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Uma história bem contada

Dois empreendedores fizeram da Moleskine um negócio milionário ao recriar os caderninhos que o escritor Ernest Hemingway e o pintor Pablo Picasso gostavam de rabiscar

Caderno Moleskine (Cicero Rodrigues)

Caderno Moleskine (Cicero Rodrigues)

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Da Redação

Publicado em 29 de agosto de 2016 às 16h12.

Construir marcas valiosas é uma ambição para a maioria dos empreendedores. Mas poucos conseguem criar nomes que, de fato, se imponham no mercado e ainda transcendam os limites dos rótulos, como aconteceu com Apple e Google. Nos últimos anos, os italianos Mario Baruzzi, de 69 anos, e Francesco Franceschi, de 68, conseguiram superar o desafio de tornar sua empresa reconhecida em quase todo o mundo. Eles são
fundadores da Moleskine, fabricante de cadernetas e blocos de anotações de Milão que faturou 150 milhões de euros no ano passado vendendo seus produtos em quase 60 países.

É no mínimo curioso que, num momento em que cada vez mais consumidores usam aparelhos eletrônicos como smartphones e tablets para guardar e organizar as informações do dia a dia, as cadernetas de capa preta e folhas amareladas da Moleskine sigam conquistando fãs mundo afora. As vendas vêm crescendo, em média, 35% ao ano desde 2006 e a marca praticamente se tornou sinônimo desse tipo de produto — hoje, qualquer caderninho de capa dura que tenha um marcador de tecido e um elástico para manter as páginas fechadas também acaba sendo chamado de Moleskine pelos consumidores.

Uma das explicações para o fenômeno de marketing que se tornou o negócio de Baruzzi e Franceschi é que eles foram capazes de contar uma boa história a respeito dos caderninhos que parecem saídos de uma papelaria do início do século passado. A trajetória da Moleskine começou quando os sócios italianos buscaram inspiração para um novo produto numa caderneta que pequenas gráficas familiares francesas produziam. No final dos anos 90, Baruzzi e Franceschi compraram alguns exemplares numa papelaria em Tours, na França, que teriam sido feitos pelo dono de uma gráfica pouco antes que sua morte pusesse fim ao negócio. "Eram os últimos Moleskines feitos na França", diz Franceschi.

Na época, Baruzzi e Franceschi eram donos da Modo & Modo, uma importadora de artigos para presentes de Milão. Eles viram no Moleskine um potencial para explorar histórias reais — ou quase isso — num bom trabalho de marketing. As cadernetas eram semelhantes às que gênios como Leonardo da Vinci e Pablo Picasso usavam para anotar ideias. O produto também era conhecido do público — no filme Indiana Jones e a Última Cruzada, por exemplo, os nazistas querem saber o paradeiro do cálice sagrado, cujas pistas estão num Moleskine do pai do arqueólogo, interpretado por Sean Connery.

Os italianos souberam aproveitar essas histórias. Cada Moleskine vem com um folheto no qual é apresentado como um herdeiro legítimo dos cadernos de anotações de grandes artistas, como o pintor Van Gogh e o escritor Ernest Hemingway. Em torno de seu produto, os italianos souberam contar uma boa história, ainda que seja, pelo menos em parte, lendária. "Isso é marketing, e não uma ciência exata nem uma verdade completa", disse Franceschi numa entrevista ao jornal americano International Herald Tribune.

Como diz um provérbio italiano, se non è vero, è ben trovato — se não for verdade, está bem contado. Com isso, a marca ganhou certo charme intelectual entre escritores e jornalistas (que usam Moleskines com linhas, como o da imagem ao lado), artistasplásticos e arquitetos (que desenham nos que vêm com páginas nuas), músicos (que anotam inspirações em cadernetas com pautas) e engenheiros (que fazem gráficos e contas em páginas quadriculadas). Para manter a aura em torno do produto, os italianos decidiram vendê-lo em lojas mais sofisticadas do que as grandes papelarias. Deu certo, e hoje os consumidores pagam até 17 dólares por alguns modelos de Moleskine.

À medida que as histórias sobre a Moleskine caíram no gosto do público, admiradores da marca começaram a criar blogs e sites na internet para falar sobre as cadernetas. Para difundir a mitologia em torno da marca, Baruzzi e Franceschi passaram a abastecer esses sites com casos de gente famosa que usava blocos bem parecidos. Em sites como esses, os consumidores de Moleskine aprendem que a origem do nome se deve supostamente ao escritor britânico Bruce Chatwin, morto em 1989, que sempre carregava uma dessas cadernetas em suas viagens. Segundo essa versão, as capas das cadernetas nas quais os italianos se inspiraram eram de couro de toupeira (em inglês, mole skin). Hoje, as capas dos Moleskines são feitas de um material sintético que imita o couro dos ancestrais.

Há pouco mais de três anos, os fundadores venderam 75% do negócio ao fundo de investimento francês Syntegra Capital. Desde então, os novos sócios passaram a lançar edições comemorativas, guias de cidades como Nova York e Tóquio, além de modelos encomendados por clientes corporativos, como Cadillac e Apple. Para cortar custos, parte da produção foi transferida para a China — apenas a montagem e o design seguem sendo feitos na Europa. Renovar a marca daqui por diante sem renegar a tradição é um dos principais desafios da Moleskine para o futuro.

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