Shopstreaming: este novo modelo de vendas deve faturar 129 bilhões de dólares em 2020, um crescimento de 111% em relação ao ano anterior (Chen Zhongqiu/VCG/Getty Images)
Carolina Ingizza
Publicado em 30 de agosto de 2020 às 08h00.
A pandemia de coronavírus foi um grande propulsor para o e-commerce brasileiro. Sem poder comprar e vender no mundo físico, milhares de pessoas abraçaram o comércio eletrônico. Só no primeiro semestre de 2020, foram mais de 7 milhões de novos compradores e um crescimento de 47% no volume gerado em vendas online. Depois desse boom de lojas online, qual seria o próximo passo para o e-commerce brasileiro?
A China nos dá pistas da resposta para essa questão. Nos últimos meses, o Brasil começou a experimentar um fenômeno que já é popular no país asiático há anos: os vídeos ao vivo. Desde março, as redes sociais brasileiras estão repletas de lives de artistas musicais, autores, jornalistas, empresários, atores. O mundo em quarentena virou uma live. E as empresas não ficaram para trás.
As companhias perceberam que poderiam usar toda essa audiência dos vídeos para vender mais pela internet, em modelo apelidado de shopstreaming. O formato, que consiste em colocar vendedores para apresentar ao vivo produtos que podem ser comprados online, já existia antes de 2020, mas foi levado a um novo extremo com a pandemia.
Na China, por exemplo, o shopping Shanghai New World fez três transmissões ao vivo com 12 horas de duração em março que foram vistas por 130.000 pessoas. A consultoria iiMedia estima que o faturamento desse modelo de vendas será de 129 bilhões de dólares em 2020, um crescimento de 111% em relação a 2019.
Percebendo o potencial desse novo formato de vendas online, as empresas brasileiras resolveram testá-lo por aqui. A fabricante de chocolates brasileira Dengo foi uma das primeiras a adotar o streaming como alternativa ao fechamento das lojas. Preocupada com o faturamento no Dia das Mães, a empresa decidiu que era hora de inovar. Foi assim que seus vendedores começaram a fazer lives contínuas para "receber" o cliente no espaço virtual e tirar todas as suas dúvidas em relação aos produtos.
Em junho, foi a vez da B2W investir no formato de live commerce para atrair e fidelizar mais clientes. O lançamento do Americanas ao Vivo é inspirado no que a plataforma de e-commerce chinesa Alibaba faz há alguns anos. Como explica Jean Lessa, diretor da B2W Digital, o modelo permite que os clientes tenham novas formas de ver o produto antes de decidirem pela compra. Com o sucesso da iniciativa, estrelada pela influenciadora Camila Coutinho na sua estreia, a companhia aplicou o formato também ao Shoptime, marca que começou como um canal de vendas na TV paga nos anos 1990.
A rede de franquias de óculos Chilli Beans também investiu no novo modelo. Com nomes como Isis Valverde, Marco Luque e Alok, a empresa promoveu o evento Chilli Beans Live Circus no começo de agosto para lançar sua nova coleção assinada pelo estilista Alexandre Herchcovitch. Para a marca, além de impulsionar as vendas online, a iniciativa foi uma tentativa de atrair mais consumidores para as lojas físicas com descontos exclusivos.
Percebendo essa tendência, as grandes empresas de tecnologia ocidentais correram para se adaptar. O Instagram, aos poucos, libera novas funções para a sua plataforma de vendas. Agora, marcas e produtores de conteúdo dos Estados Unidos já podem experimentar sua ferramenta de shopstreaming, o Instagram Live Shopping, que deve ser expandida para outras regiões em breve. O Google, por sua vez, escolheu o Brasil para testar sua Vitrine Virtual, projeto em que empreendedores podem oferecer seus produtos em lives no YouTube.
Todo o movimento envolvendo as lives de e-commerce gera dúvidas: as transmissões ao vivo vieram para ficar? Dados de pesquisa no Google indicam que as buscas por lives, no geral, caíram 75% em julho na comparação com abril. Ainda que haja menos entusiasmo que nos primeiros dias de isolamento, especialistas acreditam que o formato conquistou seu espaço no cotidiano do público e nos planos de marketing das empresas.
Para André Dias, presidente da empresa de inteligência de mercado Neotrust/Compre&Confie, uma outra tendência pode despontar com mais força no horizonte do e-commerce brasileiro: o t-commerce. Aproveitando-se da grande audiência da televisão aberta, as marcas estão colocando anúncios e promoções relâmpago na tela dos usuários usando o transmissor do sinal digital para fazer a ponte. Pelo controle remoto, os espectadores podem navegar pelas ofertas enquanto assistem a seus programas favoritos. “Como grande parte das pessoas das classes C e D assiste ainda muito conteúdo na TV, essa pode ser uma tendência a ser explorada no curto prazo”, diz o especialista. No fim, a maior inovação de 2020 pode vir de um meio tradicional.