Mário Lapietra, da Orbi Química: apoio de clientes e fornecedores (Fabiano Accorsi)
Da Redação
Publicado em 10 de abril de 2014 às 06h00.
São Paulo - A mercadoria do cliente está atrasada. O fornecedor não vai receber o pagamento da fatura na data combinada no contrato. O bônus dos funcionários será menor do que o previsto. Ou — toque-toque — a fábrica pegou fogo. Você não ficou sabendo? Esses são apenas alguns exemplos de más notícias que um empreendedor pode ter de contar a clientes, funcionários ou fornecedores.
Riscos fazem parte do dia a dia de toda empresa e, às vezes, coisas ruins acontecem mesmo. Aliás, não é só nos negócios — o imprevisível faz parte da vida. Por mais bem-feito que seja um planejamento, erros, contratempos e acidentes podem sempre acontecer.
É bom, portanto, estar preparado para o momento em que será necessário contar algo muito chato. A seguir, veja cinco pontos a ser levados em conta ao comunicar uma notícia ruim.
1 Qual o melhor momento para dar uma notícia ruim?
O problema deve ser comunicado assim que for constatado. “Ficar esperando muito tempo para dar uma má notícia atrasa a busca de soluções”, afirma Leonardo Toscano, sócio da Excelia, consultoria especializada em pequenas e médias empresas.
O economista Mate Pencz, de 27 anos, sabe que adiar a comunicação de uma notícia desagradável não ajuda em nada. Ele é sócio da paulista Printi, uma gráfica online que faturou 5 milhões de reais em 2013, cinco vezes mais do que no ano anterior.
Recentemente, a Printi firmou um contrato com a iFood, empresa que mantém um site e um aplicativo para pedir comida. Uma vez por mês, a iFood envia folhetos com as ofertas dos restaurantes para os 200 000 usuários que mantém em sua base. “A mala direta é o principal meio de comunicação com nossos clientes”, afirma Ainah Correa, gerente de marketing da iFood.
Numa das impressões, Pencz percebeu um erro — um lote de folhetos saiu com ilustrações invertidas, o que comprometia a compreensão. A iFood foi avisada imediatamente sobre o problema e Pencz negociou uma nova data de entrega. A Printi teve de reorganizar seu cronograma para conseguir reimprimir todos os folhetos e cumprir o novo prazo.
Mesmo com o imprevisto, a iFood permanece entre os clientes da Printi. “Percebemos que eles conseguem resolver rapidamente os imprevistos”, diz Ainah. “Esse é um detalhe importante na relação entre clientes e fornecedores.”
Além dos erros de impressão, outro problema que preocupa o sócio da Printi é o atraso dos pedidos. “Entregamos em todo o país e às vezes precisamos lidar com complicações logísticas”, diz Pencz. Recentemente, um dos clientes da Printi pediu a impressão de cartazes para um evento em Manaus.
O material saiu da sede, em São Paulo, dentro do prazo, mas a empresa de transporte não conseguiu fazer a entrega a tempo. Pencz entrou em contato com o cliente assim que ficou sabendo e avisou que uma gráfica de Manaus havia sido contratada para produzir os cartazes. “Arcamos com o custo, mas conquistamos a confiança do cliente”, diz Pencz.
2 O empreendedor deve dar a má notícia, ou não faz mal delegar para um funcionário?
O mais seguro é que o próprio empreendedor se encarregue de contar o ocorrido aos principais interessados. Enviar intermediários para resolver o abacaxi pode dar a impressão de que a companhia trata o problema como algo menor. “Como principal líder da empresa, o empreendedor é a figura mais indicada para resolver situações delicadas”, diz o consultor Fernando Lanzer, que dá treinamento sobre liderança.
Foi assim que agiu o empreendedor Rogério Salume, de 37 anos, dono da Wine.com.br, loja virtual de vinhos que faturou 125 milhões de reais no ano passado. Em 2012, as encomendas de Salume ficaram paradas no Porto de Vitória, no Espírito Santo, por causa de uma greve dos auditores da Receita Federal.
As entregas para os clientes atrasaram, e os mais prejudicados foram os assinantes do ClubeW — plano em que o associado recebe mensalmente uma seleção de vinhos importados. “Eles são clientes fiéis e representam 45% do faturamento”, diz Salume.
Após uma semana de atraso, Salume decidiu comunicar o problema aos clientes — e escreveu um comunicado oficial em que explicava o problema e pedia desculpas. A mensagem foi despachada pelos Correios — e uma versão eletrônica também foi enviada por e-mail.
Além das cartas, a empresa produziu um vídeo em que Salume informava os motivos do atraso. O vídeo ficou disponível no site por pouco mais de um mês. A empresa ofereceu o reembolso de uma das mensalidades do clube e deu aos assinantes a chance de cancelar o contrato sem cobrar multa.
O engenheiro José Antônio Lombardi, de 58 anos, foi um dos assinantes do ClubeW que recebeu o comunicado. “A forma com que a empresa lidou com o problema foi muito transparente”, afirma Lombardi. “Depois do acontecido, passei a confiar mais nos serviços da loja.” No fim das contas, os efeitos negativos foram menores do que os donos da empresa imaginavam. “Nenhum dos associados do ClubeW cancelou a assinatura no período da greve”, diz Salume.
