FINTECHclass: Guga Stocco, Sergio Furio e Pedro Conrade discutiram o futuro do mercado de fintechs no Brasil (StartSe/Divulgação)
Mariana Fonseca
Publicado em 10 de novembro de 2016 às 12h15.
São Paulo – Você provavelmente já ouviu falar nas fintechs. São startups que desafiam as instituições financeiras tradicionais, como os bancos, por meio do uso da tecnologia.
É um cenário economicamente animador para os consumidores - afinal, mais concorrência significa a criação de serviços melhores e mais econômicos em longo prazo. É algo de que o Brasil precisa muito, diante de altas taxas de juros e processos burocráticos em muitas instituições financeiras.
Apesar de ainda incipiente por aqui, esse mercado já tem bons números para apresentar. O Brasil tem hoje 130 fintechs e metade delas já alcançou um faturamento acima de 1 milhão de reais, de acordo com o relatório do FintechLab. Em 2016, devemos atingir a marca de 450 milhões de reais investidos nessas startups, número puxado por empresas já mais consolidadas como Moip e Nubank.
Três empreendedores estão justamente participando dessa inovação e deram sua visão sobre por que apostam no crescimento das fintechs no Brasil: Guga Stocco, diretor de estratégia do Banco Original, que promete abolir taxas e filas; Pedro Conrade, fundador do Banco Neon, 100% digital e sem anuidade; e Sergio Furio, fundador da BankFacil, startup de empréstimos a juros baixos.
Eles participaram do FINTECHclass, evento realizado ontem pela StartSe para discutir o futuro do mercado financeiro por meio das startups que estão reescrevendo a história do setor.
Veja, a seguir, algumas razões que explicam o sucesso das fintechs – o que inclui algumas características exclusivas ao Brasil.
É conhecido que, no Brasil, pagamos um dos juros mais altos do mundo. Ao ficar com o saldo negativo e cair no cheque especial, os correntistas podem pagar juros que variam entre 11,76% e 15,21% ao mês nos maiores bancos do país, segundo dados do Banco Central.
O valor dos juros pressiona muito o orçamento de famílias e empresas: basta pensar em produtos como cartões de crédito, cheques especiais e empréstimos pessoais.
“Ao olhar para esse quadro, não tem como não pensar que as fintechs brasileiras serão as melhores do mundo: a capacidade de disrupção é muito grande", analisa Furio, da BankFácil. "Já vemos hoje casos de gente que está operando muito bem, como o Nubank.”
O Brasil é campeão no uso de smartphones: cada brasileiro passa cerca de quatro horas por dia mexendo na telinha do celular. Na maioria das vezes, apenas por passatempo.
Mesmo assim, isso abre margem para a criação de empresas focadas na atuação digital - e as fintechs, como o próprio nome já diz, são peritas em tecnologia.
Elas podem aproveitar o fato de que o universo digital já chegou ao mundo dos pagamentos eletrônicos - basta olhar para ferramentas como o internet banking e para a grande quantidade de lojas virtuais - para assumir a dianteira desse movimento de democratização da movimentação financeira online.
Segundo Conrade, do Banco Neon, o Brasil registrou no ano passado transações digitais com valor acumulado de um trilhão de reais. Isso representa ainda apenas um terço do total de transações. “Eu acho que muitas fintechs irão surgiu no Brasil, porque ainda há mercado para ser trabalhado”, diz o empreendedor.
O atual estado do mercado financeiro pode ser entendido como uma competição entre instituições tradicionais – que oferecem um vasto portfólio de produtos e serviços – e as startups – que se especializam em oferecer uma única solução financeira, usando como diferencial uma maior qualidade na experiência do usuário.
Muitos consumidores já estão apostando na segunda opção, aquecendo um mercado antes muito engessado. Para entender por que há essa preferência, Stocco compara um banco a um supermercado: ambos oferecem uma série de produtos e serviços dentro do seu ramo, sejam eles investimentos e créditos ou arroz e feijão.
