Mohamad Alsaheb: ele é proprietário do Centro de Língua Árabe, onde dá aulas (Ricardo Yoithi Matsukawa-ME/Jornal de Negócios do Sebrae/SP)
Mariana Fonseca
Publicado em 13 de abril de 2019 às 08h00.
Última atualização em 13 de abril de 2019 às 08h00.
A fala é articulada, mas são perceptíveis o sotaque e as peculiaridades do vocabulário de quem ainda está aprendendo um novo idioma. No Brasil há quatro anos, o publicitário sírio Mohamad Alsaheb nunca sequer tinha ouvido o português. Fugindo da guerra civil que desde 2011 dilacera seu país, Alsaheb saiu de Damasco, capital da Síria, passou rapidamente por Dubai e fixou-se em Beirute.
Depois de dois anos no Líbano, teve de sair pois não conseguiu obter o status de refugiado. Assim como muito de seus conterrâneos, seu sonho era procurar uma nova vida na Europa. Tentou entrar na França, mas não conseguiu. Barrado no aeroporto, viu-se obrigado a pegar um avião para algum país que o aceitasse. Assim ele chegou no Brasil em 2014, com pouco dinheiro, sem amigos e parentes e nenhuma informação sobre o país.
“Logo que cheguei aqui, queria trabalhar em minha área, mas sem falar a língua é muito difícil”, conta. Para melhorar seu português, ele começou a frequentar aulas para estrangeiros na ONG Abraço Cultural. Lá, foi convidado a ensinar inglês como professor voluntário. “Viram que eu tinha jeito para a coisa”. Nasciam ali um professor e um empreendedor, novas oportunidades para Alsaheb.
Pouco mais de quatro anos depois, o ex-publicitário virou professor e abriu sua própria escola de idiomas. Localizada no centro de São Paulo, a instituição oferece aulas regulares de árabe e inglês, e também cursos sazonais de caligrafia e maquiagem árabe.
“A minha intenção é integrar língua e cultura”, explica. Com mais de 50 alunos, Alsaheb está procurando um espaço maior para alugar. A trilha que Mohamad Alsaheb vem traçando no Brasil é comum a muitos imigrantes e refugiados (saiba a diferença no final deste texto) que encontram no empreendedorismo alternativa para a difícil missão de conseguir um emprego sem dominar a língua e sem nenhum contato profissional.
Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e especialista em mercado de trabalho, afirma que apesar da alta qualificação de muitos refugiados – alguns até com doutorado –, as oportunidades de empregos formais são escassas.
“Uma saída é transformar pelo menos parte dessa massa de pessoas que quer e precisa trabalhar em empreendedores qualificados”, avalia. Feldmann aponta um modelo a ser seguido na integração de imigrantes. “A Alemanha fez isso com muito sucesso, tem uma economia forte, diversificada e foi feliz na absorção de mais de 2 milhões de pessoas. Eles desenvolveram políticas públicas consistentes de estímulo ao empreendedorismo”. Cerca de 30% dos refugiados que a Alemanha recebeu se tornaram empreendedores.
Há seis anos no Brasil, Talal Al Tinawi é um exemplo de refugiado com alta qualificação. Engenheiro mecânico, saiu da Síria em busca de um local mais seguro para sua família. Chegou ao Brasil com a mulher e dois filhos e, sem conseguir emprego em sua área, sobreviveu de bicos. Mas, diante do sucesso dos pratos e quitutes servidos durante uma festa de aniversário para um dos filhos, em 2015, amigos brasileiros o incentivaram a vender comida árabe profissionalmente.
Através de um site de crowdfunding (a popular “vaquinha”), Al Tinawi conseguiu amealhar R$ 70 mil para abrir sua primeira loja em abril de 2016. Empolgado com o negócio, ele chegou a ter três estabelecimentos – um no Brooklin e dois em Moema –, mas, sem nenhuma experiência, não conseguiu mantê-los. Hoje, o engenheiro-cozinheiro e sua mulher fazem a comida em sua casa, no Campo Belo.
As entregas na região são feitas por eles mesmos, além de parcerias com as empresas iFood e Uber Eats para encomendas de locais mais distantes. Mais precavido, Al Tinawi fez um curso no Sebrae-SP para aprender sobre gestão e a legislação brasileira. “Está muito ruim para expandir neste momento, mas estou me preparando”, diz. Depois de aprender com seus erros, ele aconselha: “Os pequenos empresários têm de saber usar o dinheiro, planejar e pesquisar muito antes de sair gastando”.
De acordo com uma pesquisa do Sebrae, cerca de um terço das novas empresas fecha em até dois anos. Os motivos são variados, mas muitos podem ser evitados por gestores competentes e que não temem mudanças bruscas.
