Investidor anjo: entidade estima que existam 7.615 investidores anjos por aqui e um total de 984 milhões de reais aportados no ano de 2017 (Foto/Thinkstock)
Mariana Fonseca
Publicado em 23 de outubro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 23 de outubro de 2018 às 06h00.
São Paulo - Conseguir financiamento para impulsionar um negócio com poucos anos de vida nunca é uma tarefa fácil - agora, imagine conseguir não apenas dinheiro, mas a dedicação de um potencial sócio. Essa modalidade de captação de recursos é conhecida no Brasil como investimento anjo e costuma demorar sete meses para ser feita, entre apresentação e acordo.
Hoje, não mais. A Anjos do Brasil, entidade sem fins lucrativos que fomenta o investimento anjo e apoia o empreendedorismo de inovação no país, acabou de realizar o piloto de uma nova metodologia de aportes que reduziu o tempo de captação com anjos para três meses e meio. No meio do processo, o empreendedor já recebe mentorias para ajustar sua empresa, além de ter indicações dos investidores mais adequados para a ideia de negócio.
A Anjos do Brasil fez uma pesquisa com empreendedores e investidores para entender por que os aportes de anjos não cresciam na velocidade adequada para o país.
Os donos de negócio achavam o processo muito demorado; enquanto isso, os investidores pessoa física se sentiam inseguros para investir e não sabiam bem analisar métricas da startups, levando meses para tal.
Por isso, a Anjos do Brasil decidiu interferir mais nessa relação e lançou um projeto piloto de nova metodologia de investimento anjo com a Manipulaê.
A Manipulaê, plataforma de farmácias de manipulação, é o típico caso de negócio que poderia aproveitar um investimento anjo. O negócio, com faturamento de 80 mil reais em 2017, sustentou-se com seus próprios recursos (prática conhecida como bootstrapping) até o ponto em que era preciso obter mais dinheiro para expandir com escala. O faturamento no ano de 2017 foi de 80 mil reais. “Queríamos não só o dinheiro, mas alguém que validasse o nosso negócio e que tivesse experiência em outras empresas”, diz Thiago Colosio, fundador da Manipulaê.
A Anjos do Brasil recebeu o cadastro de Colosio em sua plataforma online e o convidou para ser seu mínimo produto viável, ou MVP, da nova metodologia. Tudo começa com sete semanas de uma análise profunda do negócio, conhecida como due diligence. A Anjos conheceu o empreendedor, analisou dados financeiros da startup e realizou testes comportamentais com o dono do negócio, investigando potenciais conflitos de sociedade.
Após novas conversas para afinamento da ideia de negócio com base nas informações analisadas, Colosio fez o pitch da Manipulaê a um grupo de 30 investidores selecionados pela Anjos do Brasil em junho deste ano. Após a apresentação curta, a entidade conversou com os potenciais aportadores e agendou conversas em grupo e particulares entre Colosio e os mais interessados. As conversas levaram cerca de três semanas e a Anjos do Brasil ofereceu suporte na documentação do acordo de investimento.
A Manipulaê assinou um aporte de 525 mil reais para seu negócio há um mês, com 14 investidores. O processo todo levou três meses e meio, metade do tempo costumeiro do mercado, por conta do trabalho mais ativo da Anjos na busca de investidores e na estruturação dos dados mais essenciais da startup, reduzindo burocracias e inseguranças. A Manipulaê espera faturar 200 mil reais neste ano, um crescimento de 2,5 vezes sobre o visto em 2017.
O investimento anjo é a soma de capital e valor agregado, sendo realizado por pessoas físicas como executivos, empreendedores e outros profissionais que tenham acumulado recursos e experiência suficientes para aplicá-los em startups.
Eles costumam investir em setores extremamente promissores, tanto em crescimento quando em potencial de transformação, e geralmente próximos de suas áreas de atuação. As startups aportadas geralmente possuem um mínimo produto viável rodando e algum faturamento, o que significa clientes dispostos a pagar pela solução.
Segundo Maria Rita Bueno, diretora executiva da Anjos do Brasil, o investimento anjo começou por volta da década de 90 no Brasil, de forma “dispersa” e “passiva”. A Anjos surgiu em 2011 e percebeu um progressivo amadurecimento do mercado. A entidade estima que existam 7.615 investidores anjos por aqui e um total de 984 milhões de reais aportados no ano de 2017, alta anual de 16%.
O crescimento é justificado pela queda da taxa básica de juros (Selic), que motivou a busca por maiores rentabilidades em outros investimento; pelo anúncio de empresas como 99 e Nubank, que se tornaram unicórnios e trouxeram mais credibilidade às startups brasileiras; e pela aprovação da Lei Complementar 155/2016, que entrou em vigor em primeiro de janeiro de 2017 e simplificou a apuração de impostos devidos.
O valor ainda está longe do visto nos Estados Unidos, de 88,73 bilhões de reais (23,9 bilhões de dólares). Mesmo com melhorias, a diretora executiva estima que o Brasil poderia ter 9,5 vezes mais investimento anjo do que vê hoje, pensando na relação entre PIB e quantidade aportada nos Estados Unidos e no Brasil. O valor investido por anjos deveria ser de aproximadamente 9,4 bilhões de reais por ano.
O investimento anjo é relativamente arriscado, com grande incerteza e pouca liquidez. Há casos, inclusive, que o investidor pode ser responsabilizado caso a startup se envolva em processos judiciais. Então, é preciso compensar o anjo com bons retornos - e facilidades tributárias poderiam dar esse incentivo, da mesma forma que se faz em aplicações como Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e Letras de Crédito Imobiliário (LCI).
Algumas medidas práticas para estimular o investimento anjo, defende Bueno, são o co-investimento de anjos com entidades públicas de financiamento, como BNDES e Finep; a compensação do valor investido em abatimentos no Imposto de Renda; e a isenção de impostos sobre ganhos de capital.
Para a diretora executiva da Anjos do Brasil, tais isenções não são dinheiro perdido para o resto do Brasil, já que startups investidas criam mais vagas de emprego e seus produtos inovadores podem melhorar a vida de diversos consumidores. O empreendedor ainda pagaria tributos sobre o pagamento de salários, aquisições de máquinas, contratações de serviços e aumento do faturamento em sua startup.