Antonio Gandra, da Ecofit: com sistema de reaproveitamento de água da chuva recolhe, em média, 100.000 litros mês, o suficiente para encher metade de uma piscina. (Fabiano Accorsi / EXAME PME)
Da Redação
Publicado em 30 de junho de 2014 às 14h56.
São Paulo - O risco de faltar água em algumas regiões do Brasil está cada dia maior. Em maio, o nível de reservas do Sistema Cantareira, que abastece algumas das principais cidades da Grande São Paulo, atingiu o menor índice da história — 8,4%.
O governo estadual está concluindo neste momento uma obra para retirar pela primeira vez a água do volume morto das represas, o que deve garantir pelo menos mais seis meses de captação.
“Para que o Cantareira volte ao nível normal, será preciso que chova entre cinco e dez vezes acima do comum para o período seco, de maio a agosto”, afirma Alexandre Nascimento, meteorologista da Climatempo. “É algo improvável de acontecer.” A esperança é que chova duas vezes acima da média no próximo período úmido, de dezembro a abril de 2015. “Até lá, o jeito vai ser reduzir o consumo”, diz Nascimento.
A crise da água não é pontual e localizada. De acordo com a entidade 2030 Water Resources Group, que ajuda os governos de alguns países na gestão dos recursos hídricos, a demanda por água doce e tratada no mundo vai ser 40% maior do que a disponibilidade em 2030.
Por muito tempo, os consumidores não pagaram o custo total da água — parte dela é subsidiada pelos governos, e mesmo assim ainda não é tão comum acrescentar na composição do preço o seu valor social.
É o que explica, em parte, o alto desperdício, que chega a 70% do volume produzido no Brasil, de acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica. O número inclui o mau uso e as perdas em vazamentos e rompimentos de redes nos serviços de abastecimento.
Para qualquer empresa, é certo que a água vai ficar mais escassa e, consequentemente, mais cara. Em negócios que têm a água como matéria-prima, isso significa custos mais elevados em toda a cadeia de produção.
Segundo as associações do setor de sustentabilidade, a expectativa é que em poucos anos as empresas deverão registrar suas pegadas de água, como já é feito com as pegadas de carbono.
“Será obrigatório informar a quantidade de água utilizada, direta ou indiretamente, na produção de um bem ou serviço”, diz Rodrigo Sampaio Leite, sócio da Acqualock, que desenvolve projetos de economia de água. “As empresas terão de se tornar neutras, reciclando, reduzindo o uso e buscando fontes alternativas.”
Exame PME conversou com especialistas e empreendedores para listar o que pequenas e médias empresas podem fazer agora para reduzir o consumo de água. Veja a seguir.
1 Reformas no banheiro
No ano passado, a química Raquel Cruz, de 45 anos, mandou trocar todas as torneiras antigas dos oito banheiros de sua empresa por modelos de pressão. Ela é dona da fabricante paulistana de cosméticos Feitiços Aromáticos. “Um dia, um funcionário me contou que havia instalado em casa torneiras que funcionam com pressão e que a conta de água estava chegando mais baixa”, diz Raquel.
“Imaginei o impacto causado numa empresa como a minha, com 20 empregados.” Na mesma reforma, Raquel aproveitou para trocar as caixas de descarga convencionais por modelos que permitem duplo acionamento (3 litros para dejetos líquidos e 6 para sólidos). Em um ano, a conta de água da Feitiços Aromáticos caiu pela metade.
“Gastamos cerca de 150 reais para cada torneira e 100 reais para cada caixa de descarga”, diz Raquel. “Em menos de um ano, recuperamos o dinheiro.” De acordo com a Sabesp, as torneiras de pressão economizam cerca de 20% em relação aos modelos convencionais.
A reforma pode ir além. Há no mercado torneiras com sensores, que chegam a reduzir o consumo em 40% — elas custam 700 reais, em média. Para locais em que não é possível usar torneiras com pressão ou sensor, como a cozinha e as áreas de serviço, as opções são os redutores e arejadores de vazão.
Os redutores são acoplados à tubulação e chegam a reduzir o consumo pela metade. Os arejadores são pecinhas encaixadas no bico da torneira que mistura ar na água, gerando a sensação de mais volume. A economia chega a 75%. Nas privadas, além de instalar descargas com duplo acionamento, é possível trocar as bacias por modelos que armazenam menos água.
“As bacias antigas usavam 12 litros, e muitos prédios ainda as conservam”, diz Luiz Roberto Pladevall, diretor da Apecs, associação paulista das empresas de saneamento. “As mais modernas usam de 4,5 a 6 litros.” Nos mictórios, dá para instalar válvulas automáticas e sensores, que custam em torno de 1.000 reais e geram uma economia de até 50% de água.
2 Separação de hidrômetros
Em algumas cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, é obrigatória a instalação de hidrômetros individuais (o aparelho que mede o consumo de água) na construção de novos condomínios. O problema está nos prédios mais antigos, que costumam ter apenas medidores coletivos.
Nesse caso, a conta de água é rateada por igual entre todos os condôminos. “Quando o consumidor não sabe exatamente o quanto gasta, não há estímulos para economizar”, diz Leite, da Acqualock. A solução pode ser individualizar a medição. No entanto, instalar novos hidrômetros em construções não adaptadas pode exigir mudanças em toda a estrutura hidráulica do prédio.
