna” é a gigante Amazon, a maior aposta de primeira empresa a alcançar um valor de mercado de 1 trilhão de dólares. A WeWork seria também uma empresa de tecnologia e o valuation se baseia mais no potencial do que no presente.

Mas para muitos o valuation da WeWork não possui bases financeiras sólidas. “Levará anos para a companhia chegar a algo parecido com lucratividade. Nenhum bull market [expectativa de que a empresa irá valorizar] dura para sempre”, analisa o CB Insights. Companhias abertas e concorrentes possuem um valuation muito abaixo da WeWork e captaram menos investimentos. Com base na avaliação de 20 bilhões de dólares e uma receita anual de 1 bilhão de dólares em 2017, o CB Insights avaliou que a WeWork possui um múltiplo de 20 vezes sobre vendas. O múltiplo é 18 vezes maior do que sua principal concorrente, o IWG. Dono da marca Regus, o grupo londrino foi criado em 1989 e possui 3.200 unidades em 125 países atualmente.

O Financial Times comparou as receitas da WeWork com as de concorrentes e afirmou que a companhia vale, no máximo, três bilhões de dólares. Se a imobiliária-startup valesse 40 bilhões de dólares, como almeja, cada um de seus membros valeria 156.250 dólares, ante 11.300 dólares dos membros da Regus. A WeWork projeta um faturamento anual de 2 bilhões de dólares neste ano (reduzindo seu múltiplo de preço sobre vendas de 20 para 10 vezes) e, até 2020, quer dobrar o faturamento.

João Kepler, um dos maiores investidores-anjo do Brasil, afirma que, quando a startup ganha tração, a queima de capital pode fazer sentido comparada a um crescimento mais exponencial. “Se o foco for em segurança e retorno de capital atrativo em curto prazo, certamente o modelo da WeWork não se encaixa, de operação no vermelho como estratégia. Mas, em uma startup, coletar fundos é um padrão. Se ela não se preocupa em expandir seu valuation, torna-se uma empresa comum, que paga dividendos aos investidores”, defende o fundador do Bossa Nova, fundo de investimentos que já realizou 354 aportes em startups, 130 deles no exterior.

Concorrência no mercado brasileiro

De acordo com a pesquisa Censo Coworking Brasil 2018, o número de espaços de trabalho compartilhados no Brasil aumentou de 810, em 2017, para 1.194 neste ano. O aumento, de 43%, é bem inferior aos 114% vistos de 2016 para 2017. Mesmo assim, o setor movimentou 127 milhões de reais, um crescimento de 57%.

A maioria dos entrevistados (51%) destacou que a lucratividade do negócio foi abaixo do esperado ou ficou no prejuízo. O investimento médio inicial de um coworking é de 327 mil reais, enquanto a receita média anual é de 257 mil reais e a lucratividade média anual é de 86 mil reais, valor 4% menor do que o verificado no estudo anterior. Bruna Lofego, CEO da rede de escritórios compartilhados CWK e especialista em coworkings, estima que o investimento inicial costuma ser de 700 reais por metro quadrado; a taxa de lucratividade fica em 25%; e o retorno do investimento vem em 24 a 30 meses.

Tudo isso só vale para quem sabe o que está fazendo, claro. Trabalhar com espaços de coworking não é tão fácil quanto parece: os custos são altos para alugar, reformar e pagar contas de água, internet e luz de um espaço para negócios. Tais despesas vêm antes das receitas, já que os contratos costumam ser assinados apenas com um prédio para mostrar. A proposta de flexibilização do aluguel é uma faca de dois gumes para os coworkings, fazendo suas receitas flutuarem junto com as demandas de espaço. O risco é grande de o imóvel ficar sublocado e o dono perder dinheiro.

Jorge Pacheco criou a Plug em 2012, um dos primeiros espaços de coworking do Brasil e que já abrigou empresas como Cabify e FoxBit. Pacheco viu os coworkings evoluírem, dos freelancers às startups e grandes corporações, e afirma que a chegada barulhenta da WeWork a São Paulo movimentou o mercado e fez mais pessoas se interessarem por coworkings. Ele acredita que a recuperação econômica trará mais demanda por espaços, e que a flexibilidade proposta pelos espaços de coworking foi uma lição aprendida durante a crise e nunca mais esquecida pelos negócios.

