Franco Machado, da Mogai, empresa de softwares para planejamento de logística. (Tom Boechat)
Da Redação
Publicado em 24 de fevereiro de 2011 às 08h00.
O empreendedor paulista Antonio Dias, de 38 anos, cresceu numa casa onde se conversava um bocado sobre bolachas. Seu pai, o imigrante português Armindo Dias, é fundador da fábrica de biscoitos Triunfo, comprada pela Danone. Hoje, Antonio ajuda o pai a administrar uma empresa muito diferente — a rede de hotéis Royal Palm, que mantém quatro unidades em Campinas, uma das cidades mais ricas do estado de São Paulo. Em 2010, as receitas da Royal Palm ficaram em torno de 86 milhões de reais — 25% acima de 2009. A maior parte veio de grandes companhias, como Natura e 3M, que costumam reservar os hotéis dos Dias para eventos internos. “Antigamente, a gente fabricava mercadoria”, diz Antonio. “Agora, ajudamos outras empresas a produzi-las.”
Poucos lugares do país são tão bons para pequenas e médias empresas de serviços, como a Royal Palm, quanto Campinas e as 18 cidades vizinhas. Servido por boas rodovias, com ótimas universidades, usinas de açúcar e álcool e milhares de pequenas e médias empresas que participam de cadeias de fornecimento de quase todos os setores, o polo de Campinas é um dos mais dinâmicos do país. De 2004 a 2008, a economia local expandiu 26,5% acima da média brasileira.
Num momento em que a infraestrutura de transporte apresenta sinais de colapso em várias partes do país, Viracopos, o aeroporto mais próximo, é um dos poucos que ainda podem ser considerados adequados às próprias necessidades. Até alguns anos atrás, Viracopos estava voltado basicamente para cargas. Em 2008, entrou em rotas de companhias aéreas que buscavam alternativas aos sobrecarregados Cumbica e Congonhas. Nesse período, o volume de passageiros em Viracopos quintuplicou, trazendo mais movimento para a Royal Palm. Para dar conta da demanda, a rede ampliou o número de apartamentos para 662 — 21% acima do registrado em 2008.
“Em nenhum outro lugar do Brasil há tantas oportunidades para prestadores de serviços”, afirma João Consiglio, diretor da área de pequenas e médias empresas do banco Santander. Dados do IBGE mostram que Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo respondem por 56% do PIB nacional. Embora o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste sejam as regiões que mais crescem hoje, o Sudeste continua imbatível em vários aspectos. Eis alguns:
• Das 500 maiores empresas do país, 342 estão no Sudeste, segundo Melhores e Maiores , da revista EXAME, da Editora Abril, que também publica Exame PME.
• A infraestrutura do Sudeste é a mais completa, com nove das dez melhores estradas do Brasil, segundo o Guia Estradas 2011 Quatro Rodas, da Editora Abril, e a mais abrangente rede de telecomunicações.
• É a região com o mais rico mercado consumidor — a renda per capita está 30% acima da média nacional, segundo o IBGE.
• Funcionam no Sudeste cerca de 70% dos cursos de graduação considerados excelentes, muito bons ou bons pelo Guia do Estudante, da Editora Abril.
“O vigor da economia da Região Sudeste gera uma demanda constante por serviços”, afirma o economista Adriano Pitoli, sócio da consultoria Tendências. Deve continuar assim por um bom tempo — a Tendências estima que a economia da região crescerá, em média, 4,3% ao ano até 2014 graças ao aquecimento dos setores petrolífero e de construção, e também aos preparativos da Copa do Mundo e da Olimpíada.
Para muitas pequenas e médias empresas da região, tudo isso significa mais oportunidades para crescer oferecendo serviços cada vez mais especializados. É o caso da mineira Devex, por exemplo, que faz sistemas de automação para 30 mineradoras, entre elas a Vale e a CSN. Fundada em 1997 pelos engenheiros Guilherme Bastos, de 40 anos, e Luiz Tomaz, de 38, em 2010 a Devex obteve receitas em torno de 25 milhões de reais, o dobro do ano anterior.