Há empresas que fazem esse tipo de projeto. Algumas pesquisas apontam que a mudança gera uma economia média de 20%. “A empresa interessada pode fazer uma campanha junto às demais e levar a reivindicação para a reunião de condomínio”, afirma Leite.
3 Inspeção de vazamentos
Uma única torneira pingando gasta 45 litros de água em um dia. Por ano, são 16.000 litros desperdiçados. Um buraco do tamanho de uma cabeça de alfinete num cano da tubulação desperdiça até 3.200 litros por dia. Uma pequena empresa pode estabelecer medidas bem simples para inspecionar vazamentos como esses.
Um exemplo é criar uma força-tarefa entre os funcionários para que eles avisem quando depararem com algo fora do comum, como manchas de infiltração ou torneiras que não fecham direito. Outra recomendação é contratar uma empresa que preste serviços de caça-vazamentos quando a conta de água vier mais cara do que o normal. “Uma sugestão é checar o hidrômetro com regularidade”, diz Cláudio Ritti Itaborahy, da Agência Nacional de Águas. “Assim, dá para perceber um vazamento antes de a fatura chegar.”
4 Reúso da água
Um dos maiores orgulhos da socióloga Maria Beatriz Setti Braga, de 60 anos, é o programa de reúso da água que funciona em sua empresa de transporte coletivo, a Metra, sediada em São Bernardo do Campo, cidade da Grande São Paulo.
Há seis anos, a Metra investiu cerca de 90.000 reais na construção de uma miniestação de tratamento para reaproveitar a água utilizada na lavagem dos quase 300 ônibus da frota. Hoje, os veículos são lavados em cima de uma plataforma com canaletas que escoam a água para uma caixa, onde fica armazenada. Depois, a água é encaminhada para alguns tanques, onde é tratada com aditivos químicos.
Na Metra, a água tratada é usada para lavar outros ônibus, limpar as mais de 100 paradas de ônibus e regar os 30 quilômetros de jardins que empresa montou no corredor que passa por cidades como São Bernardo do Campo, Diadema e São Paulo, onde presta serviço. “São cerca de 5.000 árvores da espécie manacá, muito bonitas e floridas, plantadas ao longo de todo o trajeto”, diz Maria Beatriz.
A miniestação permite à Metra reciclar diariamente mais de 30.000 litros de água, o que gera uma economia de mais de 110.000 reais por ano. “O investimento se pagou antes dos primeiros 12 meses”, diz Maria Beatriz. O projeto de reúso de água da Metra pode ser adaptado para qualquer pequena ou média empresa de forma mais simples. Uma ideia é recolher a água utilizada para lavar os carros da empresa e aproveitá-la para lavar o chão, as máquinas e regar os jardins.
5 Lavagem a seco
A mangueira é uma das maiores vilãs do consumo consciente da água. O acessório gasta mais de 500 litros em meia hora de atividade, como lavar o pátio ou a calçada. Se uma empresa tiver dois carros, por exemplo, e lavá-los a cada quinzena usando a mangueira (mesmo que rapidamente), pode gastar mais de 1.000 litros de água por mês. Uma alternativa é mandar lavar os carros com produtos a seco — ou adquiri-los em lojas.
Um frasco da solução química custa em torno de 15 reais e pode ser usado para lavar até três veículos. É possível também usar produtos parecidos para fazer a limpeza de áreas físicas. Algumas empresas especializadas em faxina ecológica usam produtos que permitem limpar um escritório de aproximadamente 100 metros quadrados com apenas um balde de água. Um serviço desses custa a partir de 100 reais.
6 Aproveitamento da chuva
Em 2005, quando construiu a academia Ecofit, na capital paulista, o sócio Antonio Gandra, de 46 anos, mandou instalar no telhado canos que captam água da chuva. A água vai para um tanque de 24.000 litros e, depois de tratada, é aproveitada na descarga dos banheiros, na limpeza da academia e para regar as plantas do jardim.
Também foram instalados canos embaixo dos aparelhos de ar-condicionado, para capturar as gotinhas que caem, e nas paredes do subsolo, para aproveitar a umidade das piscinas. “Num mês que chove regularmente, captamos mais de 100.000 litros, o suficiente para encher metade de uma piscina,” diz Gandra. Instalar um tanque de aproveitamento da chuva custa entre 1.300 reais (para modelos sem bombeamento) e 10.000 reais.
7 Programas de conscientização
Muita gente sabe que economizar água é importante, mas não faz nenhuma ideia de por onde começar. Fazer reuniões curtas com os funcionários periodicamente é uma maneira de apresentar o assunto. Na Feitiços Aromáticos isso tem dado certo. “Aprendi nesses encontros a colocar um balde embaixo do chuveiro para captar a água fria que sai antes da quente”, diz Raquel, dona da empresa.
“Agora faço sempre na minha casa.” Outra sugestão é criar e distribuir cartilhas sobre o tema. A Ecofit criou pequenos manuais que mostram, por exemplo, quanto uma torneira pingando gasta por dia. “Distribuímos os livretos para clientes, fornecedores, funcionários e até para os filhos dos funcionários”, diz Gandra, da Ecofit.