A síria Joanna Ibrahim é uma dessas empreendedoras inquietas que veem na transformação uma oportunidade. Ela chegou no país em janeiro de 2015 e conta que passou pelo menos um ano e meio dedicando-se a aprender o português. Antes de se fixar em São Paulo, morou no Paraná e em Minas Gerais. E foi em Juiz de Fora, na casa de sua tia a e sua avó (também refugiadas), que Joanna teve a ideia de criar um site para vender ingredientes árabes para pessoas fora dos grandes centros.
“Em São Paulo dá para encontrar tudo, mas para pessoas que estão em cidades menores é complicado comprar alguns produtos”, explica. O comércio online não vingou. “Tem muitos produtos com vencimento, tive problemas com frete, logística e outras complicações”, diz.
Joanna então idealizou e criou um aplicativo para conectar refugiados que gostam do cozinhar com o público. A ideia era fazer uma ponte para oferecer serviços e produtos gastronômicos. Com a ajuda de uma incubadora, ela inscreveu sua startup no Hult Prize, premiação nos Estados Unidos que é considerada uma das maiores do mundo para o empreendedorismo, com aporte de US$ 1 milhão para a iniciativa vencedora. “Chegamos à semifinal. Não ganhamos o dinheiro, mas tivemos muita visibilidade”.
Em mais uma guinada em seu negócio, nasceu a Open Taste, um misto de restaurante, escola e incubadora de talentos culinários. O restaurante, em Pinheiros, abre todas as sextas-feiras com cardápio e cozinheiros diferentes. Lá, é possível experimentar comida síria, boliviana, haitiana, venezuelana, costa-marfinense, congolesa, palestina, líbia, entre outras. A empreendedora e seus parceiros, no entanto, não estavam conseguindo obter lucro. A comida acabava geralmente às 15h e muitos clientes não conseguiam ser atendidos.
Há entre os refugiados muitos bons cozinheiros, mas nem todos com o profissionalismo que um restaurante exige. Desenvolvido com o apoio da aceleradora Blue Fields Developing, o novo modelo de negócio nasceu de uma pesquisa de mercado. “Nós descobrimos que o cliente final é influenciado pela empatia. São pessoas que compram três vezes, no máximo, só para ajudar os refugiados, mas depois param, não se transformam em clientes regulares”, explica.
Depois de uma dose de boa gestão, o Open Taste ganhou um padrão de qualidade, pratos com uma apresentação mais profissional, chefe de cozinha, ajudantes e funcionários fixos. A ideia era criar algo especial e fazer com que os clientes tenham uma experiência para voltarem sempre.
Assim, os refugiados cozinheiros farão uma imersão de um mês no local com um chefe que os treinará em uma cozinha profissional. “Queremos investir na carreira desses refugiados e ajudá-los a criar um cardápio com personalidade”, explica Joanna. O Open Taste assume o risco e compra todos os ingredientes para os cozinheiros “conseguirem servir por mais de três horas”. A empreendedora ensina que para manter o negócio é preciso ter recorrência e profissionalismo. “O Open Taste não é uma ONG, é uma empresa para dar lucro”.
Refugiados são aqueles que saem de seus países fugindo de guerras, perseguição política, étnica ou religiosa – e podem provar isso de alguma forma. Já imigrante é qualquer pessoa que se muda de um país para outro. Imigrantes podem estar fugindo da pobreza ou simplesmente buscando melhores oportunidades. Os países são soberanos para deportar imigrantes que chegam em seu território ilegalmente (sem vistos ou outra autorização), mas não podem fazer o mesmo com os refugiados.
Desde 2016, o Sebrae-SP mantém projetos de capacitação profissional e empreendedorismo para refugiados. As ações, que já tiveram parceiros como o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) e a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), hoje são fruto de uma empreitada conjunta do Sebrae-SP, Subprefeitura Regional da Sé, Missão Paz e a Arquidiocese de São Paulo.
De acordo com o gerente do Escritório Regional Centro do Sebrae-SP, Alexandre Robazza, a atual versão do programa começou em dezembro com o objetivo de elevar a capacitação profissional e apresentar o empreendedorismo aos refugiados e imigrantes.
Dividido em ciclos, os participantes recebem na primeira etapa palestras de sensibilização, explicações sobre questões legais e noções de empreendedorismo. Na segunda fase, quem quiser pode participar do curso Super MEI Gestão, receber ajuda para montar um plano de negócios e para ter acesso ao crédito do programa Juro Zero. A terceira etapa prevê um espaço para exposição e vendas dos produtos na Praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo.
“Será uma incubadora ao ar livre, com os empreendedores estrangeiros aprendendo na prática técnicas de vendas, gestão e relacionamento com clientes”, explica Robazza. Na turma que iniciou o programa há imigrantes e refugiados venezuelanos, sírios, bolivianos, angolanos, congoleses, senegalenses, malianos e haitianos.
Para facilitar o aprendizado daqueles que ainda não dominam o português, a Missão Paz mantém tradutores e o Sebrae-SP destacou facilitadores bilíngues para comandarem as atividades.