3 É possível criar um procedimento-padrão para dar uma má notícia aos funcionários?
Não existe uma cartilha definitiva que resolva todo tipo de situação desagradável. A gama de notícias negativas que afetam a vida dos funcionários é enorme — a escala vai da mais trágica, como uma demissão em massa, a algo mais banal, como o fim da máquina de café. Cada situação determina um grau de preocupação diferente.
Independentemente disso, os especialistas em comunicação interna afirmam que o ideal é criar um processo para evitar que mal-entendidos se espalhem pelas conversas de corredor. Um cuidado simples é comunicar todos os acontecimentos de uma só vez aos funcionários afetados.
“Um e-mail geral ou um comunicado afixado no mural da empresa são suficientes para dar notícias de menor impacto, como o adiamento de alguma atividade recreativa”, diz Denise Carvalho, da agência de comunicação Blue Chip.
Em casos que podem gerar maior insegurança — como quando a empresa está prestes a concluir uma operação de fusão e parte da equipe terá de ser dispensada —, o mais aconselhável é que os empreendedores e seus principais diretores reúnam os funcionários para uma conversa.
“Um simples comunicado não seria capaz de responder a todas as perguntas que surgem num momento assim”, diz Denise. “Nessas horas, não há nada melhor do que uma reunião para explicar os detalhes da operação e esclarecer o novo momento pelo qual a empresa está passando.”
4 Em casos de acidentes ou catástrofes,como comunicar fornecedores e clientes?
Em situações imprevisíveis, como incêndios e inundações, um empreendedor precisa pôr em andamento um plano de emergência. Nesses casos, mais do que avisar os fornecedores e clientes, é preciso envolvê-los na resolução do problema. Foi o que fez o economista Mário Lapietra, de 46 anos, dono da Orbi Química, que fabrica produtos automotivos, como óleos lubrificantes e ceras.
Em março de 2012, a fábrica da empresa, que fica em Leme, no interior de São Paulo, pegou fogo — e parte do maquinário e das matérias-primas foi perdida. “Foi um horror”, afirma Lapietra. “Da noite para o dia, a empresa passou a poder produzir apenas 30% do que costumava fabricar normalmente.”
Diante da situação, Lapietra não viu alternativa a não ser se reunir com clientes e fornecedores para explicar o ocorrido e pedir ajuda para se reerguer e poder honrar seus compromissos. Passado o impacto inicial da má notícia, ele apresentou um plano de reestruturação que havia desenhado com a ajuda de seus funcionários.
“Explicamos aos clientes que nossos estoques estavam intactos, e que tínhamos muitos produtos para vender imediatamente”, diz Lapietra. “Muitos deles aceitaram antecipar suas compras e conseguimos levantar um capital de giro razoável.”
Com alguns fornecedores, Lapietra negociou prazos de pagamento mais longos. Com outros, conseguiu até arranjar espaço para guardar as mercadorias que não foram consumidas pelo incêndio. Foi esse o caso da metalúrgica Prada, de São Paulo.
Há 20 anos a empresa fornece para a Orbi os pequenos tubos que vão dentro das embalagens de lubrificantes em aerossol. Reinaldo dos Santos, coordenador de negócios da Prada, foi quem recebeu a notícia do incêndio e topou guardar os insumos da Orbi por alguns meses.
“A Orbi é um cliente muito importante para a gente, e por isso era de nosso interesse que ela se reerguesse rapidamente”, afirma Santos.
No fim das contas, o apoio dos clientes e dos funcionários foi crucial para a recuperação da Orbi. “Conseguimos até crescer”, diz Lapietra. Em 2012, mesmo ano do incêncio, a Orbi faturou 62 milhões de reais — 15% mais do que no ano anterior.
5 O que não deve ser feito em hipótese alguma na hora de dar uma notícia ruim?
O pior que um empreendedor pode fazer é abrir margem para que informações conflitantes se proliferem. Basta lembrar de uma cena comum em aeroportos quando um voo atrasa por muito tempo. Os passageiros, impacientes, começam a pressionar os funcionários da companhia aérea para saber se devem ou não esperar pelo próximo voo.
As respostas, por vezes pouco definitivas ou até divergentes, colaboram para aumentar a insatisfação dos clientes. “A falta de notícias conclusivas é o pior dos cenários”, diz Denise, da Blue Chip.
Quando as falhas de comunicação afetam a relação com funcionários e fornecedores, os estragos também podem ser grandes. Um atraso de pagamento, por exemplo, pode gerar boatos de que a saúde financeira da empresa não vai bem — o que pode ser usado como justificativa para que fornecedores limitem o crédito à empresa ou para criar um clima de insegurança entre os funcionários.
“Muitas vezes não passou de um erro pontual”, diz Toscano, da Excelia. “Nesses casos, a empresa sofre porque o empreendedor não dá a devida importância à comunicação.”