Bastos e Tomaz criaram um sistema de orientação específico para escavadeiras, caminhões e carregadeiras que operam em minas. Ele permite a comunicação entre os motoristas das máquinas e uma central de controle, de onde profissionais amparados por monitores e mapas informam as coordenadas do ponto exato de cada escavação para evitar que ocorram colisões.
Dois motivos fizeram os sócios escolher Belo Horizonte para sediar a Devex: a proximidade das minas de minério de ferro, onde há operações dos principais clientes, e das universidades onde se formam engenheiros de mineração e geólogos de que a Devex precisa. Bastos e Tomaz acreditam que a Devex tende a ser cada vez mais procurada num setor com muita produtividade a ser perseguida. “Menos de 10% das minas do mundo têm um sistema de automação desse”, diz André Emrich, sócio do fundo de investimento FIR Capital, que em 2009 aportou 8 milhões de reais na Devex. “As mineradoras precisam aumentar a produtividade para aproveitar ao máximo a demanda mundial por minério de ferro.”
O efeito colateral do desenvolvimento do Sudeste são seus conhecidos problemas. Várias cidades têm transtornos típicos de lugares que crescem de forma desordenada, como falta de segurança e poluição. O trânsito é um inferno. Segundo estudo da Fundação Dom Cabral, entre 2005 e 2008 o tempo perdido em congestionamentos para chegar às principais rodovias do Sudeste aumentou 48%.
Para a Mogai, fabricante capixaba de sofwares para planejamento de logística, essa estatística significa novos negócios. Ela oferece um sistema que simula em tempo real o trajeto das cargas do cliente numa maquete virtual. Desse modo é possível saber quanto um caminhão vai demorar além do previsto para chegar ao destino. “Saber o horário exato permite ajustar as previsões de chegada de cada veículo à fábrica”, diz Franco Machado, de 39 anos, fundador da Mogai. “Assim, pode-se reorganizar o trânsito nos pátios e tomar medidas para receber simultaneamente vários caminhões.”
Na fabricante de celulose e papel Suzano, cliente da Mogai, a tecnologia permitiu reduzir de 3 para 2 horas o tempo médio total gasto pelos caminhões que descarregam madeira e produtos químicos, usados na produção da celulose. “Com o tráfego caótico das rodovias, nem sempre os motoristas conseguem cumprir a agenda”, diz Simon Matheus, coordenador de tecnologia da Suzano. “Com o sofware da Mogai pudemos diminuir os problemas.”
Situada em Vitória, a Mogai surgiu em 1997 para atender um único cliente, a Vale. “Durante anos, aprimorei o sofware para adequá-lo às necessidades da Vale”, diz Machado. “Meu trabalho era organizar o transporte de minério de ferro das jazidas ao porto de Tubarão.” Com o tempo, foram conquistados clientes em outros setores, como siderurgia e celulose. Em 2010, a Mogai teve cerca de 3 milhões de reais em receitas — 15% acima de 2009 — atendendo grandes clientes, como Suzano e Votorantim. Entre seus produtos, há um que calcula volumes de cargas por meio de fotos. “É mais rápido e econômico do que o método tradicional, que requer funcionários para medir tudo manualmente”, diz.
O futuro promete mais negócios para a Mogai. “Os problemas logísticos enfrentados pelas empresas em rodovias, portos e aeroportos do Sudeste tendem a aumentar nos próximos anos com o aquecimento da economia”, diz Paulo Resende, coordenador do núcleo de infraestrutura da Fundação Dom Cabral. “O Sudeste tem os maiores aeroportos e portos do país, mas são também os mais ineficientes.” Há pouco tempo, Resende coorde nou um estudo sobre aeroportos do país. Foram levantados dados como facilidade de acesso, pontualidade dos voos, número de portões para embarque, espaço das salas de espera e qualidade do atendimento. A conclusão foi que, nesses quesitos, os piores estão no Sudeste. Liderando o ranking da tortura estão Cumbica (na cidade paulista de Guarulhos), Congonhas (em São Paulo), Galeão e Santos Dumont (ambos no Rio de Janeiro). “A capacidade operacional está estrangulada para a demanda recebida”, diz Resende. “Enquanto esse descompasso não for solucionado, os congestionamentos vão continuar.”