Espaço de coworking Plug preparado para Copa do Mundo de 2018

Espaço de coworking Plug decorado para a Copa do Mundo de 2018 (Plug/Divulgação)

Mas, ao mesmo tempo, ele sente na pele a concorrência de um negócio extremamente capitalizado e com promoções boas demais diante de espaços que estão preocupados em fazer as contas fecharem. “Ter um mercado dominado por grandes players pode ser ruim para fomentar empreendimentos locais. É um mercado cheio de oportunidades, mas precisamos ter condições de competir e de atrair os olhares dos investidores. Não podemos apenas sobreviver, sendo empreendedores que seguram as pontas e não conseguem, com isso, ter escala.”

Pedro Priori é diretor de parcerias estratégicas no Spaces, uma divisão do IWG voltada a espaços de coworkings mais descolados, com foco no público jovem. A Spaces nasceu na Holanda, em 2009, mas abriu sua primeira unidade no Brasil em julho do ano passado. O primeiro prédio nacional da Spaces está na Vila Madalena, bairro boêmio de São Paulo. O andar térreo abriga diversos grafites, que se misturam ao bicicletário e ao espaço para pets, e suas salas de convivência são mais amplas do que as vistas na corporativa Regus.

É natural pensar que a WeWork represente uma concorrência direta ao Spaces. Mas, para Priori, suas situações são muito diferentes: o IWG é uma empresa aberta em bolsa, que obrigatoriamente responde aos investidores e possui um valor de mercado definido em 4 bilhões de euros (na cotação atual, 4,6 bilhões de dólares). Já a WeWork é uma empresa mais nova e que não precisa, necessariamente, prestar contas. “Acredito que a política de cash burn, uma hora, terá um limite. Nós já estabelecemos que o empreendedor que está apenas começando não é nosso cliente. Se não, a conta não fecha". Mesmo assim, tal como Pacheco, o diretor do Spaces concede que toda a publicidade da WeWork no Brasil foi benéfica para o próprio Spaces, que possui uma fila de espera de seis meses em quatro unidades em operação, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Escritório flexível da Spaces na Vila Madalena em São Paulo, do Grupo IWG

Spaces, na Vila Madalena (São Paulo) (Spaces/Grupo IWG/Divulgação)

Um hype no meio do caminho

Nem mesmo a WeWork escapa das dificuldade naturais dos coworkings. De acordo com o CB Insights, a WeWork assina contratos que podem durar até 15 anos com os proprietários dos imóveis reformados. Algumas negociações exigem que ela pague centenas de milhões de dólares em aluguéis futuros, em anos em que tudo pode acontecer: de uma demanda menor por imóveis até o surgimento de um concorrente.

Analistas destacam como a WeWork está diversificando seus investimentos - os apartamentos, escolas e espaços de bem-estar -, o que um negócio comum de coworking não faria. A imobiliária-startup também está apostando em imóveis mais seguros por meio de aquisições em lugares bem localizados e com termos melhores, o que resulta em mais ativos tangíveis a mostrar aos seus investidores.

Por fim, o negócio procura também firmar contratos mais longos com seus membros, priorizando clientes maiores. Um quarto do ganhos da WeWork provém, hoje, de empresas com mais de mil funcionários. No Brasil, empresas como Cielo, Claro, Facebook, Riachuelo e Porto Seguro possuem membros em escritórios da WeWork. Globalmente, a instalação de gigantes em prédios WeWork cresceu 370% em 2017 em relação ao ano anterior.

As iniciativas para corporações incluem o Powered by We, programa que leva “o jeito da WeWork” para dentro das empresas. Alguns exemplos de escritórios Powered by We são os da Amazon, Airbnb e IBM nos Estados Unidos. Por aqui, o Itaú Unibanco é um exemplo.

Para o CB Insights, o foco nos peixes grandes é fundamental. Se o crescimento dessa fatia se estagnar e se as companhias usarem a WeWork mais como um marketing momentâneo do que como uma real solução de eficiência imobiliária, a empresa pode ter dificuldades no médio prazo. Para ganhar dinheiro, deverá lutar contra o seu próprio hype.

Acompanhe tudo sobre:Coworkingdicas-de-financas-de-pmedicas-de-inovacao-de-pmeImóveisInovaçãoStartupsWeWork

Mais de PME

ROI: o que é o indicador que mede o retorno sobre investimento nas empresas?

Qual é o significado de preço e como adicionar valor em cima de um produto?

O que é CNAE e como identificar o mais adequado para a sua empresa?

Design thinking: o que é a metodologia que coloca o usuário em primeiro lugar