Ele também lança uma pergunta: quando você vai ao supermercado, você compra o creme de avelã da marca do supermercado ou um Nutella?
“As fintechs operam da mesma forma que a Nutella: elas têm uma equipe pequena e dedicada para resolver um problema muito específico”, explica o diretor de estratégia do Banco Original. “Se vocês optaram pelo creme de avelã da Nutella, percebam que isso gera uma situação complicada para os produtos do próprio estabelecimento. Entendendo essa situação, também se entende a situação do mercado hoje.”
Conrade, do Banco Neon, corrobora com o raciocínio. “As fintechs vão mordendo um produto por vez dos bancos, ao perguntarem-se por que ele não poderia ser feito de uma outra maneira – mudando atendimento, tarifas e transparência, por exemplo. Há uma mudança muito grande entre você ler aquele arquivo PDF imenso, com letras miúdas, e você ver as condições de um empréstimo ou fatura de forma objetiva.”
Diante de um orçamento muito menor do que o disponível em grandes bancos, as fintechs priorizam o enxugamento do quadro de funcionários e a adoção de uma estratégia que é cada vez mais popular entre os consumidores: criar um posicionamento de marca, ou branding, que tenha como princípio a intimidade.
“Enquanto um grande banco pode dispor de mil reais para atrair um único cliente, este mesmo valor é usado para fazer todo o marketing do Banco Neon. É algo muito desproporcional. A forma que encontramos para diminuir essa diferença é trabalhar muito bem as nossas redes sociais", conta Conrade.
Quem já entrou em contato com uma fintech sabe que essa é uma estratégia muito comum do ramo. O Nubank, por exemplo, faz diversas ações para clientes que dão depoimentos pelas redes - como um dono que lamentou o fato de seu cachorro ter comido o cartão roxo.
O grande objetivo é destruir a imagem do banco como algo sisudo e acima dos seus clientes - um conceito que o Banco Neon também tenta quebrar. “Eu criei esse negócio para meus amigos, para fazermos um negócio que seja próximo dos clientes. Claro que tem de ter lucratividade, mas nasceu de uma insatisfação que vivíamos dentro desse mercado, e que muitas outras pessoas também vivem”.
Mas não basta apenas se posicionar como uma marca íntima dos clientes: é preciso que essa intimidade realmente aconteça para que a empresa consiga ter sucesso.
Para isso, Stocco diz ser preciso praticar uma metodologia conhecida dos empreendedores: a Lean Startup, na qual se aprende por meio de testes (e erros) sucessivos, ajustando sua ideia ao longo do tempo. As fintechs, como toda boa startup, sabem fazer uso desse tipo de construção de empreendimentos.
“O mínimo produto viável [MVP] não é apenas criar pedacinhos de produtos, e sim criar experiências singulares”, defende o diretor de estratégia do Banco Original. “Você precisa ter uma mentalidade diferente, especialmente se está trabalhando com os millenials. É preciso tratar o cliente na sua individualidade”, complementa Conrade.
"Os gringos, na verdade, chegaram antes do tempo. Eles vieram ao Brasil por volta de 2011, encontrando um mercado no qual nem os órgãos regulares e nem os agentes do mercado pensavam em fintechs. Agora, com essa popularização, podemos esperar uma avalanche de estrangeiros montando operações aqui", analisa Furio, da BankFácil. Para o empreendedor, essa concorrência é boa para o setor em geral, mas é preciso pensar na regulamentação de tais negócios.
Já Stocco ressalta como a concorrência estará presente em termos não de serviços oferecidos, mas de plataformas mais eficientes. "Quando você olha o mercado bancário lá fora, dá para perceber que o Brasil se destaca quanto à tecnologia voltada para processos bancários. Mas, quando se fala em tecnologia em geral, há países mais avançados", diz o diretor de estratégia do Banco Original.
"A situação pode ficar mais complicada quando empresas de tecnologia resolvem oferecer serviços bancários". É o caso, por exemplo, da integração de pagamentos na própria plataforma do Facebook.